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Capítulo 3 – Marcas visíveis

POV Isabela Costa

Os corredores da Fundação Costa estavam mais silenciosos do que o normal. Mas eu sentia todos os olhares, todos... Cada passo que eu dava, os saltos ecoavam como tambores de guerra. Os funcionários tentavam disfarçar. Uma desviava o olhar. Outro fingia estar ocupado demais com planilhas. Mas todos viram. E eu quis que vissem. A manga da minha camisa estava levemente dobrada, revelando a marca avermelhada no pulso. Um arranhão discreto na clavícula. E, mesmo com maquiagem, a leve vermelhidão no pescoço denunciava o que havia acontecido naquela manhã.

Passei pelo saguão com a postura ereta. Nem um sorriso. Nem um desvio. Apenas o som dos saltos contra o mármore e o perfume caro que carregava como armadura.

— Senhora Costa... bom dia. — A recepcionista quase sussurrou.

— Bom dia — respondi sem parar.

Fui direto para a sala da diretoria, onde teria uma reunião com o comitê de projetos sociais. Entrei na sala, cumprimentei com um leve aceno e sentei à cabeceira da mesa.

— Podemos começar.

Durante a apresentação, percebi os olhares espiando meu pescoço como se fosse uma peça de arte trincada. Ninguém ousava perguntar. Ninguém tinha coragem. Mas a tensão era palpável. No intervalo, uma das coordenadoras mais antigas, Cecília, se aproximou com um café.

— Está tudo bem, Isabela?

Olhei para ela por dois segundos longos demais.

— Depende do que você chama de “tudo”.

Ela corou, assentiu e se afastou. Eu não a culpei. Na verdade, agradeci por não tentar encobrir o desconforto. Por não fingir que eu estava intacta. Mais tarde, enquanto revisava relatórios na minha sala, recebi a notificação no celular: “Seu pai quer vê-la. Agora.”

Suspirei. Sabia que viria. Atravessei o prédio até o andar administrativo. A porta do escritório dele estava entreaberta. Bati levemente antes de entrar. Álvaro estava em pé, gesticulando. Leonel, ao lado, encostado na mesa, os braços cruzados, olhar atento.

— Você ficou louca? — meu pai começou antes mesmo que eu dissesse oi. — Sabe quantas mensagens eu recebi hoje cedo?

— Imagino que não tenham sido sobre as doações da fundação.

— Isabela... — ele se aproximou, controlando o tom. — O que você quer? Que a imprensa descubra o que aconteceu? Você quer explodir a campanha? É isso?

— Não estou fazendo nada além de existir. Quem me deixou assim foi seu genro.

— E você tem obrigação de manter isso em segredo, pelo menos até o fim da eleição!

Leonel mexeu um músculo do rosto, quase imperceptível. Continuei firme.

— Então eu deveria passar base nas marcas? Usar gola alta para esconder a violência? É isso, pai? Me maquiar como minha mãe fazia quando o senhor gritava com ela?

O silêncio caiu como um tijolo. Leonel baixou os olhos. Meu pai cerrou o punho.

— Isso é diferente.

— Não. É exatamente igual.

— Você quer sabotar tudo? Então vá em frente. Mas não conte comigo quando estiver sozinha, afundada. Porque se essa história vaza, a primeira a perder será você.

— Já perdi. Ontem. Quando percebi que estou casada com um monstro e filha de outro.

O tapa veio seco. Alto. Imediato. Minha cabeça virou com o impacto, e o gosto metálico do sangue tocou o canto da minha boca. Por um segundo, ninguém respirou. Nem mesmo o Leonel.

— O senhor passou do limite! — ele gritou, avançando.

Leonel segurou o braço do meu pai com força e empurrou de volta, afastando-o de mim. Seus olhos estavam em chamas, o maxilar travado, o peito arfando.

— Não encoste mais um dedo nela. Nunca mais.

Meu pai, surpreso, recuou. Parecia não acreditar no que acabara de acontecer, nem no tapa, nem na ousadia de Leonel. Eu, imóvel, senti a pele queimar, mas não pela dor. Pela fúria. Leonel me olhou. Não disse nada. Apenas me ofereceu a mão para me equilibrar. Eu recusei com um gesto leve.

— Obrigada — murmurei, a voz firme apesar da dor. — Mas eu ainda consigo ficar de pé sozinha.

