Sexta-feira / Início da manhã — Apartamento de Sophia O sol filtrava-se pelas cortinas com delicadeza. Era uma luz tímida, dourada e serena, como se soubesse que ali dentro repousavam duas mulheres que, pela primeira vez em semanas, dormiam em paz. Luna despertou antes. Estava deitada de lado, os olhos presos no contorno do rosto de Sophia. Os cabelos desalinhados, a boca entreaberta, uma expressão de abandono completo. Vulnerável e, ainda assim, inacreditavelmente poderosa. Ela sorriu sozinha, puxando o lençol até os ombros, como se o gesto pudesse preservar o calor daquela noite. Seu corpo ainda doía de leve — não de desconforto, mas de presença. Como se tivesse sido tocada de dentro pra fora. Desviou os olhos para o teto, o coração calmo, e pela primeira vez em muito tempo, sem medo. Sophia se mexeu, devagar, como quem tenta acordar sem perder o sonho. — Já acordada? — murmurou, rouca de sono. — Não sei se dormi de verdade. — Luna riu baixo. — Acho que passei a noite tentan
Segunda-feira / Tarde — Empresa Stuart & Co. O elevador subia devagar. Luna ajeitou o blazer sobre os ombros e respirou fundo. Era a primeira vez que voltava à empresa desde… tudo. Desde a apresentação, desde o bloqueio, desde a noite em que contou a verdade e se despiu por inteiro. Por dentro e por fora. Agora, Sophia sabia. E, ainda assim, quis ficar. A porta do elevador se abriu, revelando o saguão corporativo. Vidros, aço, silêncio. O clique dos saltos dela era como um metrônomo num lugar onde tudo precisava estar no ritmo certo. Mas Luna nunca foi de seguir o ritmo. E agora, menos ainda. Ela caminhou até a sala de reuniões onde os ex-estagiários haviam sido convidados para apresentar os dados da primeira semana do aplicativo lançado. Estavam todos lá: Isadora, Bruno, Kelvin, Letícia. E Sophia, é claro — mais distante, como deveria ser. Mas com os olhos nela. O tempo todo. — Luna! — Isadora a puxou para um abraço. — Tava sumida! Tá tudo bem? — Agora tá — ela respondeu, sorr
Sexta-feira / Final da tarde — Campus da faculdade O sol descia lento atrás dos prédios da universidade, pintando o céu de um laranja abafado. Luna estava sentada sob uma árvore, o notebook no colo, quando seu celular vibrou. Achou que fosse Sophia. Mas não era. Era uma mensagem anônima. “LadyInSilk? É você, né? ;) Tô na sua turma agora. A gente se vê, fada.” O sangue dela gelou. Ela olhou ao redor, o coração acelerando, as mãos suando. Gente demais. Risos demais. Nenhuma pista. Era só um aviso. Um aviso com dentes. Fechou o notebook com força e guardou tudo na mochila. Saiu andando rápido, quase correndo. Quando chegou em casa, trancou todas as portas, desligou o celular, e só respirou de novo quando ligou para Sophia. — Luna? — a voz de Sophia veio do outro lado, preocupada. — Alguém me reconheceu. Me mandou mensagem. Me chamou de LadyInSilk. — Onde você tá? — Em casa. — Tô indo. Vinte minutos depois, Sophia invadia o apartamento como se pudesse enfrentar o mundo com as
Segunda-feira / Final da manhã — Escritório improvisado de Sophia O computador exibia três janelas abertas. Duas de mensagens com o jurídico. Uma com o programador de segurança da Stuart & Co. E no centro da mesa, o celular de Luna, com as mensagens anônimas salvas e prontas para análise. Sophia caminhava de um lado para o outro, os braços cruzados, a mandíbula travada. Luna estava sentada, os olhos nela. — O IP foi rastreado até a rede da faculdade, certo? — ela perguntou. — Sim, mas o acesso foi feito por VPN. Isso indica que a pessoa sabe o que está fazendo. Alguém com noções básicas de anonimato online. — Sophia parou, encarando Luna. — Ou seja, alguém próximo. Alguém que já te observava faz tempo. Luna respirou fundo. — Você acha que é pessoal? — Luna… você mexe com o desejo das pessoas. Mas também mexe com o poder. Ser desejada desse jeito dá controle. E quem sente que perdeu o controle, às vezes, quer punir. Luna engoliu em seco. Sentiu o coração bater mais alto. Em out
