Ponto de Vista: Liliane
O frio entranhava-se nos meus ossos, mais profundo do que qualquer inverno que já vivi. Nenhuma lareira, nenhuma prece aos antigos, nenhum consolo sussurrado por criados poderia abrandar o que agora me corroía: a ausência.
Cedric.
Meu filho.
Meu orgulho.
Minha ruína.
As chamas da lareira crepitavam diante de mim, mas não havia calor nelas, apenas a lembrança cruel do que foi perdido. O calor dele. O riso rouco. O brilho de vida selvagem nos olhos dourados. Tudo agora reduzido a cinzas na memória.
Agarrei o cálice de vinho com força, meus dedos pálidos quase estalando sob a pressão. O líquido espesso tingia o cristal como sangue recém-derramado. Sorvi-o lentamente, saboreando a metáfora. Era um bom presságio. Prometia morte.
Um rangido suave anunciou a presença de alguém. Sem me virar, senti a hesitação pairando no ar.
— Senhora Liliane... — sussurrou uma criada, quase invisível à entrada do salão.
A raiva, viva e cortante, ergueu-se como uma fera dentro de mim.