RECEPÇÃO, 14H
Nicola mal terminava de revisar o terceiro contrato do dia quando ouviu o som dos saltos altos tocando o chão com autoridade. A mulher que se aproximava ostentava um blazer bege impecável, óculos escuros Chanel e um perfume caro demais para passar despercebido. — Nossa, desde quando essa empresa tem um jardim na recepção? Nicola ergueu os olhos, com serenidade e um leve sorriso profissional nos lábios. — Boa tarde, senhorita. Em que posso ajudá-la? A mulher retirou os óculos lentamente, fitando Nicola com desdém. — E quem é você? — Sou Nicola Rosenthal Dall. Estou em treinamento para substituir a senhora Francesca na assistência executiva do doutor Lucero Balestra. Chiara franziu a testa. — E você precisa ser um jardim ambulante? Uma árvore de Natal antes mesmo do Natal? Porque até onde eu sei, uma assistente deve se vestir de forma adequada. E essa aí... é o quê? Um desfile infantil? Nicola manteve a compostura. — Com quem a senhorita deseja falar? — Avise ao Luccero que a noiva dele está aqui. Sem alterar o tom, Nicola pegou o telefone, discou e falou com a voz firme, mas neutra: — Doutor Luccero, a sua noiva está aqui e está pedindo autorização para entrar. Do outro lado da linha, a resposta veio com incredulidade: — Que noiva? Eu não tenho noiva. Pergunte o nome dessa noiva, porque eu não tenho noiva. Nicola, com o rosto impassível, voltou-se para a visitante: — Senhorita, ele está dizendo que não tem noiva. Poderia me informar seu nome? Chiara deu um suspiro indignado, jogando os cabelos para trás: — Chiara Volpini. Como assim ele não tem noiva? Nós já estamos nos relacionando há cinco anos! Nicola retomou o interfone com precisão: — Senhor Luccero, ela disse que é Chiara Volpini e que vocês já se relacionam há cinco anos. Está perguntando como ela não é sua noiva. Do outro lado, Lucero respondeu sem pressa, com um leve tom de ironia: — Relacionar é uma coisa, noiva é outra, Rosenthal. Não me lembro de ter feito pedido de noivado, mas pode autorizar a entrada dela. — Sim, senhor. Nicola desligou o telefone, ergueu-se com elegância, e apontou com gentileza: — Senhorita Volpini, pode me acompanhar. Está autorizada a entrada. Caminhou com passos suaves até a porta de madeira imponente, abriu com um gesto educado e anunciou com o mesmo profissionalismo de sempre: — Senhorita Chiara Volpini, senhor Lucero. Chiara entrou sem agradecer, com os saltos ecoando pelo piso nobre, carregada de autoridade teatral. Nicola fechou a porta com delicadeza, expirou fundo e sussurrou baixinho para si mesma, voltando à mesa: — Meu Deus, até a namorada do homem é apagada. Ele é preto e cinza, e ela, marrom e bege. É o casal monocromático. Se depender de mim, vou plantar flores nessa empresa inteira. Ela voltou a digitar o contrato com agilidade, balançando levemente a cabeça ao som da própria playlist interna — provavelmente algo animado, francês ou retrô, como ela. ESCRITÓRIO DE LUCCERO BALESTRA – 14H10 Chiara entrou com os saltos batendo forte no piso de mármore e o olhar varrendo o ambiente com desprezo. Parou no centro da sala, pousou a bolsa com força sobre a mesa auxiliar e cruzou os braços. — De onde saiu aquela árvore de Natal ambulante? Aquele jardim fora de moda lá fora? Só falta você colocar uma Torre Eiffel piscando no meio do escritório pra combinar com o show de cores. Luccero nem levantou os olhos do contrato que revisava. — Está falando da minha nova assistente? A Nicola? Ela torceu os lábios, irritada. — A Nicola? Estou falando daquela menininha fantasiada de primavera. Luccero ergueu os olhos, finalmente, e soltou um leve suspiro. — Ah, você está falando da senhorita Nicola Rosenthal Dall, e está implicando com minha nova secretária? Fez um gesto sutil para o interfone. — Francesca? — Sim, senhor. — Por favor, peça à senhorita Nicola que faça a adaptação deste contrato para o inglês e o alemão e depois o traga para eu assinar. Obrigado. — Imediatamente, senhor. Chiara arregalou os olhos, ainda mais chocada. — Você, está deixando aquela criatura colorida mexer nos seus documentos? Contratos em outros idiomas? Luccero! Você sempre foi exigente! Ele se recostou na poltrona de couro, sereno como sempre. — E continuo sendo. Ela fala seis idiomas fluentemente, Já revisei tudo o que ela traduziu esta manhã. Zero erros, inclusive, corrige coisas que a Francesca deixava passar. Chiara bufou, não estava acostumada a ser ignorada. — Eu não sei como você suporta essa mulher. Ela é insuportável, cheia de poses. E mal educada! Luccero ergueu uma sobrancelha. — Você a chamou de árvore de Natal ambulante. Quem começou com a grosseria aqui? Francesca bateu levemente à porta e entrou, entregando os documentos. — Aqui estão, senhor, Nicola já está fazendo as adaptações. — Obrigado, Francesca. Pode voltar para ajudar no setor de contratos. E por favor, mantenha-se disponível para revisão final. — Claro, senhor, com licença. Ela saiu, lançando um olhar nada discreto para Chiara, Chiara apenas revirou os olhos, balançando a cabeça como quem diz “onde o mundo vai parar?”. Lucero voltou a encarar Chiara. — Agora me diga, o que te trouxe aqui? Ela se aproximou da mesa, inclinando-se levemente, com o tom doce ensaiado. — Eu vim te buscar. Vamos para o meu apartamento, preparei tudo para nós passarmos a tarde juntos. Ele fechou a pasta devagar, como quem contém a impaciência. — Ainda são quatorze horas. Eu trabalho até as dezoito, Chiara, isso não mudou.— Mas... — Mas nada, se você não tem ocupação na sua vida, eu tenho, mais uma coisa, — ele cruzou os braços sobre a mesa — com que autorização você anda se intitulando minha noiva? Chiara se endireitou, surpresa. — Como assim? Você sabe que nós temos um relacionamento há anos! — Relacionamento? Isso era algo que acontecia ocasionalmente, sem compromisso, e você sabia disso, não prometi casamento, nunca usei a palavra "noiva", isso foi você quem inventou. — Luccero, você está me expondo ao ridículo... — Quem se expõe ao ridículo é quem mente. E se quiser conversar mais, espere até o fim do meu expediente. Agora, tenho uma reunião em quinze minutos. Ele pegou outro documento e o abriu calmamente, sinalizando que a conversa havia acabado. Chiara ficou ali, boquiaberta, sentindo o orgulho esmigalhado. — Você vai me trocar por aquela secretária cheia de rosa? Luccero levantou os olhos, com um leve tom de ironia: — Não vou te trocar por ninguém. Mas se um dia eu me apaixonar de verdade, pode ter certeza de que será por alguém com mais respeito, mais brilho, e menos drama. Chiara ficou vermelha. Engoliu em seco, pegou a bolsa com brusquidão e saiu da sala sem dizer mais nada. Assim que a porta se fechou, Lucero exalou o ar contido e apertou o botão do interfone: