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Capítulo 4 – Pele e vitrines

 POV Isabela Costa

A entrada no coquetel foi como atravessar uma vitrine de cristal com um machado invisível nas costas. Todos olhavam. E ninguém dizia nada. Meus saltos tocaram o chão de mármore como se cada passo anunciando minha presença fosse uma ofensa. As luzes, as taças, os arranjos florais, tudo perfeitamente calculado para parecer espontâneo. Mas ali, naquele cenário de sorrisos plásticos e olhares programados, eu era a rachadura.

Meu pai estava impecável. Terno cinza escuro, gravata azul marinho. Daniel, ao seu lado, parecia o marido do ano, elegante, sorridente, desprezível. E minha mãe... ela estava bela como sempre, mas com os olhos distantes, como se sua alma tivesse esquecido o corpo em algum aeroporto. Atrás deles, Leonel. Traje escuro, postura firme, olhar em mim. Mas ao contrário dos outros, ele não fingia. Não disfarçava. E não me julgava.

Segui com o rosto erguido. Vestia um longo preto de seda, justo na cintura e com um decote discreto. A maquiagem deixava a pele limpa, mas não escondia tudo. O colar alto de pérolas cobria o pescoço, mas parte da mancha ainda era visível à luz certa. Sabia disso. E deixei assim.

— Sorri, Isa — meu pai sussurrou entre os dentes, quando se aproximou. — Você está aqui para apoiar. Nada mais.

Assenti, sem responder. Nem um gesto. Só o suficiente pra ele parar de falar. Enquanto os fotógrafos se alinhavam, Daniel tocou minha cintura. Senti o toque como um caco de vidro.

— Vamos fazer parecer o que não somos? — ele disse, sorrindo.

— Você nasceu para isso — rebati, sorrindo de volta para as câmeras.

Três flashes depois, me afastei do grupo. Minha mãe veio atrás.

— Isa... está tudo bem?

Olhei para ela. Pela primeira vez em muito tempo, a vi como mulher. Não como esposa perfeita, nem como figurante do meu pai. Havia tristeza nos olhos dela, mas também algo parecido com vergonha. Não por mim, por ela mesma.

— Está... administrável — respondi, pegando uma taça de champanhe.

Ela assentiu. Passou o braço pelo meu, num gesto leve.

— Eu... também apanhei dele uma vez. Na época do segundo mandato como vereador. Você era pequena. E eu tinha vergonha até de mim.

Olhei para frente. Não consegui dizer nada. Apenas deixei que ela segurasse meu braço.

— Você não vai ser como eu — ela completou.

Antes que eu pudesse responder, ouvi a voz grave, firme, mas baixa:

— Como você está?

Leonel estava ao meu lado. As mãos no bolso, a expressão sóbria. Mas os olhos... eles falavam.

— Sobrevivendo. E você?

Ele fez que sim com a cabeça, com um ar de quem compreendia mais do que podia dizer em voz alta.

— Você está linda — ele disse, por fim. E não soou vazio.

— E você... continua perigoso e misterioso quando quer.

Ele sorriu, quase imperceptível.

— Só observando.

Deixei a taça na bandeja de um garçom e fui em direção ao salão interno. Sabia que precisava sorrir, cumprimentar, posar ao lado de rostos que eu fingia lembrar. Mas algo puxou meu olhar para o bar. Ela estava lá. Lívia Ribeiro. Cabelo ruivo escuro preso num coque alto. Vestido vermelho como vinho derramado. Rindo com alguém da equipe de marketing da construtora. A mesma que me mandou fotos. A mesma que me chamou de “princesa de vitrine”. Me aproximei devagar, sem encarar direto. Como quem apenas circula. Ela me viu. E hesitou.

— Lívia, quanto tempo...? — perguntei, fingindo surpresa. — Como está?

— Oi, Bela.. Estou bem e você? — ela respondeu.

Sorri gentil.

— Estou bem. Bom te ver. A gente devia marcar um café qualquer dia desses. Mulheres do meio político precisam se apoiar, não acha?

Ela engoliu em seco.

— Claro... seria ótimo.

— Ótimo. A gente se fala.

E fui embora como se não estivesse me armando. Voltei para o salão com o mesmo sorriso treinado que meu pai tanto ama, aquele que diz “nada me afeta”, mas deixa os outros desconfiados de que algo está para explodir. Lívia permaneceu no bar. Fingia conversar com uma mulher de blazer branco, mas eu vi seu pescoço rígido, o desconforto escorrendo pelos ombros, como se meu olhar ainda estivesse cravado nela. E estava. O jogo tinha começado. E ela não sabia as regras. Ainda.

Sentei à mesa reservada da família. Meu pai conversava com um deputado aliado, Daniel estava de volta ao teatro de “marido encantador”, e minha mãe mexia no guardanapo como se quisesse desaparecer. Leonel estava em pé, ao lado do meu pai, mas seus olhos... estavam em mim. E pela primeira vez naquela noite, eu me senti segura.

— Com quem você falava no bar? — Daniel perguntou, servindo vinho para si mesmo.

— Com a madrinha do nosso casamento, Lívia. — Respondi sem hesitar. — Acho que você deve lembrar. Lívia Ribeiro.

O olhar dele vacilou por meio segundo. Só meio. Mas bastou.

