POV: Emily
O silêncio dentro da casa era quase palpável, interrompido apenas pelo leve tilintar da chuva contra as janelas empoeiradas. Caminhei devagar, observando os móveis cobertos por lençóis brancos, as cortinas fechadas e o cheiro carregado de mofo e madeira antiga. A casa parecia adormecida — mas havia algo mais ali, algo que eu não conseguia explicar. Uma presença. Um arrepio percorreu minha espinha, fazendo-me encolher ligeiramente. — Está perdida? — ouvi uma voz grave às minhas costas, me fazendo virar com um salto. Na escada que levava ao segundo andar, meio envolto pelas sombras, estava um homem. Alto, ombros largos, cabelos escuros bagunçados e barba por fazer. Mas foram os olhos que mais me marcaram — frios e intensos, como gelo prestes a queimar. — Me desculpe… eu não sabia que havia alguém aqui — murmurei, a voz trêmula. Ele desceu os degraus lentamente, com uma postura quase felina. Seus passos eram firmes, mas silenciosos. Usava uma camisa preta com os dois primeiros botões abertos, revelando parte de um peito marcado por cicatrizes. Os jeans escuros e as botas gastas completavam sua imagem rude e indomada. — Você é Emily Carter, certo? Assenti, engolindo em seco. — Sim. E… você é? — Alexander Wolfe. — Ele parou a poucos passos de mim. — Tio de Dylan. O nome fez meu coração bater mais forte, mas não de saudade — de raiva. É claro que eu já tinha ouvido falar dele. Alexander era o irmão mais novo do pai de Dylan. O homem misterioso que a família quase não mencionava. Disseram que havia morado fora por anos, que era “diferente”. A ovelha negra. Agora ele estava ali — de carne, osso e olhos que pareciam atravessar minha alma. — Eu… achei que a casa estivesse vazia. Eu precisava de um lugar para ficar por uns dias — tentei explicar, sentindo-me cada vez menor diante da presença dele. — Percebi. Não costuma-se entrar assim na casa dos outros sem bater. — Ele falou com ironia, mas sem agressividade. Olhei para o chão, envergonhada. — Desculpa. Eu não estava pensando direito. Aconteceu uma coisa… — Dylan? — ele perguntou, como se já soubesse a resposta. Hesitei por um momento antes de assentir. Os olhos dele se estreitaram ligeiramente. — Suponho que ele tenha feito algo imperdoável. — Ele me traiu. Com minha melhor amiga. — As palavras saíram como um sussurro, embargadas de dor. Alexander não disse nada de imediato. Apenas me observou, como se estivesse analisando cada reação, cada traço do meu rosto. Depois se virou e caminhou até a lareira, acendendo um fósforo com destreza e reacendendo o fogo adormecido. — Então está no lugar certo — disse por fim. — Essa casa abriga muitos corações partidos. Observei-o em silêncio. Havia algo nele que me inquietava. Era brusco, sombrio, intenso. Mas também havia algo protetor naquela frieza toda, como uma muralha construída por quem já sofreu demais. — Você vai me deixar ficar? Ele me encarou novamente, o fogo agora projetando sombras dramáticas em seu rosto. — Ficar, sim. Mas sob uma condição. — Qual? Alexander se aproximou, parando perto demais. Sua voz veio baixa, quase íntima. — Não tente mentir para mim, Emily. E não tente me entender. Isso aqui não é seguro. Nem para você… nem para mim. Senti minha pele arrepiar, meu coração disparar. Havia um aviso nas palavras dele — e uma promessa também. Uma promessa de algo perigoso, irresistível. Não respondi. Apenas assenti, mesmo sem compreender totalmente no que estava me metendo. Mas a verdade era simples. Eu não tinha para onde fugir. E talvez... não quisesse mesmo fugir.