O céu estava coberto por nuvens pesadas quando Emily atravessou os limites da casa e entrou no bosque. O mapa deixado por Alexander estava dobrado no bolso da jaqueta, com uma marca em vermelho no canto inferior. Um círculo irregular no meio da vegetação, sem nenhuma indicação do que deveria encontrar lá.
Os galhos estalavam sob seus pés. O ar estava úmido, carregado de cheiros antigos — terra molhada, folhas apodrecendo, e algo mais... metálico, quase como ferrugem. A floresta parecia respirar em silêncio, viva de um jeito desconfortável. Cada passo mais fundo era também um passo mais longe da lógica. Ela seguiu pelo caminho indicado, ultrapassando arbustos densos até que, enfim, encontrou o que buscava: uma estrutura de pedra, quase totalmente coberta por musgo. À primeira vista, parecia uma ruína, uma simples parede caída. Mas ao se aproximar, percebeu que era uma porta. De ferro. Pesada. Enferrujada. Emily engoliu em seco. Não havia tranca visível. Apenas um puxador com marcas de mãos — mãos humanas. Mãos recentes. Ela hesitou. Parte de si dizia para voltar, que aquilo era um limite que não deveria ser cruzado. Mas outra parte… a parte que Alexander despertava, queria mais. Queria entender. Queria tocá-lo, mesmo nas partes sombrias. Com esforço, ela puxou a porta. Ela rangeu alto, como se protestasse, revelando um corredor estreito de pedra que descia em espiral. Não havia luz, mas ela levava consigo uma lanterna de mão. Ao ligá-la, viu que as paredes estavam marcadas por símbolos riscados à faca — símbolos que não reconhecia. Círculos, triângulos, palavras em latim. Havia algo ritualístico ali. Algo que gritava dor e penitência. Cada degrau parecia levar a outro mundo. Ao chegar ao fim da escada, Emily se deparou com uma sala de pedra. No centro, uma cadeira de madeira com correntes presas aos braços. Em uma das paredes, havia fotografias antigas — algumas rasgadas, outras queimadas. Entre elas, reconheceu Dylan ainda criança… e ao lado dele, Alexander, mais jovem, mais suave. Mas era a última imagem que a fez recuar. Era ela. Emily. Uma foto recente, tirada em um ângulo escondido. Ela estava no parque. Lendo um livro. Inocente. Desavisada. Um arrepio percorreu sua espinha. Alguém a vigiava antes mesmo de ela conhecer Alexander. Ou será que…? —Eu avisei que você não devia entrar aqui — disse a voz profunda atrás dela. Emily se virou bruscamente, o coração aos pulos. Alexander estava parado na entrada da sala. Os olhos sombrios. O rosto sem expressão. —Você sabia que eu viria — disse ela, a voz embargada. —Claro que sabia — ele respondeu, caminhando lentamente até ela. —Porque a curiosidade é sua maior fraqueza. —O que é esse lugar? Ele parou diante da cadeira com correntes, passando a mão sobre o encosto como se tocasse uma cicatriz. —É onde os pecados antigos morrem… ou renascem. —E o que você faz aqui, Alexander? Ele a encarou, a sombra do fogo da lanterna dançando em seus olhos. —Eu luto contra mim mesmo. Contra o que fui forçado a ser. Contra o homem que você quer conhecer… mas não deveria. Emily sentiu a garganta apertar. —E por que minha foto está aqui? Ele se aproximou devagar. Muito devagar. —Porque você entrou em algo que vai além da sua dor, Emily. Você não apenas perdeu alguém. Você foi escolhida. E isso… tem consequências. Ela queria gritar, fugir, fazer perguntas. Mas a proximidade dele era sufocante. Quente. Real. Alexander levantou a mão e encostou-a no rosto dela com uma delicadeza surpreendente. —Ainda pode voltar. Fingir que nunca viu nada disso. —Mas e se eu não quiser voltar? Ele fechou os olhos por um segundo, como se sentisse dor. —Então eu vou te consumir. E quando perceber, já não saberá onde termina você… e onde começa o meu inferno.O caminho de volta pela floresta parecia mais escuro do que quando havia chegado, apesar de o céu ainda manter o mesmo tom cinzento. Emily caminhava ao lado de