008

"Traiçoeira! Ela fugiu sem me dar o modelo." Demir praguejava vendo o carro dela tomar distância, rapidamente. "O que a assusta tanto?" Ele se perdia, apressando-se ao próprio carro. Dali, foi para o acervo do Palácio, precisava mapear o que havia sob a Ballat moderna.

Ele e alguns alunos pesquisavam os mapas, intensamente. As sobreposições de séculos indicavam que aquele local, especificamente, tinha séculos de construções sobrepostas. No dia seguinte, iria ao acervo de obras da prefeitura, precisava retroagir a história daquele lugar. Talvez o acervo da polícia pudesse explicar algo do lugar. Demir tinha a forte crença que, considerando Istambul, uma cidade milenar, muito de sua história permanecia soterrado, apenas quando eventos como uma demolição aconteciam é que era possível conseguir fragmentos. Suas pesquisas, de vários anos, convergiam para a ideia de uma civilização, talvez tão, se não, mais antiga que o próprio Egito ou o Oriente, como um todo, que pudesse ter deixado evidências ali. Ele adiantava as pesquisas teóricas enquanto a chuva não cedia.

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Elara chegou em casa, sentia o pânico tomar conta dela. "Isso é irracional. Por que estou com tanto medo daquele homem?" Ela se acalmava, reconhecendo seu lar. Precisava se ocupar, sentia que o peito iria explodir se não se acalmasse.

Ela se debruçava sobre suas anotações e desenhos. Tentava discernir qualquer coisa nas escrituras. Não era momento de envolver linguístas naquela tarefa. Pesquisava por qualquer coisa que algum modelo de inteligência artificial pudesse auxiliar. Ela se voltava para o próprio bracelete. Os símbolos eram alquímicos, levantava a hipótese dos símbolos não serem nada além de runas ou signos alquímicos arcaicos. Se fosse o caso, era o tipo de conhecimento transmitido entre gerações e não escrito, fato este que a irritava muito, por não haver documentação confiável.

Ela se voltava outra vez sobre o coração de cerâmica, o pequeno modelo, do tamanho do coração de um bebê, tinha algo intrigante. Segundo suas anotações, o modelo encontrado em sua vítima era oco, tinha o peso similar ao que seria o peso do coração dela, o verdadeiro. Sua cabeça voltava a incomodar, reflexo da tensão do dia. Precisava entregar o modelo do estudioso, como havia prometido. Ela se pegava desenhando o Demir de seu pesadelo. Com lápis coloridos, dava vida ao esboço. Demir era tão assustador quanto atraente. "Preciso descansar..." Ela se certificava, abandonando as anotações e se deitando. A mente girava em torno de mil pensamentos e sentimentos. "O que tem de errado com esse homem?" Ela se pegava lembrando dele. Elara adormeceu no sofá.

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Elara via-se em um largo templo, lembrava-a as cisternas da Basílica. Ela nadava em águas límpidas, imersa, via peixes coloridos e bonitas esculturas submersas, adornadas em ouro. Uma delas, uma sereia, de mãos estendidas, tinha aquele coração cerâmico nas mãos. Ela se aproximou, nadava, em torno da figura de pedra, sem precisar emergir para busca de ar. As próprias vestes, em tons de azul, ornamentadas com fina e exuberante joalheria, flutuavam.

De frente para a figura, em que reconhecia a própria feição e as vestes esculpidas, ela estendeu os braços. Quase tocava o objeto quando um solavanco a tracionou, inesperadamente. Estava sendo arrastada, submersa, começava a sufocar. Agitava-se. Ela reconheceu as mãos que, num puxão, a traziam para a superfície, dominando-a. O Demir da antiguidade a jogou no chão.

— Suma daqui, odalisca imunda! - Ele rosnou, entre os dentes, pronto para atacá-la.

— Este é meu sonho. Suma você! - Ela respondeu, tomando fôlego. Em um piscar de olhos, ele tinha o pescoço dela na mão, subjugando-a.

— Sonho? - O Demir do pesadelo gargalhou. - Um sonho... Eu sou seu sonho?

— Pedante. - Ela rosnou, sentindo a mão apertar ainda mais sua garganta. Ele se aproximou do rosto dela, debruçando seu peso sobre o pequeno corpo de Elara.

— Um sonho pedante. - Ele sussurrou a centímetros de seu ouvido, beijando o lóbulo da orelha. Ela sentia a eletricidade repulsiva correr seu corpo. - Com o que mais pretende sonhar desta vez? - Elara sentiu a outra mão do homem que a dominava se afundar em seu peito, o coração que parecia esmagado, como uma peça de argila molhada. Ela sentia o corpo esfriar, de repente, o peito se inundava de algo.

Elara despertou com o grito pavoroso, na noite que já ia escura, a casa fria e a tempestade ruidosa que se chocava contra as janelas. Ela ofegava, a cabeça que lhe doía infernalmente. Estava agitada demais para dormir outra vez.

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Demir foi até o terreno que escavavam. O lamaçal se mostrava uma lagoa suja, seria fácil de limpar as camadas mais pesadas com a terra molhada daquele jeito. Algo naquele lugar tinha uma força diferente que o atraía. Conseguia imaginar Elara ali, coberta por aquela lama, empurrando-se pelo chão, sob a chuva, com o olhar assustado, a roupa encharcada colada ao corpo, submissa e indefesa. Em algum lugar dentro dele, aquela imagem era prazerosa e reconfortante. Dava um senso de poder e de domínio indescritivelmente empolgante.

Chocado, Demir chacoalhou a cabeça, de um lado para o outro, tentando afastar aqueles pensamentos como fazia com as gotas da chuva. Ele se repreendia mentalmente. "Por que ela me faz me sentir tão sádico?" Ele se perguntava. "Porque ela lhe pertence e o rejeita." Uma voz surgia no fundo de sua mente, que parecia perturbada. Ele se impressionava com aquilo. Partia de Balat, abalado, quando as luzes da cidade se apagaram.

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Elara era supreendida por um blackout em meio à tormenta. A casa se resfriava rapidamente sob a chuva invernal. Na mais completa escuridão, ela procurou pela casa, com a lanterna do celular, uma lanterna de camping, que tinha por razão nenhuma em sua vida. Encontrou-a sem qualquer bateria. Aquilo a frustrava. O silêncio da noite fria, quebrado pela chuva ruidosa e os trovões, que retumbavam, a sobressaltavam. O medo a tomava outra vez, patente, o peito se comprimia. Era como se, a qualquer momento, a voz de Demir fosse surgir, sussurrando entre os flashes dos raios, dominando-a com o terror gélido que a paralizava.

Não havia sinal de celular, tudo escuro, em flashes. Pela janela, não via uma viva alma na rua e era assustador.

Ela se agarrou a uma faca da cozinha, acendeu uma vela, distante de si e bloqueou a tela do celular, para poupar energia, acomodou-se em uma poltrona, onde pudesse vigiar a porta e as janelas. Passou a noite em claro, ali, tensa, esperando o ataque sombrio do Demir da antiguidade que a enchia de medo

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