O retorno à Suíça foi silencioso.
Do lado de fora da mansão dos Lefevre, a fachada imponente de pedra clara refletia a luz do inverno. Dentro, Isabelle caminhava como uma sombra entre as colunas de mármore e os salões amplos que um dia sonhara encher com música, arte e crianças.
Mas ali só havia eco.
E ordens.
Claude retomou sua rotina como se nada houvesse mudado — e, de fato, para ele, não mudara. Dormia pouco em casa, passava dias fora com a desculpa de reuniões e almoços de negócios. Quando voltava, exigia jantares servidos pontualmente, roupas passadas, perfume escolhido. E sexo. Sempre sexo. Sem conversa. Sem toque. Sem afeto.
Isabelle aprendera a não esperar. A se calar.
Nos primeiros meses após o casamento, ainda tentava conversar com ele à mesa. Perguntava sobre os negócios, oferecia ajuda, mostrava interesse. Claude ignorava. Ou zombava.
— Você serve para sorrir e servir vinho, Isabelle. Deixa os números pra quem entende.
Ela engolia a vergonha com o mesmo recato com que fora treinada para engolir o choro.
...
A elite de Genebra amava Isabelle Marchand-Lefevre.
Ela era a herdeira que todos admiravam — fina, educada, linda, fluente em cinco idiomas. Sua presença em eventos beneficentes era aguardada com ansiedade. Sua imagem estampava colunas sociais, desfiles discretos, concertos de piano, jantares de gala.
E ela?
Ela sorria.
Usava vestidos de alta costura, joias herdadas da mãe e um perfume doce que escondia a acidez da tristeza. Seus olhos azuis brilhavam sob luzes de cristal, mas apenas quem os olhava por tempo suficiente percebia: aquilo não era brilho. Era cansaço.
Foi nesses ambientes que as duas amigas começaram a se reaproximar.
Sophie Lambert foi a primeira a notar.
— Você parece... magra — disse ela certa noite, em um evento da Cruz Vermelha. — Está tudo bem?
Isabelle desviou o olhar, ajeitou os brincos de esmeralda.
— É só o ritmo... eventos, compromissos, viagens. Você sabe como é...
Sophie não acreditava. Mas conhecia Isabelle desde os tempos de internato e sabia que forçar seria pior. Manteve-se por perto. A cada novo evento, a cada nova visita, via os sorrisos murcharem.
Caroline Meunier, ao contrário, sorria demais.
Deslumbrante em suas roupas justas e risos calculados, fingia interesse por Isabelle, quando na verdade só queria saber o que Claude andava fazendo — ou com quem.
Tinha sido amante dele antes do casamento. E continuava sendo, embora agora com mais discrição.
— Meu amor, você está linda! — disse, beijando as bochechas da amiga com entusiasmo falso. — Como vai o Claude? Tenho ouvido maravilhas sobre os investimentos dele em Courchevel!
Isabelle apenas sorriu. Não respondia mais sobre o marido. O silêncio era sua armadura. Mas mesmo sem saber da traição, algo dentro dela se contraía sempre que Caroline se aproximava.
...
Durante o primeiro ano, Isabelle fez de tudo para se convencer de que aquilo passaria.
Tentava manter o piano afinado. Organizava pequenos almoços com mulheres da alta sociedade. Promovia campanhas de doação. Fazia tudo o que esperavam de uma “boa esposa”.
Mas ao voltar para casa...
A casa estava sempre fria.
E o marido, sempre ausente — ou bêbado. Quando presente, era um tormento.
Em uma dessas noites, Claude chegou tarde, arrastando a gravata e cheirando a tabaco.
— Já está na cama? — perguntou, entrando no quarto com os sapatos ainda sujos.
— Estava lendo... — disse ela, baixando o livro de Schopenhauer.
— Claro. Porque é isso que esposas fazem: leem enquanto os maridos trabalham.
Ele arrancou o livro da mão dela, jogando-o no chão, e a puxou pela cintura com brutalidade. Isabelle não resistiu. Apenas fechou os olhos e esperou que acabasse logo.
