Itália | Sicília
Fiorella Salvatore - 15 anos
A ideia de me sentir vigiada nunca foi tão intensa como naquela manhã, e eu me pegava olhando por sobre os ombros repetidas vezes, um movimento quase involuntário.
— Fiorella, comporte-se! Está agindo como uma menininha assustada — minha mãe me repreendeu mais uma vez.
Com a nuvem de desconfiança que pairava sobre a famiglia, não era de se estranhar que eu temesse pela minha vida. Há poucas semanas, meu pai recebeu várias coroas de flores, cada uma com o nome de um mem.bro da família. Havia uma coroa com o meu nome e uma com o nome do meu irmão gêmeo, Dominic Salvatore.
Não acharam o responsável.
Mas eu me lembro que, há dez anos atrás, na mesma data, meu pai recebeu um pacote em uma embalagem luxuosa e, dentro, havia uma cabeça de boi sem os olhos — uma imagem horrorosa. E aquela noite foi a pior noite da minha vida.
Eu tinha cinco anos e não consegui escapar. Vi minha mãe fugindo com uma arma na mão e Dominic no colo, enquanto eu fui deixada para trás e capturada pela máfia inimiga, a 'Ndrangheta.
As lembranças das horas que se seguiram foram terríveis, o tiroteio, o sangue, e eu sendo arrastada como uma boneca de pano.
Dizem que as crianças superam um trauma com facilidade, que não entendem de fato o que está acontecendo e só vão compreender anos depois. Mas, na verdade, eu me lembro de ter ficado apavorada. Eu me lembro da violência, da negociação, de mais tiros, do meu pai correndo comigo no colo, ordenando que eu mantivesse os olhos fechados, e do olhar de decepção da minha mãe quando me viu em casa.
Desde então, o medo era como uma sombra que não me largava. Meu pai era cada vez mais carinhoso comigo, e minha mãe, sempre que podia, me batia por isso. Se eu demonstrasse medo na frente das pessoas, sabia que seria castigada severamente quando papai e Dominic não estivessem por perto.
Minha mãe não suportava a minha fragilidade, a frequência com que eu ficava doente e precisava de cuidados. Com o passar dos anos, aprendi a me esconder, a fingir, a sorrir mesmo com medo ou com dor. No entanto, as coroas de flores na mesma mal.dita data de dez anos atrás eram, sem dúvida, o prenúncio de um novo ataque. O aviso de que algo ru.im estava chegando.
Depois de acompanhar minha mãe no shopping, como uma boa filha amorosa, finalmente ela se cansou de ir de loja em loja e voltamos para casa.
Eu sabia que ela estava me punindo. Depois da última surra, em que meu pai apareceu enquanto ela me chicoteava completamente sem roupa, ela parou de me bater. Ainda assim, ela sabia que sair da mansão Salvatore era pior que dez surras para mim. Eu tinha horror, medo, passava mal e, às vezes, precisava ser amparada pelos seguranças.
Ela dizia que era fraqueza e que eu havia me alimentado m.al, mesmo sabendo que não era isso.
O médico da família disse que eu tinha agorafobia, e minha mãe o proibiu de falar sobre isso com meu pai. Ela podia ser bem assustadora quando queria.
Agorafobia, de forma resumida, é um medo intenso de sair de casa. Era fácil me desvencilhar de qualquer atividade fora de casa antes do médico explicar sobre o diagnóstico para minha mãe.
E agora que ela não podia mais me espancar porque meu pai estava de olho, fazia de tudo para me torturar de outro jeito.
— Cássio disse que Fiorella passou mal novamente... — Meu pai lançou um olhar severo para minha mãe.
— Não foi nada demais, eu não havia tomado café da manhã — intervi rapidamente.
— Meu amor, sabe como são as meninas nessa idade, fazem de tudo para perder peso.
— Fiorella, se emagrecer mais, desaparece! — Meu pai comentou sério, mas logo deu um sorriso. — Pare de bobagem, filha, você é linda, tanto ou até mais que a sua mãe.
Um ma.l-estar se instalou e meu corpo ficou rígido instantaneamente. Esse era o tipo de comentário que me fazia ser castigada apenas por existir.
— Salvatore, estive pensando que, com tudo o que tem acontecido, devíamos proteger nossos filhos. Pesquisei alguns colégios internos.