Alexander em silêncio, as palavras presas em sua garganta, como se tivessem medo de tocar o que acabaram de ver. Ela ainda sentia o toque da mão dele em seu rosto, mas mais do que isso, sentia o que aquilo significava: uma confissão muda. Ele podia fingir controle, podia se esconder atrás da frieza, mas havia algo nele que vacilava perto dela. E isso era mais perigoso do que qualquer segredo. Quando chegaram à varanda da casa, Alexander parou e virou-se para ela. —Você devia fazer as malas e ir embora. Emily ergueu o queixo, a raiva contida explodindo em sua voz. —Por quê? Porque eu descobri o que você não queria que eu visse? Porque agora sei que você é mais quebrado do que tenta parecer? Ele a olhou fundo nos olhos, e pela primeira vez, Emily viu algo como medo neles. —Porque se você ficar, não haverá volta. Não vou ser
A casa parecia diferente naquela manhã. Emily acordou com a sensação de que algo nela havia mudado — algo interno, invisível aos olhos, mas impossível de ignorar. O gosto do beijo ainda pairava em seus lábios, misturado à memória das palavras que trocara com Alexander na noite anterior. Era como se uma linha tivesse sido atravessada… uma que não podia ser desfeita. Ela desceu as escadas com o coração acelerado, sem saber o que esperar. Mas Alexander não estava em lugar algum. A casa parecia vazia. Silenciosa. Só o relógio marcando o tempo, impiedoso, como sempre. Na cozinha, encontrou um bilhete em cima da mesa: “No estúdio. Se quiser saber a verdade, venha.” Não havia assinatura, mas era claro quem havia escrito. Emily seguiu o caminho indicado. Nunca estivera no estúdio, e o cômodo era isolado dos demais, com uma porta pesada e uma fechadura antiga. Quando entrou, encontrou um espaço amplo, com as paredes cobertas por quadros, telas inacabadas e cavaletes. Alexander estava sen
No dia seguinte, a casa estava ainda mais silenciosa do que de costume. Emily acordou sozinha — novamente. O quarto estava frio, e a ausência de Alexander era como um vazio físico. Ela sabia que ele se afastava sempre que se sentia exposto. Era o instinto de alguém que passou a vida se escondendo. Mas ela não recuaria. Vestiu-se rapidamente e desceu até a biblioteca. Algo a inquietava desde a noite anterior. A conversa. As cicatrizes. O beijo. E algo mais… algo que ela viu de relance no estúdio, mas não teve tempo de explorar: um cofre embutido atrás de uma das estantes, parcialmente encoberto por uma pintura inacabada. Seguindo o impulso, voltou ao estúdio. O lugar estava vazio, como esperava. A tela em branco continuava no centro da sala, mas agora havia pinceladas agressivas em vermelho e cinza sobre ela. Como se Alexander tivesse passado a noite tentando expulsar demônios à força de tinta e raiva. Ela foi até a estante ao fundo e afastou a pintura. O cofre estava ali. Antigo,
POV: Emily Eu nunca soube como o chão podia sumir sob os pés até aquele momento. Sentada diante do cofre aberto, com papéis ainda espalhados ao meu redor, olhei para Alexander como se ele fosse um estranho. Mas era isso que mais doía — ele não era. Eu o conhecia. Cada toque, cada silêncio, cada sombra no olhar dele… Eu sabia quem ele era. E mesmo assim, não fazia ideia. —Você é pai do Dylan. Minha voz saiu mais fraca do que eu gostaria, mas firme o suficiente para encher o estúdio de gelo. Ele não respondeu de imediato. Ficou parado na porta, como se uma simples palavra pudesse derrubar o pouco que ainda se mantinha de pé entre nós. —Sim — ele disse, finalmente. Só isso. Sim. Como se isso não quebrasse todas as minhas certezas de uma só vez. Senti o calor fugir do meu corpo. O sangue correu frio, e por um instante, pensei que fosse desmaiar. Mas não podia. Eu precisava encará-lo. Precisava ouvir da boca dele tudo o que tinha me sido negado. —Você mentiu pra mim esse tempo to