E quando acabou, ele apenas disse:
— Não reclame. Está no contrato, madame Marchand. E você é meu presente, sua gostosa puritana!
...
Certa tarde, Isabelle almoçava com os pais na antiga mansão dos Marchand. A mesa posta com talheres de prata, tudo impecável. Claude, como sempre, ausente.
— Seu pai e eu vamos a Viena na próxima semana — disse Geneviève. — A fusão da subsidiária austríaca está indo muito bem. Claude virá conosco?
— Não — Isabelle respondeu, mexendo distraidamente na sopa. — Ele tem... compromissos.
François Marchand não comentou. Apenas lançou um olhar frio, pragmático, como se dissesse: Compromissos demais. Um homem que pensa pouco na própria esposa.
Mas o assunto morreu ali.
Eles embarcariam naquela viagem no jatinho da empresa…
E jamais retornariam.
...
O jatinho particular dos Marchand sobrevoava os céus da Suíça com tranquilidade. A rota para Viena era curta, pouco mais de uma hora. Geneviève servia-se de chá de jasmim, como sempre fazia em voos. François, ao lado, lia um relatório impresso com gráficos e projeções da fusão da subsidiária austríaca.
Lá embaixo, as montanhas cobertas de neve pareciam repousar em paz. Mas dentro da cabine, pela primeira vez em anos, um silêncio desconfortável se instalava entre o casal.
— Está concentrado — comentou Geneviève, tentando quebrar o gelo.
François baixou os papéis e tirou os óculos com um suspiro.
— Estou... mas não consigo deixar de pensar nela.
— Isabelle?
Ele assentiu com um leve aceno de cabeça.
— Tenho observado algo diferente em seus olhos... nos últimos meses. Ela está mais... opaca.
Geneviève segurou a xícara com mais força.
— Eu também notei. Mas ela nunca disse nada.
— Ela aprendeu a não dizer — François respondeu, sombrio. — Criamos uma filha forte. Mas talvez... exigimos força demais.
Geneviève olhou para o vidro da janela, onde nuvens começavam a se adensar.
— Claude não me agrada como antes. Ele parece sempre distante. Arrogante. Quase cruel, às vezes. Isabelle sorri... mas não sorri com a alma.
Um silêncio mais denso caiu entre eles.
— Você acha que erramos? — sussurrou ela.
François demorou a responder.
— Acho que vendemos o coração da nossa filha por um império.
Geneviève sentiu um nó subir pela garganta. Pousou a xícara com cuidado e segurou o anel de noivado que ainda usava, como se buscasse ancorar-se em algo puro.
— Talvez ainda haja tempo de reparar.
François olhou para ela. Pela primeira vez em muito tempo, seus olhos não eram frios.
— Quando voltarmos de Viena, vamos conversar com ela. Com calma. Como pais. Sem contratos, sem lucros. Só... como os dois que a colocaram no mundo.
Geneviève sorriu, com os olhos úmidos.
Mas naquele instante — um estalo seco e metálico ecoou pela fuselagem.
As luzes da cabine piscaram.
François virou-se bruscamente para a janela.
— O que foi isso?
O comandante surgiu pela divisória, o rosto pálido.
— Temos uma falha no motor esquerdo. Vamos fazer uma manobra de emergência.
Geneviève agarrou o braço do marido.
O jatinho começou a vibrar. Primeiro como um tremor. Depois, como um terremoto aéreo. Os copos caíram. O chá espalhou-se. Papéis voaram.
A altitude começou a cair. Rápido demais.
Geneviève respirava com dificuldade. François a segurava firme, como se seu corpo pudesse protegê-la de tudo.
— Eu te amo — ela disse, a voz fraca, o olhar cravado no dele. — Que Deus cuide dela... por nós...
François queria dizer algo. Qualquer coisa. Mas o som do alarme abafava qualquer palavra. Um segundo depois, um estrondo tomou o mundo. A visão escureceu.
E então, o silêncio absoluto.