— Nós já conversamos sobre isso! A resposta ainda é a mesma, não! Eu mandei dobrar a equipe de segurança, e os meus filhos estão seguros perto de mim.
— Salvatore, seja razoável. Nossa filha precisa fazer amigos. Que vá para uma boa escola da cidade, então. Celine está na Royal College, é uma ótima escola. Não faz bem esconder essa menina do mundo, como você está fazendo.
Olhei com os olhos arregalados para o meu pai, me esforçando desesperadamente para que as lágrimas não me dominassem.
— Pelo que sei, vocês têm passeado bastante ultimamente! E, falando nisso, até que encontrem o engraçadinho que mandou as coroas de flores, vocês estão proibidas de sair de casa.
— Isso é um absurdo! — Minha mãe urrou, inconformada.
— Eleonora, não ouse me desafiar! Fiorella, vá para o seu quarto.
Mais que depressa, subi para o aconchego do meu quarto, temporariamente aliviada. Sabia que a proibição de sair de casa não duraria muito, tampouco amenizaria o humor da minha mãe. Muito pelo contrário. Mas, no momento, eu podia me permitir um pouco de felicidade.
Acordei no meio da noite com a impressão de ouvir passos no corredor.
Dei um pulo da cama, o coração batendo freneticamente. Ainda descalça, abri a porta com cuidado para não fazer barulho, a ponto de ver minha mãe saindo para o jardim.
Nunca fui dada a atrevimentos, mas resolvi sair pela varanda e contornar a casa até chegar próximo de onde minha mãe estava. Um dos seguranças se esgueirava nas sombras para encontrá-la.
Deitei no chão, de forma que pudesse escutar a conversa sem ser vista.
— Sra. Salvatore, estou arriscando a minha vida vindo aqui falar com você.
— Você sabe que será muito bem recompensado. Além do mais, Salvatore não vai acordar nas próximas horas. Eu fiz o meu trabalho.
— Tenho certeza que fez... — O homem respondeu com ironia.
— Tenho um trabalho para você. Bem simples.
— O que você quer?
— Preciso que desapareça com a garota!
— Não consigo entender esse seu ódio pela própria filha.
— Não quero que entenda, quero que faça o que estou mandando. Quanto antes, melhor! Vamos aproveitar essa história da coroa de flores. Quando pegarem o culpado, ele obviamente será responsabilizado pela morte de Fiorella Salvatore!
Não consegui ouvir mais nada. Meu coração parecia bater na garganta. Um medo cru e desesperado invadiu cada célula do meu corpo, e me forcei a rastejar para a falsa segurança do meu quarto.
Com os dedos trêmulos, alcancei o vidro de remédio ao lado da cama e tomei três cápsulas de uma só vez. Se eu não me acalmasse, teria um colapso e morreria antes mesmo de eles fazerem algo comigo. Eu precisava contar para alguém.
No dia seguinte, acordei bem cedo e fui até o quarto de Dominic. Pulei em cima dele, assustando-o.
— Você está maluca? Não faz mais isso! Eu posso acabar te machucando sem querer.
— Domi, senti sua falta ontem no jantar! — Baguncei o cabelo dele com os dedos. Ele detestava, mas não importava se fosse eu.
— Fui fazer um... trabalho para o papai.
— Eu preciso muito te contar uma conversa que escutei ontem à noite.
— Não deveria ficar bisbilhotando. Se te pegam, você está acabada.
— Eu sei, mas era a mamãe. Ela pediu para um dos seguranças me matar, sumir comigo.
— Isso é loucura, Ella.
— Por favor, você precisa acreditar em mim...
— Shhh... — Dominic colocou a mão na minha boca e sussurrou. — Se a mamãe fizer algo com você, o papai mata ela!
Dominic segurou meu rosto entre as mãos, forçando-me a encará-lo.
— Além do mais — ele continuou, baixando ainda mais o tom de voz —, nenhum segurança seria tão estúpi.do a ponto de matar a filha de Don Salvatore. Fica tranquila!
— Você acha?
— Eu tenho certeza! E ela deve ter falado isso na hora da raiva. Ela tem ciúmes do papai gostar mais de você do que dela.
— E você, irmão, gosta mais de mim do que dela?
— Hmm... Claro! Eu amo você, Fiorella. Somos gêmeos, você é metade de mim, assim como eu sou metade de você.
— Também te amo.