Vinho e Silêncios

O restaurante escolhido pelo grupo de investidores era sofisticado, discreto, com luzes baixas e garçons silenciosos. O tipo de lugar onde acordos nascem e segredos morrem.

Charlotte não gostava de ambientes assim. Muito íntimos. Muito expostos.

Mas parte do jogo corporativo era sorrir, brindar e manter a compostura sob luz indireta.

Ela se sentou na ponta da mesa, como sempre. Estratégica.

Alexander, claro, sentou-se ao lado — como quem sabe que a melhor forma de manter o controle… é ficar perto do perigo.

— Achei que ia fugir dessa parte social — disse ele em voz baixa, enquanto os outros ainda escolhiam vinhos e entradas.

— E deixar você encantar os investidores sozinho? Não sou tão irresponsável.

Ele riu, baixo. Aquele riso que ela odiava gostar de ouvir.

— Sua presença faz o vinho parecer mais caro, Winters.

— E a sua, menos confiável.

Ele inclinou levemente a cabeça. Quase admirando a resposta.

Durante o jantar, falaram de tudo: projeções, futuros planos de expansão, o “potencial simbiótico” da fusão — tudo em tons elegantes e controlados. Mas entre uma taça e outra, Charlotte percebeu o olhar de Alexander sobre ela.

Não como rival… mas como homem.

E o mais perigoso: percebeu que olhava de volta.

Depois da sobremesa, alguns começaram a se despedir. Dois investidores saíram juntos, sorrindo satisfeitos. A mesa esvaziava.

Quando Charlotte pegou a bolsa para sair também, Alexander segurou levemente seu pulso — um gesto rápido, mas firme.

— Fica mais cinco minutos.

Ela o encarou. Não como executiva. Mas como mulher. Como alguém que, pela primeira vez em muito tempo, estava cansada de manter o escudo.

— Cinco minutos — respondeu.

O garçom trouxe mais uma taça de vinho. Os dois brindaram em silêncio.

— Lembra daquele jantar, há oito anos? — ele perguntou de repente.

Charlotte virou a taça lentamente nas mãos. Olhou para ele. Longamente.

— Lembro de tudo. Do silêncio. Da tensão. Do jeito que me olhou.

Alexander encostou-se na cadeira, surpreso — talvez pela franqueza, talvez por ela ter dito em voz alta o que sempre esteve ali.

— Você parecia... deslocada. Brilhante demais pra aquele cenário todo montado.

Charlotte respirou fundo. Por um momento, sua expressão suavizou.

— E você parecia alguém que ainda não sabia que um dia seria meu concorrente mais irritante.

Um sorriso. Sincero, dessa vez.

O silêncio voltou, mas era outro agora. Mais denso. Mais carregado de coisas não ditas.

Charlotte se levantou primeiro.

— Já deu meus cinco minutos.

Alexander a acompanhou até a saída. Não disse nada. Não tentou nada.

Mas quando ela entrou no carro, sentiu o olhar dele ainda ali.

E, pela primeira vez… não queria que fosse embora.

---

Charlotte acordou antes do despertador.

Era raro. Ela costumava dormir pouco, mas com eficiência. Nada de sonhos, nada de pausas. Sua mente funcionava como um relógio bem calibrado.

Mas naquela manhã, havia algo fora do lugar.

O céu ainda estava escuro, e o apartamento silencioso como um cofre.

Mas dentro dela, o pensamento girava como uma engrenagem travada.

Alexander.

Não pelo que ele disse — isso ela sabia ignorar. Era boa nisso.

Mas pelo que ela sentiu.

Sentou-se na beira da cama, os pés tocando o chão frio de mármore.

As palavras da noite anterior ecoavam.

A maneira como ele segurou seu pulso, como se soubesse que ela estava prestes a fugir.

O olhar. O silêncio entre os dois.

> “Você parecia deslocada... Brilhante demais pra aquele cenário todo montado.”

Ela odiava lembrar disso. Odiava o calor que subiu pelo corpo quando ele disse aquilo.

Odiava ainda mais o fato de que não quis fugir.

Levou a mão ao rosto, frustrada. Aquilo não podia acontecer.

Ela tinha regras. Limites.

E a maior delas era: não se envolver com inimigos mascarados de aliados.

Mas Alexander a via de um jeito que ninguém via.

Nem seu pai.

Nem seus colegas.

Nem ela mesma, às vezes.

E esse era o problema.

Levantou-se com raiva de si mesma, caminhou até a varanda e encarou a cidade.

O mundo lá fora ainda dormia.

Mas dentro dela, algo tinha acordado.

Isso não pode se repetir, pensou.

Não com ele. Não agora.

Charlotte vestiu sua armadura costumeira — camisa branca impecável, calça de alfaiataria, expressão inquebrável — e saiu para o escritório.

Mais cedo do que o habitual.

Porque quando sentimentos ameaçam ultrapassar a lógica...

Ela responde com trabalho.

Com controle.

Com distância.

Ou pelo menos, tenta.

---

Alexander sempre dormia pouco.

Mas naquela madrugada, não conseguiu dormir nada.

Sentou-se no sofá da cobertura, camisa ainda aberta no colarinho, uma garrafa de vinho esquecida pela metade na mesa.

A cidade aos seus pés cintilava, indiferente.

Mas ele estava preso naquela última troca de olhares.

Naquele toque de cinco segundos que significou mais do que queria admitir.

Charlotte.

Ela era um problema.

Mas o tipo de problema que ele queria entender. Não evitar.

Revivia a cena no restaurante como se pudesse encontrar algum sinal escondido.

O jeito que ela o encarou quando ele falou do jantar do passado.

A forma como não fugiu da conversa — e também não se entregou.

Ela não é como os outros, pensou, girando distraidamente a taça entre os dedos.

Ela não quer ser vista.

Mas vê tudo.

E o pior de tudo? Ela ficava.

Mesmo quando ia embora.

Mesmo depois de fechar a porta.

Mesmo agora.

Ele se levantou, impaciente, atravessando a sala como se o movimento pudesse calar a mente.

Mas era inútil.

Ela estava ali, como um eco constante.

Como uma peça que não se encaixava nos jogos que ele sabia jogar.

Charlotte o desafiava.

Não só nos negócios.

Mas em silêncio, no olhar, na forma como fazia questão de não dar espaço.

E ainda assim... ele não conseguia parar de procurar esse espaço.

Talvez seja isso.

Talvez eu só queira ver até onde posso chegar com ela.

Até onde ela me deixa entrar.

Ou talvez — e isso era mais perigoso — já tivesse entrado demais.

Olhou o celular, o nome dela gravado ali, intocado.

Pensou em mandar uma mensagem.

Mas o orgulho era teimoso, e o desejo, pior ainda.

Não mandou.

Mas também não conseguiu parar de olhar

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