Aterrissamos.
O leve solavanco do avião tocando o solo me faz prender a respiração por um segundo. Lá fora, o céu está num tom dourado opaco, anunciando o final da tarde. É estranho como até o ar parece mais denso aqui, carregado de lembranças e expectativas. O aeroporto está movimentado, mas tudo parece desacelerar à medida que o avião taxia pela pista.
Assim que saímos do avião, o calor úmido me envolve como um velho cobertor. E ali, entre executivos apressados, turistas distraídos e famílias ansiosas, eu a vejo. O som de um assobio agudo ecoa no saguão, arrancando um sorriso espontâneo de mim o primeiro genuíno em muito tempo.
— Olha só quem voltou direto das cinzas mais linda do que nunca! — exclama Lívia, vindo na minha direção com passos decididos, os braços já abertos para me envolver num abraço.
Ela me aperta com força, e por um momento, o peso do passado parece menos esmagador. Sua energia é a mesma de sempre: vibrante, direta e sem filtro. Ela me solta e dá um passo para trás, me avaliando com aquele olhar crítico de amiga de longa data.
— Você está um absurdo de gata, Beatrice! Essa aura poderosa, esse salto, esse batom vermelho... Meu Deus, que homem em sã consciência teria coragem de te trair?
Solto uma risada baixa. Não porque ache engraçado, mas porque ouvir isso de Lívia é quase terapêutico.
— Um homem estúpido e ganancioso, Lívia. Mas ele vai aprender a lição.
Elisa se aproxima e cumprimenta Lívia com um sorriso educado. As duas se conhecem por chamadas e e-mails, mas agora, frente a frente, parecem se conectar imediatamente. São opostos perfeitos: uma é fogo, a outra é gelo. Mas ambas são parte essencial da minha reconstrução.
Seguimos para o carro que nos aguarda. Um SUV preto blindado, discreto, mas sofisticado. O motorista, já instruído por Elisa, coloca nossa bagagem no porta-malas enquanto nos acomodamos no banco de trás.
Assim que o carro começa a se mover, Lívia, claro, não perde tempo.
— Olha, eu tentei não bisbilhotar, mas você sabe como sou. Fiquei sabendo por alto que a Nexus não está tão firme quanto aparenta. O boato é que aquele contrato milionário com o Governo de Minas pode ser o fôlego que eles precisam pra não afundar.
Ergo uma sobrancelha.
— E adivinha quem também está concorrendo? — Pergunto a ela que sorri maliciosamente.
— A Phoenix Group. — afirmo.
— Você pode acabar tirando a chance deles de e ser recuperarem. isso é irônico, né?
— Não irônico. Poético. — rebato, encarando minha própria expressão no reflexo da janela. — E a poesia, minha cara, está só começando.
O trajeto até minha nova casa é relativamente rápido. A mansão que adquiri discretamente na zona sul foi escolhida a dedo: segurança, discrição e classe. Nada de ostentação desnecessária, mas cada canto grita elegância. É uma fortaleza moderna com alma de lar. Não quero apenas um lugar para dormir, quero um território. Um domínio onde eu volte a ser a imperatriz que um dia permiti que fosse deposta.
Assim que entramos pelo portão de ferro, o jardim perfeitamente cuidado e a fachada imponente nos recebem. Elisa imediatamente coordena os funcionários que nos aguardam, e em poucos minutos as malas já estão nos quartos. Subo as escadas com passos lentos, absorvendo tudo. O cheiro de madeira polida, a luz natural filtrada pelas janelas imensas, o silêncio acolhedor.
Quando retorno à sala, encontro as duas me esperando com taças de espumante já servidas.
— Ao retorno da Fênix — diz Lívia, erguendo a taça. — E ao primeiro passo rumo à vingança que o Brasil nunca esqueceu.
Brindamos. O som cristalino do choque entre as taças ecoa como um sinal de guerra.
Depois de beber um gole, me sento com um leve suspiro. Tiro os saltos, cruzo as pernas e encaro minhas aliadas.
— Elisa, amanhã, ao chegarmos para a reunião com a Nexus e o representante do governo de Minas Gerais, você irá entrar primeiro. Irá fazer a apresentação da Phoenix como nossa porta-voz. Nada muito revelador. Deixe que pensem que você é apenas uma assistente executiva com um bom discurso ensaiado.
— Claro. — ela responde, anotando mentalmente cada palavra.
— Quando Leonardo estiver se sentindo confortável o suficiente, pensando que está lidando com um investimento europeu qualquer... eu entrarei. Plena. Serena. A nova Beatrice Marchesi.
Lívia dá uma gargalhada debochada, jogando o corpo no sofá com exagero.
— Quem é você e o que fez com a minha amiga que odiava holofotes e amava ficar nos bastidores cuidando dos números?
Me inclino ligeiramente para frente, meu olhar fixo no dela, a voz saindo baixa e firme:
— Ela morreu, Lívia. Foi enterrada no dia em que Leonardo Vasconcellos assinou os papéis do divórcio como se estivesse encerrando um contrato qualquer. A mulher que amava discretamente, que vivia à sombra para proteger quem amava, morreu quando se viu j**ada fora como lixo. O que você vê agora é a sucessora. Alguém que aprendeu a j**ar o jogo. E agora j**a pra ganhar.
Um silêncio se instala na sala. Elisa sorri discretamente, orgulhosa. Lívia apenas assente, um brilho de respeito nos olhos.
— Então que comece o espetáculo, Marchesi. Vai ser lindo assistir você transformar a mesa dele em um tabuleiro de xadrez... e dar xeque-mate com salto agulha.
— Não será só um jogo, Lívia. Vai ser justiça.
O relógio marca quase sete da noite. Amanhã, às nove em ponto, estarei pisando no local da reunião com a Nexus como a CEO da empresa rival. Como a ameaça que ele não viu chegando. Como a mulher que renasceu.
E que voltou para cobrar.