— O que você fez, Beatrice, exige respeito. Disso, não há dúvida. Vejo que está usando o sobrenome da família do seu pai.
— Sim, pois foram os únicos que não me abandonaram quando precisei.
Minha mãe me encarou por alguns instantes e eu sabia que havia atingindo um ponto fraco nela, ela se recompôs e sorriu.
— Você escolheu seu próprio caminho, eu havia planejado um excelente casamento para você, mas você não quis. Largando tudo para ficar com um homem que te apunhalou pelas costas.
— Fui apunhalada algumas vezes, mas graças aos meus próprios esforços reconquistei tudo que perdi.
Por um breve instante, vi algo nos olhos dela. Não era surpresa. E não era raiva. Era… orgulho. Rápido. Disfarçado. Quase imperceptível.
— Você escolheu um caminho difícil — ela murmurou, olhando para o salão ao nosso redor. — E está caminhando muito bem por ele. Mas cuidado, Beatrice. Há muitos que querem sua queda. E não são todos de fora.
— Já aprendi a reconhecer predadores pela forma como escondem os dentes. — Olhei ao redor, sem perder o tom. — E sei exatamente onde cada um está posicionado.
Ela assentiu lentamente.
— Você cresceu. Está onde eu nunca imaginei que chegaria sem o respaldo da família.
— E eu estou onde você disse que eu nunca estaria.
Um silêncio. E depois, ela deu um passo mais perto. O suficiente para que apenas eu ouvisse o que disse:
— Talvez você esteja mesmo pronta para liderar mais do que imagina. E talvez… só talvez… o mundo precise conhecer uma Marchesi no comando. E não apenas mais uma D’Ambrosio.
Antes que eu pudesse responder, ela se afastou. Impecável. Intocável. Como sempre.
Fiquei parada, por alguns segundos, tentando absorver o que acabara de acontecer. Aquela mulher que me baniu. Que me arrancou do núcleo da família. Que me jogou ao mundo com apenas uma frase cruel… acabara de reconhecer minha ascensão. E, mais do que isso, de admitir que talvez eu tenha feito o impossível: me tornar maior do que o próprio império que um dia me negou.
Ajustei a alça do vestido, ergui a taça novamente, e sussurrei para mim mesma:
— Que o mundo se prepare. Porque isso é só o começo.
Fiquei ali por alguns segundos, observando o movimento elegante do salão, ainda digerindo as palavras da minha mãe. Era difícil acreditar, mas talvez tudo o que eu sempre quis ouvir dela estivesse contido naquele "talvez".
Antes que pudesse mergulhar nos ecos do passado, senti uma presença familiar ao meu lado.
— Chefe? — Elisa se aproximou, discreta e impecável como sempre.
Virei-me em sua direção. Ela carregava um pequeno envelope nas mãos, e seu olhar carregava um leve traço de cautela.
— O que houve? — perguntei, ainda com a taça de champanhe na mão.
— Um homem se aproximou de mim agora há pouco. Disse que preferia não interromper sua noite, mas que tinha uma proposta que... segundo ele, você não deveria ignorar — ela estendeu o envelope — e pediu para que você entrasse em contato.
Ergui uma sobrancelha, tomando o envelope com cuidado.
— E você disse o quê?
— Disse a verdade. Que você não entra em contato com ninguém. Que, se for tão importante assim, ele que procure sua equipe.
— Boa resposta — comentei. — E quem é ele?
— Dante Morelli — respondeu Elisa, como se saboreasse o nome. — CEO da Morelli International. Italiano, com base em Milão, mas está abrindo representação em São Paulo. Ele disse que tem uma proposta comercial sob medida para a Phoenix Group... e que virá acompanhada de uma “surpresa pessoal”.
Franzi o cenho.
— Surpresa pessoal?
Elisa assentiu.
— Palavras dele. E antes que eu pudesse pressioná-lo, ele apenas sorriu e sumiu no meio da multidão. Literalmente. Um minuto estava ali, no próximo já havia desaparecido.
Soltei um leve suspiro. Homens que somem logo após entregarem um mistério nunca são apenas empresários. São estrategistas. E, às vezes, armadilhas com terno de alfaiataria.
Abri o envelope. Um cartão de visitas elegante, com o nome dele impresso em preto fosco e um toque prateado discreto. No verso, havia uma única frase manuscrita com caneta-tinteiro:
“O futuro é moldado por alianças improváveis. Ligue. Vai valer a pena.”
Guardei o cartão na clutch.
— Quero tudo sobre ele na minha mesa amanhã de manhã. Histórico da empresa, movimentações recentes, processos judiciais, aquisições, conexões com fundos internacionais. Se esse Dante está mesmo interessado na Phoenix, quero saber por quê. E o que está por trás disso.
— Já estou providenciando — respondeu Elisa, firme. — E Beatrice… ele não parecia qualquer um. Tinha presença. Segurança. Daquele tipo que ou sabe exatamente o que quer… ou está muito acostumado a conseguir.
— Homens assim costumam trazer promessas grandes… e riscos ainda maiores.
Olhei ao redor do salão, agora com os sentidos ainda mais aguçados. Era como se o tom do jogo tivesse mudado de política familiar para estratégia empresarial. E eu conhecia bem esse terreno.
— Onde ele está agora? — perguntei.
— Não sei. Parece que desapareceu.
Mais um ponto para ele. Um homem que sabe quando sair da cena com impacto tem mais controle do que aparenta.
O restante da noite passou como um desfile de máscaras. Pessoas sorrindo com falsidade, outras tentando sondar meus próximos passos. E, claro, Leonardo, me observando como se estivesse prestes a atacar.
Já quase na saída, vi Isadora se aproximar da mãe de um dos meus principais investidores tentando, inutilmente, parecer relevante. Desviei o olhar e respirei fundo. Eles que se afoguem nas próprias inseguranças. Eu tenho outros alvos agora.
Ao voltar para casa, tirei os saltos, pendurei o vestido com cuidado e me sentei no escritório, ainda com o cartão de Dante Morelli na mão.
Liguei o notebook e comecei a pesquisa.
E lá estava ele.
Dante Morelli. Trinta e cinco anos. Bilionário. Discreto. Conhecido por movimentações silenciosas no setor de energia renovável, tecnologia de defesa e capital privado. Ele era uma figura influente nos bastidores do mercado europeu e agora estava entrando no Brasil com a promessa de uma fusão entre inovação e poder.
E, aparentemente, havia escolhido a Phoenix Group para iniciar essa investida.
Nada é por acaso. E isso me incomodava.
Mais do que isso: me instigava.
Fechei o notebook e deixei o cartão sobre a mesa. Olhei a cidade lá fora, brilhando sob a escuridão como uma tapeçaria viva de possibilidades. A taça de champanhe, esquecida no criado-mudo, ainda tinha gosto de vitória.