— Nome comum — ele rebateu. — Não lembro. Seu pai fez questão de convidar quatrocentas pessoas para o nosso casamento. E não me recordo dos padrinhos, tivemos bem uns cinquenta. 

— Que curioso. Ela lembra muito bem de você.

Meu pai lançou um olhar atravessado, Daniel sorriu sem graça. Leonel apenas continuou observando. Ele sempre observava.

— Isabela — meu pai interveio com um tom baixo e firme — vamos manter o clima leve, certo?

— Claro. Leve como o tapa que recebi hoje cedo, pai.

O garçom se aproximou na hora errada e congelou no meio da mesa com a bandeja.

— Já falei que você precisa medir o que fala. Está todo mundo prestando atenção.

— Então que prestem bem — sussurrei, sorrindo. — Talvez assim comecem a notar quem são os monstros de verdade nessa história.

O deputado riu desconfortável. Minha mãe pigarreou. Daniel apertou a taça. E Leonel... ele não desviou os olhos de mim nem por um segundo. Terminei meu drink devagar. O sabor seco e amargo era quase poético. Na hora do discurso de Álvaro, todos se levantaram. Ele agradeceu doações, prometeu projetos, sorriu como quem nunca errou. Daniel aplaudia com entusiasmo falso, enquanto as câmeras captavam o “casal modelo” ao fundo. E eu, atrás dele, com o rosto impecável... e as mãos trêmulas de raiva contida. Ao final do evento, Lívia estava prestes a sair quando passei ao seu lado novamente.

— Lívia... sobre aquele café, vamos fazer essa semana? Tenho tanta coisa para te contar. — Falei com um tom doce, quase cúmplice.

— Claro. Me manda mensagem.

— Pode deixar. Vai ser... inesquecível.

Ela sorriu, mas os olhos não acompanhavam. Sabia que algo estava errado. Só não sabia que era ela quem estava prestes a cair. Voltei para o carro da família. Entrei sem dizer uma palavra. Daniel sentou ao meu lado, e antes que ele falasse qualquer coisa, encostei o rosto no vidro e sussurrei:

— Você escolheu a mulher errada para enganar, Daniel.

Ele engoliu seco. E Leonel, do banco da frente, olhou pelo espelho retrovisor. Trocamos um olhar rápido. A guerra estava só começando. E ele sabia.

***

Escolhi o café com cuidado. Nem chique demais, para não parecer artificial, nem casual demais, para não parecer desprezo. Um lugar elegante, neutro. Como eu. Lívia chegou com três minutos de antecedência, como alguém ansiosa para causar boa impressão. Vestido leve, cabelo preso num coque elegante, olhos bem maquiados, os mesmos olhos que, há uma semana, riam ao lado do meu marido.

Ela não fazia ideia de que eu sabia. E era exatamente isso que tornava tudo mais interessante.

— Isabela! — sorriu, me dando um beijo no rosto. — Que bom que você me chamou. Fiquei surpresa, mas... lisonjeada.

Sentei. Sorri de volta. Calmamente.

— Eu gosto de saber com quem estou cercada, Lívia. Você tem se destacado nos eventos da fundação, e... acho importante a gente criar conexões reais, não acha?

— Com certeza! Eu sempre admirei você, sabia? Sua postura, sua força... você é referência pra muitas mulheres.

— Que bom ouvir isso — falei, pegando o menu só para manter as mãos ocupadas. — E você trabalha na equipe de marketing da construtora, né? Desde quando?

— Uns oito meses. Entrei no setor de relacionamento e, bom... fui subindo. Fico mais na parte de planejamento agora. É puxado, mas recompensador.

— Imagino. Planejamento exige... cuidado, discrição, estratégia. Certo?

Ela assentiu, sem notar o duplo sentido.

— Totalmente. A gente lida com pessoas muito importantes, precisa saber o que mostrar e o que guardar. Ainda mais com essa proximidade com figuras públicas, como... seu marido.

Sorri, fingindo surpresa.

— Ah, vocês são próximos?

— Não... — ela riu, um pouco sem graça. — Quer dizer, ele é sempre educado. Às vezes participa das reuniões, dá algumas ideias, comenta campanhas. Mas... nada demais.

Bebi um gole do cappuccino. Ela puxou um guardanapo e continuou falando, sem perceber a armadilha se formando.

— Daniel é incrível. Super inteligente, alinhado. E, claro, bonito. — Ela riu de si mesma. — Quer dizer, óbvio que eu sei o lugar de cada um, né? Mas não posso negar que ele é... magnético.

Levantei os olhos para ela. Mantive a voz doce.

— E você costuma se aproximar de homens magnéticos?

Ela travou por um instante. Pisquei devagar. Como se dissesse: Eu sei.

— Não... eu... claro que não. — Ela riu, nervosa. — Isa, desculpa, eu estou falando besteira. Fiquei nervosa de estar com você aqui. Não quero que pense nada errado.

— Não penso. Ainda. — Sorri com naturalidade. — Só gosto de observar. E lembrar.

Ela se mexeu na cadeira, desconfortável.

— A gente devia repetir isso. Esses cafés... são ótimos para criar alianças.

— Sim, Lívia. E você... está exatamente onde eu preciso que esteja.

Ela sorriu, sem entender. Mas a tensão no ar já era outra. Instintivamente, ela sentia algo, mesmo que não soubesse nomear. Paguei a conta e me levantei.

— Te aviso sobre o próximo evento. Quero você perto de mim. Bem perto.

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