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Palavras Não Ditam Tudo

O andar executivo estava silencioso como uma biblioteca. Apenas o som dos saltos de Charlotte quebrava o ar gelado da manhã. Ela chegara cedo — antes de todos — como sempre fazia quando precisava reafirmar o controle que o corpo, às vezes, insistia em contestar.

Mas não adiantou.

Assim que entrou na sala de reuniões, lá estava ele.

Alexander.

Encostado casualmente na parede, mexendo no celular como se não tivesse passado a madrugada inteira remoendo a noite anterior. Mas bastou levantar os olhos e vê-la atravessar a sala para que tudo ficasse em suspenso.

O mundo ao redor existia — mas parecia distante.

Charlotte sentiu o olhar dele deslizar por ela — firme, concentrado, presente.

E soube, sem uma palavra: ele também lembrou.

— Winters — ele disse, com aquele tom neutro demais para ser natural.

— Reed.

Ninguém ali notou o subtexto. Mas, se alguém prestasse atenção, perceberia a tensão elétrica no ar.

Sentaram-se lado a lado, como sempre. Mas, hoje, cada movimento dizia mais do que o protocolo. Charlotte folheava os relatórios com precisão ensaiada, mas sua mão hesitou levemente ao virar a página.

Alexander percebeu.

Ele sempre percebia.

Durante a apresentação da equipe — metas, projeções, estratégias — os dois se mantiveram técnicos. Profissionais. Mas os olhares...

Ah, os olhares.

Ela falava com os olhos.

Ele respondia com um meio sorriso contido.

Em um momento, quando um dos analistas se atrapalhou nos números, Alexander entrou para salvar — direto, preciso, carismático. Charlotte olhou de canto, séria. Mas por dentro, algo se apertou.

Ele está diferente hoje.

Ou sou eu?

Ao fim da reunião, Charlotte reuniu os papéis devagar. Esperava. Talvez testasse.

Alexander não saiu.

Ficou ao lado dela. Próximo o bastante para que ninguém notasse... mas ela sentisse.

— Dormiu bem? — ele perguntou, baixo, quase irônico.

Ela não respondeu de imediato. Levantou os olhos, com uma calma perigosa.

— Dormir é superestimado.

Ele sorriu. Dessa vez, sem esconder nada.

— Concordo. Algumas noites... merecem ser lembradas acordado.

Charlotte fechou a pasta com firmeza. Mas seu olhar traía o leve estremecer da armadura.

— Alexander...

— Sim?

— Cuidado com o que você insinua.

Ele se aproximou um passo. Discreto. Mas carregado de significado.

— Eu não insinuo, Charlotte. Eu leio sinais. E os seus estão ficando cada vez mais difíceis de ignorar.

Ela não respondeu.

Não por falta de palavras.

Mas porque, pela primeira vez… não tinha certeza se queria negar.

---

Horas depois, Charlotte ainda estava em sua sala, revisando projeções com olhos cansados e mente inquieta. A apresentação do dia seguinte era importante. Mas era outra coisa que a distraía.

Ou alguém.

Uma batida leve na porta.

Ela nem precisou perguntar. Só uma pessoa bateria daquela forma — com a mistura exata de ousadia e respeito.

Alexander.

— Pensei que você já tivesse ido — disse, sem tirar os olhos da tela.

— Pensei o mesmo de você.

Ele entrou. A luz baixa da sala dava um tom dourado ao ambiente. A tensão da manhã ainda pairava entre eles, mas agora... havia algo mais.

Alexander parou ao lado da mesa. Charlotte finalmente levantou os olhos. Um segundo.

Longo demais.

— Você está me evitando? — ele perguntou, direto.

— Estou trabalhando.

— Isso responde metade da pergunta.

Charlotte suspirou. Fechou o notebook com um estalo suave. Depois, levantou-se.

Ficaram frente a frente. Nenhum dos dois sorriu.

A energia ali não era leve.

Era carregada de tudo que seguraram por tempo demais.

— E se eu estiver? — ela perguntou.

— Eu te entendo. — A voz dele estava mais baixa agora. — Você acha que, se ceder, perde o jogo. Mas eu não sou seu inimigo, Charlotte.

— Às vezes parece que é.

Ele se aproximou. Um passo só. Mas foi o suficiente para mudar tudo.

— Não estou jogando com você — disse, e havia verdade ali. Desarmada. Quase vulnerável. — Estou tentando não atravessar uma linha da qual... sei que não tem volta.

Charlotte sentiu o ar ficar mais denso.

Estavam tão perto agora que podiam sentir a respiração um do outro.

E nenhum dos dois recuou.

Ela levantou o queixo. Ele deslizou os dedos pela lateral de sua mão, como quem testa os limites.

Foi ali.

Naquele instante em que tudo ia acontecer — o beijo, a quebra, a rendição —

O celular dela vibrou alto sobre a mesa.

Ambos congelaram.

O visor piscava com um nome que gelou o ar entre eles:

Richard Winters.

Charlotte afastou-se um passo, como se o toque tivesse rompido o feitiço. Pegou o celular, a voz já firme de novo.

— Sim, pai... Estou aqui. O que houve?

Alexander se afastou. Respeitou o espaço. Mas os olhos ainda cravados nela. Esperando. Sentindo.

Ela desligou após poucos segundos. Quando virou-se para ele, já era outra pessoa.

— Preciso ir. Um problema na diretoria. Não pode esperar.

Ele assentiu. Não disse nada.

Só a olhou.

E ela olhou de volta.

Por um instante, Charlotte quase disse algo.

Algo que não estava nos manuais.

Mas não disse.

— Boa noite, Reed.

— Boa noite, Winters.

E ela saiu. Rápida. Contida. Quase fria.

Mas enquanto caminhava pelo corredor escuro, o coração dela batia tão alto que abafava o silêncio.

Porque o problema nunca foi o toque que não aconteceu.

Foi o que ele prometia.

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