Saí do escritório sem olhar para trás. E naquele instante, soube: meu pai também entraria no caderno preto.

***

POV Leonel Ferraz

Desde o momento em que ela entrou na Fundação, algo me atingiu no estômago. A postura era a de sempre, cabeça erguida, salto firme, presença imbatível. Mas bastava olhar com atenção e ver: algo nela havia quebrado. Não no modo frágil. No modo perigoso. Como vidro estilhaçado, ainda cortante.

E o pior... ela não tentou esconder. O pulso com o hematoma à mostra. A gola ligeiramente aberta, revelando a marca vermelha que nenhuma base disfarçaria. Isabela Costa nunca foi de descuidos estéticos. Aquilo era escolha. Ela queria que vissem. E eu vi. Observei seu caminhar pelo saguão, os olhos da equipe evitando encarar. Vi quando pegou os relatórios e comandou a reunião com uma frieza cirúrgica. E vi, com cada fibra do meu corpo, o estrago que aquele casamento havia causado.

E aquilo me irritou. Irritou mais do que deveria. Porque eu a conheço. Desde os dezoito. Vi quando Álvaro começou a exibir a filha em palanques, moldando-a para ser a esposa de um futuro candidato, e não de um homem. E mesmo assim, ela cresceu linda, brilhante, feroz. Tinha uma luz que ninguém apagava. E agora era como se ela estivesse apagando por dentro... e eu não podia fazer nada.

Ou achava que não podia. Até ela ser chamada para o escritório. Fiquei de pé no canto, braços cruzados, observando como sempre fazia. Mas por dentro, algo se agitava. Um instinto. Uma tensão que ia além do papel de assessor. Ela entrou. O pai já estava com o semblante carregado. Eu sabia que viria tempestade.

— Você ficou louca? — foi o primeiro rugido de Álvaro.

Ela ficou em pé, sem recuar. Falou da violência. Das marcas. E da covardia por trás do silêncio que ele exigia. A cada frase, a tensão na sala crescia. E eu, calado, lutava para manter o rosto neutro. Até ela dizer:

— Já perdi. Ontem. Quando percebi que estou casada com um monstro... e filha de outro.

O tapa veio antes do silêncio. Um estalo que cortou o ar. Meu corpo se moveu sozinho.

— O senhor passou do limite! — ouvi minha própria voz, furiosa.

Agarrei o braço de Álvaro, afastando-o dela com mais força do que pretendia. Meus dedos cravaram no terno dele.

— Não encoste mais um dedo nela. Nunca mais.

Os olhos dele se arregalaram. De surpresa. De raiva. De incredulidade. Ela, em choque, se recompôs rápido. Orgulhosa como sempre. Recusou minha ajuda. E saiu como se tivesse vencido a guerra, mesmo sangrando por dentro. Quando a porta se fechou, o silêncio reinou.

Álvaro me olhou como se quisesse gritar.

— Você esqueceu quem é?

— Eu sei exatamente quem sou. — endireitei a postura. — O homem que viu sua filha ser agredida duas vezes no mesmo dia. Uma por um covarde. E outra por você.

Ele empalideceu.

— Leonel, isso é da minha família. Não se meta...

— Com todo respeito, senhor, como assessor e como alguém que está ao seu lado há anos... Eu não posso ignorar. O senhor perdeu o controle. E se isso sair — e vai sair —, não é só sua imagem que vai desmoronar. É tudo.

Ele passou a mão no rosto, cansado, envelhecido de repente.

— Você acha que eu queria? Eu tenho um estado para governar, e minha filha decide virar mártir da própria tragédia.

— Talvez ela esteja tentando sobreviver. Só isso.

Álvaro me olhou. Pela primeira vez, vi algo que não era arrogância: era medo.

— Isso vai arruinar a gente.

— Não, senhor. O que arruina não é a dor dela. É a sua resposta a essa dor.

Ficamos em silêncio. Eu sabia que ele não ia mudar. Homens como Álvaro Costa não mudam. Mas naquele momento, pelo menos, ele recuou.

— O que ela vai fazer agora?

— O que quiser. E, sinceramente, depois de hoje... eu espero que ela destrua tudo.

Saí da sala sem esperar autorização. No corredor, vi a porta da sala dela entreaberta. Ela já não estava ali. Mas o perfume ainda estava no ar.

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