Capítulo 3 – A Ligação

A cama estava gelada.

Mais uma vez, Claude não voltara para casa.

Isabelle despertou com o som distante do relógio de parede marcando 08h00. O céu estava encoberto por nuvens pesadas, e a mansão silenciosa parecia ainda mais fria sem o barulho da presença do marido — que, quando vinha, deixava apenas ruídos de raiva e cheiro de cigarro.

Ela se levantou em silêncio, como fazia todas as manhãs.

Vestiu um robe de seda cor creme, amarrou-o com delicadeza, passou um creme leve no rosto e desceu os degraus de mármore em passos lentos. Seu reflexo nos espelhos dos corredores era o de uma mulher que já não esperava nada dos dias.

Ao chegar à copa, encontrou a mesa impecável.

Croissants frescos, chá de camomila em bule de porcelana inglesa, ovos mexidos, fatias de frutas cuidadosamente dispostas.

— Bom dia, senhora Lefevre — disse Amélie, a cozinheira, com um leve sorriso. — A senhora dormiu bem?

— Dormi, sim... obrigada — respondeu Isabelle, educada como sempre.

Claire, a governanta, estava próxima, organizando o rodapé do jornal dobrado. Ao fundo, Lídia, a doméstica mais jovem, arrumava discretamente o aparador de talheres.

As três sabiam.

Sabiam do vazio que consumia a senhora da casa. Do silêncio dolorido que ela vestia todas as manhãs. Sabiam que o senhor Lefevre jamais lhe dava um bom-dia, um gesto de carinho, uma presença.

Mas não diziam nada. Apenas cuidavam dela da única forma que podiam: com atenção, respeito e afeto sutil.

Isabelle sentou-se.

Fechou os olhos por um segundo antes do primeiro gole do chá. Era como se o corpo dela estivesse ali... mas a alma, em algum lugar escondido. Ouvia as colherinhas batendo nas xícaras, sentia o aroma da manteiga derretida, mas não sentia paz.

E então, sem aviso, um arrepio percorreu sua espinha.

Frio. Incômodo. Cortante.

Como se algo tivesse sido arrancado do mundo e ela, de alguma forma, sentisse o vazio.

Abriu os olhos devagar. Olhou ao redor. Tudo parecia igual, mas o coração batia acelerado. Olhou para o relógio da parede: 08h37.

Foi quando Lídia se aproximou da porta da copa, um pouco pálida.

— Senhora Lefevre?

— Sim?

— É... é uma ligação. Do gabinete do CEO da Marchand Pharma... o senhor Arnault está na linha. Ele... ele disse que é urgente.

Isabelle franziu o cenho. Era raro receber ligações de negócios. Claude tratava de tudo. Levantou-se devagar, ajeitando o cinto do robe com dedos trêmulos.

Entrou no escritório, pegou o telefone.

— Isabelle Marchand-Lefevre falando.

Do outro lado da linha, uma voz masculina, contida, engasgada.

— Senhora... aqui é Arnault. Precisamos que a senhora mantenha a calma. Houve um acidente. O jato dos seus pais... saiu de rota durante o trajeto para Viena. A aeronave caiu nos Alpes Orientais... e... infelizmente... não houve sobreviventes.

Silêncio.

Isabelle não disse nada.

A mão segurava o telefone com força, mas o rosto... o rosto parecia de cera. Imóvel. Pálido.

Ela olhou para a parede à frente, como se tentando entender as palavras.

Não houve sobreviventes.

— Senhora...? Está me ouvindo?

Isabelle assentiu levemente com a cabeça, mas sua voz não saía. Os olhos começaram a lacrimejar. Não com desespero. Com lentidão. Com dor gelada.

As lágrimas escorriam queimando o rosto, como se o corpo estivesse derretendo por dentro.

— Obrigada — ela respondeu, finalmente. — Eu... vou providenciar tudo.

Desligou.

Ficou ali, parada, com o telefone ainda na mão.

Claire apareceu na porta, assustada com o silêncio.

— Senhora...?

— Eles morreram — sussurrou Isabelle. — Meus pais... morreram.

E desabou.

Não em gritos. Não em histeria.

Mas como uma flor encharcada pela chuva: silenciosamente, dobrando-se até o chão.

...

Enquanto Isabelle afundava em dor, Claude Lefevre afundava em travesseiros de linho egípcio no quarto 504 de um hotel de luxo no centro de Genebra.

Ao lado dele, Caroline Meunier, nua, ria alto com uma taça de champanhe na mão.

— Você é horrível! — ela dizia, entre risadas.

Claude acendia um charuto.

— Minha esposinha já me ligou cinco vezes esta manhã. Cinco. É impressionante.

