Tudo começou com a neblina. Espessa, silenciosa, tomou o prédio sem aviso, abafando os sons da cidade e apagando qualquer noção de tempo. Trancados entre paredes que antes pareciam familiares, os moradores começam a perceber pequenas distorções na realidade — ruídos que não têm origem, reflexos que não acompanham os movimentos, presenças que se sentem mesmo em cômodos vazios. Com o passar dos dias, a fronteira entre o real e o imaginário começa a ruir. Alguns afirmam ter visto zumbis vagando pelos corredores. Outros, criaturas de olhos negros e pele translúcida, observando da escuridão. O medo coletivo cresce, mas é o silêncio dos que acreditam estar despertando para uma verdade oculta que mais assusta. Altares surgem onde antes havia concreto. Portais se abrem, convidando. Será a loucura uma fuga ou a única resposta sensata? E se o prédio em si for mais do que estrutura — um limiar entre mundos, uma armadilha para as mentes mais frágeis? No fim, talvez o verdadeiro terror não esteja lá fora... mas dentro de cada um deles.
Ler maisJonas, naquela lembrança que agora parecia tão viva quanto o presente, observava a estrutura com fascínio e medo.Quando esticou a mão de novo e tocou a parte central da máquina, um zumbido baixo percorreu seu corpo como uma corrente elétrica fraca, mas constante. Não era dor — era mais como uma vibração interna, uma resposta do próprio corpo à presença daquilo.Sons começaram a surgir.Não vindos da máquina, mas de dentro da mente dele: sussurros em línguas que não conhecia, ecos distorcidos como se estivesse ouvindo uma multidão rezando debaixo d’água.— O que é isso…? — sussurrou para si mesmo, enquanto os olhos percorriam os detalhes.Deu a volta ao redor da estrutura, tentando compreender suas proporções.As laterais agora brilhavam com um azul intenso, revelando uma textura que lembrava nervuras ou veios de cristal. Era como se a coisa respirasse.E então percebeu uma verdade desconcertante:Aquilo não podia ter sido colocado ali por humanos.Não pelas mãos ou tecnologia conheci
Jonas parou. A memória voltava com força total — não era apenas a mala ou os panos. Ele havia mexido nas coisas dentro da caverna.Lembrava-se nitidamente: os dedos pequenos e sujos de areia folheando papéis manchados, puxando um pano para o lado e revelando uma foto antiga, em preto e branco, levemente enrugada.Na imagem, havia uma mulher de cabelos escuros, vestida de modo sóbrio, mas com os olhos voltados diretamente para a câmera. Um olhar profundo. Quase acusador.Ele ficou ali parado por um tempo, encarando a foto na luz fraca da caverna, até que um calafrio o fez guardar a imagem no bolso do short e sair correndo de volta para a praia. Nunca mais contou aquilo para ninguém.Mas o mais estranho viria anos depois.Jonas devia ter uns dezesseis, dezessete. Estava saindo do metrô na região central de São Paulo — na mesma área onde agora se encontrava preso, anos depois — quando viu a mulher da foto.Ela estava parada do outro lado da rua.Mesma fisionomia.Mesma expressão.Mesmo o
Jonas, um homem marcado por traumas do passado e distúrbios mentais desde a juventude, volta ao antigo prédio onde viveu com a mãe. Ao chegar, percebe que o prédio está às escuras, tomado por uma estranha névoa, e algo anormal está acontecendo com os moradores.Ele encontra sua vizinha do 502, Tereza, em um estado quase zumbi — pálida, balbuciando, tomada por algo que não é mais humano. Em pânico, Jonas a ataca com um cano de ferro. Ao revistá-la, encontra uma foto antiga com seus pais e Tereza sorrindo juntos, além de uma carta escrita por sua mãe, alertando sobre "a névoa", "o altar" e para não confiar na luz do elevador.A carta revela que eventos estranhos já ocorreram antes e que Tereza e sua mãe sabiam. Jonas se dá conta de que há um ciclo oculto entre gerações.Ele entra no apartamento de Tereza e encontra objetos ritualísticos, cartas da mãe, livros ocultistas e fotos que ligam seus pais, Victor, Camila e outras pessoas ao passado misterioso. Uma figura borrada e não-humana ap
Jonas sentou-se no chão do apartamento, o caderno de anotações ainda aberto ao lado.Enquanto passava os dedos sobre o colar encontrado, uma lembrança antiga emergiu, quase como um sussurro vindo do fundo do tempo.“Você vai ver, Jonas… ele vai parar de nos perseguir.”A voz era infantil, com um tom determinado.Ele se viu de volta à escola, aos seus dez, talvez onze anos.Estava com Letícia, uma amiga de infância que sempre tivera uma imaginação fértil — ou talvez apenas visse mais do que os outros.Naquele dia, ela apareceu com um pedaço de papel dobrado em quatro. Havia escrito o nome do professor — Daniel R. Benevides — com uma caneta azul.Jonas achava que era só uma brincadeira, mas ela falava com seriedade incomum:“Tem gente que diz que quando alguém te faz mal, você pode prender o nome dele no frio. Isso segura a energia ruim… ou trava alguma coisa dentro dele.”Letícia foi até o congelador da cantina velha da escola — Jonas se lembrava do azulejo trincado, da porta rangendo
