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O Primeiro Grito de Ana parte 2


Os dias que se seguiram ao nascimento de Ana foram uma mistura intensa de caos e contemplação silenciosa. A maternidade, com sua força transformadora, parecia ter redesenhado os contornos da casa, convertendo cada cômodo em um território desconhecido, repleto de novos sons, novos cheiros e uma energia que eu não sabia nomear. Cada canto carregava o eco de um choro agudo, o aroma persistente de leite morno, e a presença constante de algo que antes não existia: vida. Uma vida pequena, frágil, mas poderosa o suficiente para alterar tudo ao redor.

Isabela se movia pela casa com uma leveza que eu jamais havia presenciado nela. Mesmo exausta, mesmo com olheiras profundas marcando seu rosto e o corpo ainda se recuperando das dores do parto, ela sorria. Sorria para Ana com ternura, sorria para o vazio com serenidade, sorria como quem, enfim, havia encontrado sentido para sua existência. Era como se, ao se tornar mãe, ela tivesse acessado uma parte de si que sempre esteve oculta, esperando por esse momento.

Eu, por outro lado, observava tudo de longe. Cumpria meu papel com precisão quase cirúrgica: providenciava o que fosse necessário, mantinha as aparências diante da família e dos funcionários, fazia visitas pontuais ao berçário. Mas nunca me demorava. Nunca deixava transparecer o que acontecia dentro de mim. Porque, por mais que eu tentasse negar, por mais que lutasse contra isso, Ana havia se tornado meu ponto de ruptura. Ela era a rachadura na armadura que eu construí ao longo dos anos.

À noite, quando o silêncio tomava conta da mansão e Isabela finalmente se rendia ao cansaço, eu me levantava. Caminhava até o quarto da minha filha, abria a porta com cuidado para não acordá-la e ficava ali, parado, apenas observando. Às vezes, ela se mexia, emitia sons quase imperceptíveis, e meu coração acelerava como se estivesse diante de algo sagrado, intocável. Era irracional. Era humano. E eu odiava o quanto isso me tornava vulnerável, o quanto me fazia sentir.

Comecei a evitar Isabela. Não por desprezo, mas por medo. Medo de que ela percebesse a mudança em mim. Medo de que, ao notar minha transformação silenciosa, tentasse se aproximar novamente. Porque agora, com Ana entre nós, qualquer gesto dela ganharia um peso diferente. E eu não estava pronto para lidar com isso. Não queria abrir espaço para esperanças que eu não podia sustentar.

Minha avó Aurora veio nos visitar. Trouxe presentes delicados, trouxe conselhos envoltos em sabedoria, e trouxe aquele olhar que sempre atravessava minhas defesas. Ela segurou Ana nos braços com firmeza e carinho, e por um momento, me olhou como se soubesse. Como se enxergasse em mim o homem que eu tentava esconder. Mas não disse nada. Apenas sorriu e afirmou, com a voz baixa e firme:

— Ela vai te ensinar tudo o que você passou a vida tentando esquecer.

Fiquei em silêncio. Porque, no fundo, eu sabia que ela estava certa. Sabia que Ana já começava a me ensinar, mesmo sem palavras.

O tempo passou com rapidez assustadora. Ana crescia diante dos meus olhos, e com ela, crescia também a minha inquietação. Eu me tornava cada vez mais presente, mesmo sem querer. Começava a decorar seus horários, a reconhecer seus choros, a antecipar suas necessidades com uma precisão que me surpreendia. E isso me assustava. Porque, pela primeira vez, eu não tinha controle. Não podia prever, não podia calcular, não podia fugir.

Isabela notou. Seus olhos me seguiam com uma mistura de surpresa e esperança. Mas eu não lhe dava espaço. Não lhe oferecia palavras. Apenas gestos contidos, distantes. Porque, por mais que Ana tivesse me transformado, eu ainda era o homem que havia prometido não amar.

E, no entanto, cada vez que minha filha sorria, cada vez que seus olhos encontravam os meus com aquela pureza desarmante, eu sentia que aquela promessa estava prestes a ruir.

Talvez eu não fosse tão forte quanto pensava.

Talvez Ana fosse minha ruína.

Ou talvez… minha salvação.


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