Mundo de ficçãoIniciar sessãoA luz foi tão forte que Lyria pensou que ia desmaiar. O chão desapareceu, o ar desapareceu, até o próprio corpo parecia ter ficado para trás. Era como atravessar água fervente e gelo ao mesmo tempo.
Quando seus pés finalmente tocaram alguma superfície sólida, ela caiu de joelhos.
Kael puxou-a antes que ela batesse o rosto no chão.
— Respira — ele disse.
Ela tentou, mas o ar parecia grosso demais, pesado demais. Como se o próprio ambiente rejeitasse sua presença.
Lyria olhou em volta.
Nada ali parecia real.
O céu era cinza, sem estrelas, sem lua. Apenas uma massa opaca que não se mexia. O chão parecia pedra, mas respirava em ondas lentas, como se estivesse vivo. Árvores retorcidas cresciam para baixo, não para cima. A luz vinha de lugar nenhum e de todos ao mesmo tempo.
— Onde… onde nós estamos? — ela perguntou, engolindo o pânico.
Kael estendeu a mão e a ajudou a ficar de pé.
— Entre os mundos — ele respondeu. — Não é o portal completo. É um corredor. Uma fenda. Um lugar de passagem.
Lyria engoliu seco.
— Isso aqui é real?
— É o mais real que existe — Kael disse. — Só não deveria existir… tão aberto assim.
O vento soprou, trazendo um cheiro metálico. Lyria se arrepiou inteira.
— Kael… — ela chamou baixo. — Aquele… rugido. Ele veio atrás da gente?
Kael ergueu o rosto, atento.
— Não. Os caçadores não conseguem atravessar esse tipo de fenda tão rápido. Ainda estamos alguns passos à frente.
Ele se aproximou dela, observando o medalhão.
— Mostra.
— Não. Você não é dono de nada meu.
Kael não discutiu. Apenas esperou.
O medalhão tremia como se tentasse escapar do próprio metal.
Lyria suspirou, derrotada. Levantou a corrente.
Kael aproximou os dedos da pedra, mas não tocou.
O brilho aumentou, reagindo à presença dele.
Lyria deu um passo para trás.
— Por que isso sempre acontece quando você está perto?
Kael manteve os olhos fixos nela.
— Porque o medalhão reconhece o meu juramento.
— Juramento? — ela franziu o cenho. — Que juramento?
Kael desviou o olhar pela primeira vez.
— Um que eu fiz quando ainda era criança.
— Para quem?
Kael não respondeu.
O silêncio pesou.
Lyria apertou o medalhão.
— Você disse que conhecia minha mãe — ela insistiu. — Eu quero saber quem ela era. Eu quero saber por que deixaram ela morrer. Eu quero…
Kael interrompeu:
— Você não está pronta para ouvir isso agora.
Lyria deu um passo à frente, furiosa.
— NÃO ESTOU PRONTA?! Meu mundo acabou em meia hora! Minha casa está sendo atacada! Criaturas tentaram me matar! Eu atravessei um negócio que nem deveria existir! E você tem coragem de dizer que eu não estou pronta?!
Kael sustentou o olhar.
— Sim.
Ela ficou sem ar.
Ele continuou:
— Porque se eu te contar agora, você vai querer voltar. E se você voltar… eles te matam em minutos.
Lyria mordeu o lábio até quase doer.
Kael respirou fundo.
— Vamos caminhar. Este lugar não é seguro por muito tempo.
Eles seguiram por um caminho estreito entre pedras pulsantes. A sensação de que algo observava cada passo era sufocante. O ar parecia pesado demais para respirar.
Depois de alguns minutos, Lyria precisou perguntar:
— O que exatamente eu sou?
Kael parou.
Olhou para ela com calma.
— Uma herdeira.
— Eu sei disso — ela rebateu — mas herdeira de quê?!
Kael aproximou-se.
— De um poder que ninguém do seu mundo deveria ter. De um sangue que não deveria existir na Terra. De um legado que sua mãe tentou destruir… e que você reviveu sem querer.
O coração dela acelerou.
— Que poder? — ela sussurrou.
Kael inclinou a cabeça.
— O tipo de poder que faz sombras atravessarem mundos só para te capturar.
Lyria ficou gelada.
— E… e o que eu faço com isso?
— Aprende a controlar — ele disse. — Ou morre. Ou pior.
— Pior que morrer? — ela desafiou.
Kael segurou o antebraço dela, como se quisesse mostrar algo.
— Eles não te matariam rápido. Você é valiosa demais.
Lyria puxou o braço.
— Eu não quero ser valiosa pra ninguém!
Kael respondeu sem hesitar:
— Então lute para não ser.
Ela não soube como responder.
O chão tremeu.
Kael levantou o rosto rapidamente.
— Eles acharam a entrada.
Lyria arregalou os olhos.
— COMO?!
— Porque o medalhão chama por você. Quanto mais você entrar em pânico, mais ele brilha. E quanto mais ele brilha… mais fácil fica de te localizar.
Lyria olhou para a pedra, desesperada.
— Eu não sei desligar isso!
— Eu sei — Kael disse, avançando.
Ele segurou os ombros dela e encostou a testa na dela.
— Respira comigo — ele ordenou.
Lyria tentou recuar, mas ele a segurou.
— Respira.
Ela obedeceu.
Kael fechou os olhos. O medalhão pulsou uma vez… depois outra… depois diminuiu.
Lyria sentiu o corpo inteiro desacelerar.
— Como você fez isso? — ela sussurrou.
Kael abriu os olhos.
— Eu fui treinado para isso.
O tremor aumentou.
Kael se afastou rápido.
— Eles estão perto demais. Precisamos sair desse corredor antes que ele colapse.
— E se colapsar? — Lyria perguntou.
— Nós dois morremos esmagados entre dois mundos — ele disse, simples, direto. — Então anda.
Lyria correu ao lado dele.
O caminho estreito levava até uma abertura maior — uma espécie de arco feito de pedra viva, que se movia como se respirasse.
Kael parou diante dele.
— Do outro lado, tem uma parte do meu mundo. Um lugar seguro o suficiente para você. Não confortável. Mas vivo.
Lyria respirou fundo.
— Eu vou ver… o seu mundo?
Kael assentiu.
— A partir daqui, nada volta a ser como antes.
Ela olhou para trás. O corredor estava se fechando, como se mãos gigantes empurrassem as paredes em direção a eles.
O rugido ecoou.
Lyria deu um passo à frente, mas hesitou.
— Kael… — ela disse baixinho. — Minha família…
Ele respondeu sem hesitar:
— Vão viver. Se você sobreviver.
O rugido ficou mais alto.
A pedra atrás deles trincou.
Kael puxou a mão dela.
— É agora.
Lyria fechou os olhos.
E atravessou o arco.
A luz mudou. O ar mudou. O chão mudou.
E pela primeira vez, ela viu o mundo que sempre pertenceu — mesmo sem saber.
O mundo que agora ia decidir se ela viveria… ou seria caçada para sempre.
E esse foi só o início.







