Quando Isabela voltou para casa com Ana nos braços, percebi, com uma clareza quase dolorosa, que a mansão nunca mais seria a mesma. A estrutura imponente, antes marcada por silêncio e formalidade, agora parecia respirar de outro modo. A cada canto, a cada quarto, o choro suave de nossa filha ecoava como uma espécie de música — uma melodia delicada, quase hipnótica, que preenchia os espaços vazios com uma presença nova e irreversível. E, embora eu jamais admitisse isso em voz alta, era uma melodia que me prendia de forma irresistível, como se cada som emitido por Ana tivesse o poder de me desarmar.
Eu observava Isabela à distância, como quem tenta manter intacta uma muralha que já começa a ruir. Ela parecia renascer com nossa filha nos braços. Havia nela uma entrega, uma devoção silenciosa que me desconcertava profundamente. Mesmo nos momentos em que o cansaço do pós-parto se tornava visível, quando eu esperava vê-la desmoronar, ela se levantava com firmeza todas as vezes que Ana chorava. Não importava a hora, não importava se a madrugada estava gelada, se o corpo pedia descanso ou se a exaustão estava estampada em seus olhos. Isabela se inclinava sobre o berço com uma ternura que eu não conhecia, embalava a menina com movimentos suaves, sussurrava palavras que eu não conseguia ouvir, e ficava ali, imóvel, até que Ana se acalmasse por completo.
E eu… eu a observava em silêncio, escondido atrás da minha própria resistência.
Não podia negar: Isabela era uma mãe espetacular. E isso mexia comigo de um jeito que eu não sabia explicar. Era como se eu estivesse diante de uma versão dela que nunca havia permitido existir em meus pensamentos. Durante todo o tempo em que estivemos casados, eu a enxergava como a mulher que me prendeu a uma união que nunca desejei, como a corrente que fui forçado a carregar por conveniência, por obrigação familiar, por estratégia. Mas ali, diante da maternidade, ela não era minha esposa indesejada. Era apenas a mãe de Ana. Forte. Incansável. Verdadeira. E, acima de tudo, completamente entregue àquele novo papel.
Havia noites em que eu descia ao quarto apenas para vê-las. Ficava parado na porta, sem que ela percebesse minha presença. E naquela penumbra silenciosa, via Isabela com o rosto colado ao de nossa filha, cantando baixinho, acariciando-lhe o cabelo ainda inexistente, como se o mundo pudesse ruir lá fora e nada as atingisse. Era uma cena simples, mas carregada de uma beleza que me desarmava. Uma beleza que me fazia questionar tudo o que eu acreditava sobre amor, sobre entrega, sobre o que realmente importava.
Era nesses momentos que eu sentia o conflito crescer dentro de mim, como uma tempestade silenciosa. Parte de mim queria manter a distância, continuar sendo o Pedro Santos frio, racional, intocável. O homem que nunca se permitiu sentir, que sempre se refugiou na lógica e na estratégia. Mas outra parte… outra parte queria atravessar aquela porta, abraçar as duas e ceder ao que eu fingia não existir. Queria deixar cair a máscara, abandonar a armadura, permitir que aquele amor — aquele amor que eu não pedi, mas que crescia dentro de mim — tomasse conta.
Mas eu me segurava. Sempre.
Porque era mais fácil fingir que nada havia mudado.
Mais fácil sustentar a imagem do homem impenetrável. Mais fácil continuar sendo o herdeiro, o CEO, o estrategista. Mais fácil do que admitir que, ali, naquela casa transformada, eu já não era o mesmo.