Nota da autora: Dois meses se passaram desde o fim do estágio. Luna, Isadora, Bruno, Letícia e Marcos foram efetivados como desenvolvedores do app de bem-estar na Stuart & Co. Apesar de não serem mais estagiários, a rotina da equipe se manteve intensa. A responsabilidade aumentou — assim como a visibilidade. E com isso, os riscos. ⸻ Sexta-feira / Faculdade / Sala do grupo de desenvolvimento O silêncio era denso. Letícia folheava uma revista sem realmente ler, Bruno tamborilava os dedos na mesa, e Isadora olhava para Luna com o cenho franzido. Luna respirou fundo. Havia praticado o que queria dizer, mas as palavras pareciam evaporar quando encarava os olhos das pessoas que estiveram ao seu lado por tanto tempo. — Foi o Marcos. — disse, de uma vez só. — Ele descobriu sobre a minha vida fora daqui. Tentou me chantagear. E quando eu me recusei a ceder… ele ameaçou vazar tudo. Isadora arregalou os olhos. — Meu Deus… Luna. — Ele está suspenso, a empresa abriu investigação interna e
Sábado / Início da tarde / Apartamento de Sophia Luna estava sentada no sofá, com o notebook apoiado nas pernas. O sol atravessava as cortinas finas e riscava seu rosto de luz e sombra. Sophia, de pé ao lado da mesa de jantar, falava baixo ao telefone com alguém da área de cibersegurança da empresa. — Quero o rastreamento completo. IP, provedor, localização. Se essa conta tiver qualquer histórico em nossa rede, rastreiem. Nome da conta: Dark_Observer. Prioridade máxima. — ela fez uma pausa, ouvindo. — Obrigada, Amanda. Me avise assim que tiver qualquer retorno. Luna fechou o notebook devagar. — Eles vão conseguir? Sophia caminhou até ela e se sentou ao seu lado. — Não sei. A pessoa por trás dessa conta é cuidadosa. Usa redes privadas, não interage diretamente, só observa. Mas agora que mandou mensagem, deixou rastro. Vamos seguir isso. Luna olhou para as próprias mãos. — Sabe… eu achei que depois que eu te contasse tudo, depois que eu deletasse minha conta, o pior tive
Segunda / Manhã — Apartamento de Sophia A luz fria da manhã atravessava os vidros amplos do apartamento de Sophia, espalhando sombras longas pelo chão de madeira. O silêncio era espesso, quebrado apenas pelo gotejar da cafeteira automática e o leve tilintar da colher contra a porcelana branca da xícara. Sophia estava sentada à mesa, ainda com o robe de seda vinho escorrendo pelos ombros, o olhar fixo na tela do notebook, onde o e-mail ameaçador pulsava como uma ferida aberta. “LadyInSilk deixou rastros. Você vai mesmo protegê-la quando todos souberem quem ela é?” Ela não precisava reler. A frase já estava queimada na memória, como uma marca. O remetente era desconhecido, mas o estilo… havia algo pessoal ali. Intencional. E venenoso. Seu celular vibrou, discreto. Ela não se mexeu de imediato. Bebeu o café. Sentiu o amargor bater na língua como um soco seco. Só então deslizou o dedo pela tela. Luna: “Ele respondeu o seu e-mail?” Sophia hesitou. Os dedos pairaram sobre o t
Terça/Manha — Laboratório da Faculdade.A luz artificial do laboratório de projetos piscava de leve, irritante. Luna tentava focar no código, mas os olhos fugiam para o celular sobre a mesa. A mensagem de Sophia ainda estava ali, aberta. “Preciso de você mais do que nunca. Esta noite?”Ela havia respondido sem hesitar. Mas por dentro, sentia tudo estremecer.— Ei, Luna. — Isadora se aproximou com uma expressão tensa. — Você viu isso?Luna ergueu os olhos. Isadora mostrava a tela do próprio celular. Um perfil no Instagram criado naquela semana: anônimo, sem seguidores, sem nome. Apenas uma única publicação: uma captura de tela distorcida de um frame de uma live antiga. Rosto semi-coberto. Mas familiar demais.Luna sentiu o estômago despencar.— Quem postou isso?— Não faço ideia. Mas marcaram a conta do projeto. E a legenda era tipo… “Nem tudo que brilha é aplicativo.”A mente de Luna correu. A conta estava cancelada. Os vídeos deletados. Ela tinha tomado cada cuidado. Mas alguém tinha