Jonas olhou para a mesa, os objetos alinhados diante dele. O ritual original exigia o nome completo, o papel certo, a tinta azul — tudo pronto. Mas faltava a coisa mais importante: a intenção. A lembrança da vizinha no chão do corredor, com os olhos opacos e a boca sussurrando como se estivesse presa dentro de si mesma, voltou com força. Talvez não houvesse tempo para esperar por respostas. Talvez ele tivesse que arriscar. “E se eu fizer o ritual ao contrário? E se, em vez de selar um nome, eu puder libertar alguém dele?” Era um pensamento perigoso. Mas a lógica fazia sentido. O professor certa vez mencionou, em tom quase casual: "Toda invocação pode ser invertida. Mas cuidado: o que está preso nem sempre quer sair." Jonas foi até o canto da sala e pegou um envelope antigo com o nome da moradora. Tereza Machado Lins. Nome completo. Perfeito. Sentou-se de novo, desenhou um pequeno círculo no centro da folha e, com a caneta azul, escreveu o nome com cuidado. Letra por l
Jonas levantou-se devagar, ainda segurando o papel com os nomes. O nome do professor — Daniel — permanecia ali como um enigma, como uma chave sem fechadura.Ele sabia que o professor nunca morou naquele prédio. Mas agora parecia claro: alguém ali o conheceu. Talvez tenha sido aluno, parente, vizinho distante. Alguém soube o suficiente para reproduzir — ou tentar reproduzir — o ritual.E se haviam pessoas que conheciam Daniel, então esse prédio não foi escolhido por acaso. Aquele lugar era mais do que cenário... era parte do ritual.Jonas começou a andar pelo apartamento com um propósito novo, vasculhando com mais atenção. Sabia que precisava encontrar os elementos certos. O que quer que estivesse prendendo aquelas criaturas ali, ou libertando-as, podia ser manipulado — se ele encontrasse os instrumentos corretos.Na cabeça, ecoavam as palavras do professor:"O nome deve ser escrito. O círculo precisa ser completo. E o vínculo, selado com um símbolo de silêncio: metal, sal, ou frio."E
Jonas ficou parado diante da geladeira aberta, o papel em mãos, o nome do professor ali — intacto, sem cruz.Então a memória veio como uma onda, nítida, pesada.**Era uma tarde cinzenta, o tipo de dia em que o ar parecia carregado antes mesmo da chuva cair.A sala de aula do colégio público onde estudava estava abafada, as janelas abertas deixavam entrar um vento úmido, mas ninguém prestava muita atenção. Exceto o professor Daniel.Ele andava devagar entre as carteiras, falando com uma calma que sempre parecia deslocada.— Há rituais antigos que não foram criados para adoração, mas para exclusão — ele disse, apontando para um quadro cheio de rabiscos e símbolos estranhos. — Eles não invocam. Eles afastam. Marcam as pessoas. Congelam aquilo que não pode ser tocado.Jonas, sentado no fundo, olhava para o quadro sem entender direito.O professor parou perto dele e perguntou, como se aquilo fosse uma pergunta de prova:— E se um nome for o que te liga a alguma coisa? O que acontece quand
Jonas se sentou no chão, com a caixa aberta ao lado, o caderno em mãos.O zunido em seus ouvidos parecia crescer de novo, mas desta vez era mais fraco, como se viesse de dentro da própria memória.Fechou os olhos.E as lembranças começaram a emergir.**Ele estava no segundo ano do ensino médio.Era uma tarde abafada, daquelas em que o ar parecia mais pesado do que deveria. A aula de História tinha terminado, mas Jonas tinha ficado para trás, arrumando seus materiais.O professor Daniel se aproximou, aquela figura alta, de rosto magro e olhos fundos.— Você acredita que lugares podem... lembrar? — ele perguntou, de repente, olhando para Jonas como se esperasse algo além de uma resposta simples.Jonas, na época, apenas deu de ombros.— Tipo... ter memória? — arriscou.O professor sorriu, mas foi um sorriso estranho.Cansado.— Memória é uma palavra fraca pra isso. — Ele ajeitou a caixa sobre a mesa, aquela mesma caixa. — Alguns lugares, algumas pessoas, são gravadas em camadas mais pro
Ainda com o diário apertado contra o peito, Jonas se levantou. A sensação de urgência crescia, como se o prédio inteiro estivesse respirando ao seu redor, em um ritmo que ele não conseguia controlar. Passou a lanterna pela pequena cômoda do quarto, do lado oposto à escrivaninha. Abaixou-se diante dela e puxou a primeira gaveta. Dentro, entre velhos lenços e algumas bijuterias empoeiradas, havia um papel dobrado cuidadosamente — diferente dos outros papéis rasgados e envelhecidos dali. Esse parecia ter sido guardado com um certo cuidado, quase com carinho. Jonas desdobrou o bilhete. A caligrafia era trêmula, quase hesitante, e não era a mesma da mãe nem da moradora — era de outra pessoa. "Minha querida Elisa," "Sei que você acha que pode me proteger, que o que fizemos pode ser esquecido..." "Mas eu sinto no ar, a cada noite, quando as luzes piscam e o vento traz aquele cheiro de ferro e cinzas." "Eles não esqueceram." "Se alguma coisa acontecer, se a névoa voltar, sa