Império de Cinzas (Da vingança ao amor) PT

Beatrice Marchesi

O céu do Brasil surge pela janela do avião como um sussurro antigo, insistente, quase cruel — como se quisesse me lembrar de tudo o que fui, de tudo o que perdi. Anos atrás, eu jurei que nunca mais pisaria nesse solo. Que enterraria não apenas um país, mas uma parte de mim. Que deixaria para trás Beatrice D’Ambrosio Vasconcellos junto com os escombros de um coração ingênuo e apaixonado.

Mas aqui estou. De volta.

Mais forte. Mais fria. E, acima de tudo, determinada a destruir o homem que ousou me arruinar.

Encosto a testa no vidro gelado da janela e observo as nuvens se dissipando aos poucos, revelando o contorno da cidade que um dia chamei de lar. É curioso como tudo parece exatamente igual… mas, ao mesmo tempo, tão distante, tão alheio. Talvez porque eu também não seja mais a mesma. Aquela jovem que acreditava em promessas, que trocou uma dinastia por amor, que renunciou a um império por um conto de fadas barato… ela morreu.

Morreu no dia em que foi descartada como um incômodo inconveniente por aquele a quem jurou fidelidade eterna.

Leonardo Vasconcellos.

Só de pensar nesse nome, um gosto amargo me sobe à boca. Ele foi meu marido, meu sócio, meu cúmplice. Meu tudo. E, ironicamente, também foi quem destruiu tudo o que eu era.

Quando me apaixonei por ele, achei que estava encontrando meu destino. Larguei tudo. Meu sobrenome, meu lugar na linhagem D’Ambrosio, meu direito à herança. Abandonei o trono para ser a rainha do castelo dele — um castelo que eu mesma ajudei a levantar, tijolo por tijolo, sacrifício após sacrifício.

Trabalhei ao lado dele na fundação da Nexus Holdings. Fui a ponte entre ele e os maiores investidores da Europa, usei cada contato que construí com esforço e estratégia, renunciei a noites, finais de semana, feriados, tudo… para vê-lo crescer. E ele cresceu. Às minhas custas.

E quando já tinha tudo o que queria… me descartou. Como um objeto obsoleto.

Trocou-me por uma mulher qualquer, uma aproveitadora que chegou quando tudo já estava pronto, que apenas estendeu as mãos para colher os frutos que eu plantei.

E eu? Eu fiquei com nada.

Nada além das cicatrizes.

Nada além de um acordo pré-nupcial miserável, assinado por mim — no auge da paixão cega —, sem sequer ler, acreditando em suas palavras doces e promessas falsas.

— Senhora Beatrice — a voz suave de Elisa me puxa de volta ao presente. — O piloto informou que pousaremos em aproximadamente vinte minutos.

Viro-me para ela, encontrando aqueles olhos fiéis que nunca me deixaram. Depois de Lívia, Elisa é meu pilar mais constante. Ela não é só minha secretária. É meu braço direito, meu apoio silencioso. Seu coque bem preso e o tailleur azul-marinho impecável contrastam com a doçura serena que carrega no olhar.

— Obrigada por estar aqui — digo, com sinceridade real. — Por deixar tudo para trás. Seu país, sua vida. Por embarcar nessa guerra ao meu lado.

Ela se senta à minha frente, segura minha mão com firmeza e sorri.

— Eu não poderia estar em outro lugar, Beatrice. Você acreditou em mim quando ninguém mais acreditava. Me deu uma chance quando eu não tinha mais nada. Se me perguntarem mil vezes onde devo estar, responderei as mil: ao seu lado.

Seu olhar não vacila. É sincero, firme. E, por um momento breve, o gelo que envolve meu peito se derrete um pouco. Sorrio — ainda que contido.

— Você é uma das poucas coisas boas que essa queda me trouxe.

Ela sorri de volta, apenas apertando minha mão com mais força antes de se levantar e voltar ao assento. O silêncio volta a se instalar, e eu encaro novamente a paisagem lá fora.

As luzes da cidade já aparecem no horizonte. É aqui que tudo começou… e onde tudo desabou.

Fugi daqui em silêncio, devastada, jurando nunca mais voltar. Mas agora retorno. Com uma nova identidade. Uma nova empresa. Um império que construí do zero, na Europa, alimentado pelo sangue e pelas lágrimas que Leonardo derramou em mim.

Minha empresa, a Phoenix Group, não nasceu por acaso. Ela nasceu da minha dor. Do vazio gelado onde me afundei. Dos dias intermináveis em que mal reconhecia meu reflexo. Dos meses em que fui apenas um espectro.

Mas renasci.

Do pó.

Do sofrimento.

Da raiva.

Jurei a mim mesma que me reergueria. E faria Leonardo pagar por cada pedaço que tirou de mim.

E agora, com a abertura da filial brasileira da Phoenix, no mesmo setor em que a Nexus atua, o jogo finalmente começa. O destino me colocou de volta ao tabuleiro.

Respiro fundo. O avião começa a inclinar e o aviso de apertar os cintos soa. Sinto meu coração acelerar no peito, mas não é medo. É adrenalina. Estou prestes a enfrentar fantasmas antigos. A cruzar salões onde um dia fui humilhada. A olhar nos olhos de quem me destruiu… e fazê-lo sentir cada pedaço da mulher que renasceu das cinzas.

“Eu vou te mostrar, Leonardo,” penso, enquanto o avião se aproxima da pista. “Você vai se arrepender de cada palavra, cada traição. Vai me ver conquistar tudo o que construímos… e muito mais. E, quando perceber o que perdeu, vai implorar por uma segunda chance. Mas será tarde.”

O avião toca o solo com suavidade.

Estou de volta.

O Brasil me recebe como um palco pronto para o meu grande retorno.

Mas, desta vez, não vim interpretar a esposa apaixonada.

Vim como a mulher que renasceu das cinzas.

Vim para incendiar tudo.