AlexanderEla se foi. Não de verdade, não com malas e porta batida. Mas se fechou para mim. E isso, no fim das contas, é muito pior.Emily caminhou até o quarto como quem foge de um incêndio e, ainda assim, se recusa a gritar por socorro. E eu fiquei ali, no estúdio, rodeado pelas cinzas da minha própria maldição.Ficar calado sempre foi a minha forma de autopreservação. Mas com ela… o silêncio virou uma arma. Uma lâmina afiada que cortei entre nós. E agora sangramos, um pelo outro.Encostei na parede, sentindo o peso do mundo cair sobre os meus ombros. Olhei para o cofre ainda aberto. As páginas expostas, minha história jogada ao chão como se fosse lixo. E talvez fosse. Uma história de erros, mentiras e abandono.Eu deveria tê-la impedido. Deveria ter trancado aquele estúdio. Mas parte de mim quis que ela soubesse. Porque eu já não aguentava mais carregar isso sozinho.Dylan é meu filho.Minha maldição.A prova viva de um amor proibido, de uma mulher que nunca me pertenceu. A mãe del
EmilyO silêncio dele continuava grudado na minha pele.Mesmo depois que fechei a porta e deixei Alexander do lado de fora, as palavras dele vibravam dentro de mim, latejando como um corte recém-aberto. Eu andava pelo quarto de um lado para o outro, tentando respirar, tentando entender como tudo que parecia tão certo… agora parecia tão condenado.Ele é pai do Dylan.Não importa quantas vezes eu repita isso na minha cabeça, ainda soa como uma mentira. Como uma dessas histórias absurdas que a vida inventa só pra ver até onde conseguimos suportar.E o pior de tudo? Eu queria odiá-lo. Queria gritar, quebrar coisas, fazer com que ele sentisse metade do que estou sentindo agora. Mas quando olhei nos olhos dele… tudo o que consegui ver foi dor. Uma dor antiga. Uma culpa enraizada. E algo em mim que eu não queria admitir: compaixão.Me joguei na cama, sentindo o colchão afundar como se ele também estivesse cansado de tudo. Meus dedos tremiam. Não sabia se era raiva, decepção ou a ausência abs
AlexanderA pior parte de ter cometido erros é quando eles começam a atingir as pessoas que você mais quer proteger.Emily estava ali, na casa onde cresci, no centro da minha vergonha, da minha história, das minhas cicatrizes. E, ainda assim, ela escolheu ficar. Não me perdoou — eu não esperava isso — mas também não virou as costas. E isso me dava uma esperança perigosa. Esperança é uma faca de dois gumes: quando você já sangrou demais, ela pode ser a lâmina final.Fiquei observando-a pela janela da biblioteca. Ela caminhava pelo jardim, com os braços cruzados, o rosto virado para o céu nublado. Emily parecia sempre carregar mais do que devia para alguém tão jovem. E agora, por minha culpa, ela tinha um fardo que não merecia.Lá fora, as primeiras gotas de chuva começaram a cair.Lá dentro, o inferno crescia.O telefone da biblioteca vibrou. Peguei o celular do aparador de livros e atendi, sem verificar o número.—Alexander?A voz do outro lado era a última que eu queria ouvir.—Thoma
EmilyDizem que a pior dor é a da traição, mas eu discordo.A pior dor é a de continuar amando alguém mesmo depois da verdade. É ter que conviver com sentimentos que não se alinham à razão. E pior ainda: é saber que você está no meio de uma guerra que começou antes mesmo do seu nascimento — e que talvez nunca tenha tido chance de sair ilesa.Eu não dormi naquela noite.Depois da conversa com Alexander, fiquei horas encarando o teto, pensando no que viria a seguir. Thomas sabia. Dylan sabia. E o mundo ao nosso redor começava a ruir como um castelo de cartas construído sobre areia movediça.Não sei exatamente quando tomei a decisão de ir embora. Talvez tenha sido quando vi a expressão de Alexander ao ler a mensagem do Dylan. Ou talvez tenha sido quando percebi que, por mais que ele tentasse ser diferente, o passado sempre o puxava de volta. E eu... estava me deixando afundar junto com ele.No início da manhã, arrumei minhas coisas em silêncio. Não era uma fuga. Era sobrevivência. Eu pre