O dia seguinte amanheceu coberto por uma névoa densa que engolia as ruas de Ravenshall. Os carros pareciam fantasmas flutuando, e até os sons estavam abafados, como se o mundo estivesse sussurrando algo que ninguém mais conseguia entender.
Ninguém... exceto Emeraude.
Desde o incidente com Théo, os sussurros aumentaram. Eles a seguiam pelos corredores da escola, cochichavam em seus sonhos, e agora, no silêncio da manhã, formavam frases completas.
— "Ela escutou. Ela mudou. Ela abriu."
Emeraude sentia que algo havia se rompido quando usou seu grito para impedir a morte. Era como se tivesse aberto uma nova porta dentro de si — ou, pior, destrancado uma antiga que deveria permanecer selada.
Lirien a aguardava ao pé da figueira ancestral. Seus olhos carregavam preocupação.
— Quando você gritou para salvá-lo, Emeraude, você fez mais do que alterar o destino de um garoto... — disse a anciã. — Você quebrou um dos pactos do Véu.
— Que pacto?
— O pacto do silêncio. Banshees anunciam. Não escolhem. Não interferem. Ao salvar uma vida, você se colocou no centro da balança. Agora, coisas do outro lado sabem que você está... acessível.
A névoa ao redor engrossou como se reagisse à conversa.
— Elas estão vindo, não estão? — Emeraude perguntou.
Lirien assentiu, sombria.
— Algumas virão em busca de ajuda. Outras... em busca de vingança.
Naquela noite, Emeraude não conseguiu dormir.
Às 3h17, despertou com uma sensação de frio invadindo seu quarto, apesar das janelas estarem fechadas. O espelho começou a embaçar sozinho, e nela surgiu uma frase escrita como se por dedos invisíveis:
"Você escutou... Agora escute todas nós."
No mesmo instante, sua mente foi tomada por vozes.
Múltiplas.
Antigas.
Doloridas.
"Morri queimada por amor..."
"Fui enterrada viva por medo..."
"Fui esquecida na neve, sem nome..."
"Meu grito nunca foi ouvido..."
Emeraude caiu de joelhos. Aquilo era mais do que ela suportava.
Mas então, uma única voz cortou todas as outras:
"Ajude-nos a encontrar a Fonte."
Ela ofegou.
— Que fonte?
O silêncio respondeu.
Por um momento, ela achou que fosse apenas uma visão. Mas, ao olhar para a parede, viu que uma das pedras do antigo casarão dos Lewis havia se deslocado, revelando um símbolo antigo, quase apagado pelo tempo:
Um círculo cortado por um grito.
Emeraude soube, ali, que sua missão estava apenas começando.
As banshees estavam despertando. E queriam ser ouvidas.
O símbolo na parede parecia pulsar, como se tivesse um coração próprio. Emeraude o encarava, hipnotizada, enquanto as vozes ainda ecoavam dentro de si como uma multidão de almas sufocadas.
A Fonte.
A Fonte dos Lamentos.
No dia seguinte, ela voltou à figueira para encontrar Lirien, mas no lugar da velha banshee, encontrou um bilhete preso ao tronco com uma adaga feita de ossos:
"Se quiser respostas, siga os sussurros até o lugar onde a cidade cala. Onde a terra sangrou e o tempo não curou."
Emeraude fechou os olhos e deixou que os sussurros guiassem seus passos. Eles a levaram até os arredores de Ravenshall, a uma clareira esquecida onde as árvores pareciam mais velhas que o próprio tempo. No centro, coberta por musgo e trepadeiras, estava uma antiga construção de pedra: um poço seco e rachado, com símbolos antigos esculpidos em sua borda.
Ali estava.
A Fonte dos Lamentos.
Ao se aproximar, Emeraude sentiu os gritos. Não como palavras, mas como dores cruas. Histórias que não foram contadas. Gritos que nunca ecoaram.
Ela tocou a borda do poço.
Imediatamente, a paisagem ao redor mudou.
Ela foi puxada para dentro de uma memória coletiva — uma visão ancestral.
Via-se cercada por mulheres de olhos opacos, vestidas em tons de cinza e preto, suas bocas abertas em gritos silenciosos. Estavam presas ali, seladas, como se aquele lugar fosse uma prisão para todas as banshees esquecidas.
Uma delas se aproximou. Seus olhos eram espelhos quebrados.
— Você tem voz. Dê-nos voz. Liberta-nos.
Emeraude recuou.
— Como?
— O sangue da verdade. O nome do silêncio. E o grito puro.
Com um último olhar, a banshee tocou seu peito — e Emeraude foi arremessada de volta à clareira.
Ofegante, caiu de joelhos.
Agora ela sabia.
A Fonte guardava as almas aprisionadas de banshees que haviam quebrado o pacto, assim como ela. E para libertá-las, teria que encontrar três elementos sagrados:
1. O Sangue da Verdade
2. O Nome do Silêncio
3. O Grito Puro
Mas uma pergunta ficava em sua mente como uma faca presa:
Por que estavam presas?
E quem as prendeu?
Ao longe, nas sombras da floresta, olhos observavam.
Não estavam sozinhas.
E o tempo estava se esgotando.