— Aposto que ela acordou sozinha. Pobrezinha — zombou Caroline, se esticando sobre ele. — Vai ver está preocupada com o maridinho sumido...

Claude soltou a fumaça devagar.

— Ela é carente. Grudenta como um cachorro abandonado. Vive atrás de mim como se eu fosse o último trem da estação.

— Mas é — Caroline riu. — Você é o último trem... do inferno.

Ambos gargalharam. Ela se jogou por cima dele e murmurou:

— E pensar que ela era toda castinha, virgenzinha. Agora deve estar viciada em você.

Claude ergueu a sobrancelha, sarcástico.

— Viciada ou traumatizada?

Mais risadas.

O celular tocou de novo.

Ele olhou a tela: “Isabelle”.

Revirou os olhos e desligou.

— Chata. Vai ver que sonhou que eu morri.

— Ou sonhou que era feliz com você — Caroline sussurrou no ouvido dele, maliciosa. — O que talvez seja ainda mais improvável.

...

As mãos de Isabelle tremiam enquanto segurava as bordas da pia do lavabo da suíte principal.

O rosto no espelho era irreconhecível: pálido, com os olhos marejados, as olheiras profundas, o semblante de alguém que perdera o chão. Ela havia chorado, mas agora estava presa num estado de entorpecimento lúcido, como se cada gesto exigisse esforço de uma alma prestes a se quebrar.

Ela enxugou as lágrimas com um lenço de linho. Não com pressa, mas com precisão.

Devagar, voltou ao quarto. Abriu o armário. Escolheu um vestido preto simples, de tecido grosso, sem detalhes. Não sabia se era luto ou impulso. Mas o preto parecia necessário. Um luto silencioso... por fora e por dentro.

Vestiu-se.

Prendeu os cabelos com uma presilha de pérola. Passou perfume nas têmporas — o mesmo que a mãe adorava nela.

E então sentou-se na beira da cama, com o coração apertado. Sozinha.

Claude não estava ali.

E apesar de tudo — dos horrores, da crueldade, da frieza — ela precisava dele. Precisava de um ombro, de uma voz, de qualquer coisa humana.

Pegou o celular.

Ligou.

Chamou uma vez. Duas. Três.

Nada.

Desligou. Tentou de novo. Caixa postal.

Onde você está, Claude? Onde está quando mais preciso de alguém? Mesmo você sendo... o que é... você ainda é tudo que eu tenho... — pensava, com a dor latejando.

Ela pressionou os olhos, tentando conter o choro, e decidiu agir.

Desbloqueou a tela. Procurou um nome:

Sophie Lambert.

A única pessoa no mundo em quem ela confiava. Sua amiga fiel. A irmã que nunca teve.

Tocou para ligar.

Sophie atendeu na primeira chamada.

— Isa? Está tudo bem? Você está com a voz estranha...

Isabelle tentou respirar fundo. A voz saiu baixa, frágil, quase infantil:

— Eles... morreram, Sophie.

— O quê?

— O jatinho... caiu. Meus pais estavam indo para Viena. Não houve sobreviventes...

O silêncio de Sophie foi imediato. Depois, um sussurro trêmulo:

— Meu Deus... Isa...

— Eu estou sozinha. Eu... não sei o que fazer...

— Eu estou indo agora. Me dá trinta minutos. Fica onde está. Não faz nada sozinha. Eu tô com você. Entendeu?

Isabelle assentiu, mesmo que Sophie não pudesse vê-la.

— Obrigada... — sussurrou.

Desligou.

E então, como num reflexo vazio, abriu a conversa com Caroline Meunier.

Digitou:

“Recebi uma notícia terrível. Meus pais morreram. Se você souber onde está o Claude, por favor me avise. Eu preciso dele.”

Enviou.

Não fazia ideia de que Caroline estava nua e rindo sobre o corpo de Claude, o telefone em modo silencioso no criado-mudo. A mensagem brilhou discretamente na tela — mas nenhum dos dois se importou em olhar.

Caroline apenas se virou de lado, esticando os dedos sobre o peito suado de Claude.

— Aposto que ela está solitária. Coitadinha.

Claude soltou uma risada preguiçosa.

— Aposto que tá. Ela só tem a mim.

— E você?

— Eu só tenho... pena. É uma boneca, linda, gostosa, mas manipulável.

Ela gargalhou alto.

E enquanto os dois se perdiam em luxúria e veneno, Isabelle Marchand-Lefevre, com o mundo desmoronando aos seus pés, encarava o espelho com olhos vazios — sem saber que naquele exato instante, além da dor, estava sendo traída da forma mais cruel possível.

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