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Emeraude: Herdeira do Grito
Emeraude: Herdeira do Grito
Por: Carlos Lafaete
Capítulo 1 - A Máscara da Perfeição

A mansão dos Lewis parecia saída de um catálogo de arquitetura francesa: janelas altas emolduradas por cortinas de linho branco, um jardim meticulosamente aparado, fontes murmurando em sincronia com o silêncio da vizinhança rica e intocável. Por fora, era perfeita. Por dentro, era uma prisão de porcelana.

Emeraude Lewis descia lentamente as escadas de mármore, os cabelos negros como a noite escorrendo sobre os ombros com o mesmo cuidado com que sua mãe aparava os buquês do hall de entrada. Ela vestia um robe de seda azul e olhava o vazio como se soubesse que algo, lá dentro dela, não se encaixava naquela moldura dourada.

— Bom dia, querida — disse Alisha, a mãe, já à mesa, sorvendo calmamente seu chá de lavanda. Seus olhos castanhos, tão doces à primeira vista, escondiam a rigidez de quem vive entre segredos e sombras.

— Bom dia, mãe — respondeu Emeraude, sentando-se com a postura impecável que aprendera desde cedo. Seu pai, James Lewis, já havia saído para o hospital, como de costume. Sempre antes das sete. Sempre pontual. Sempre irrepreensível.

A mesa do café da manhã era farta. Croissants, frutas, sucos naturais e um silêncio opressor.

— Você tem planos para hoje à noite? — perguntou Alisha, fingindo distração ao cortar uma maçã com precisão quase cirúrgica.

Emeraude hesitou.

— Talvez... alguns amigos da escola vão fazer uma pequena comemoração. Nada demais. Só... uma fogueira na floresta. Só para relaxar um pouco.

Alisha congelou por um segundo. A faca ficou suspensa no ar. Depois sorriu, aquele sorriso que não chegava aos olhos.

— Na floresta?

— É só uma fogueira, mãe. Todos vão. Eu já tenho dezesseis, lembra?

A psicóloga deu um gole em seu chá, como se buscasse tempo para pensar.

— Você sabe como nos preocupamos com você, não sabe? As coisas... mudam nessa idade. O mundo pode ser estranho. Pessoas... podem se machucar.

Emeraude ergueu uma sobrancelha. Aquilo parecia mais um aviso do que um cuidado.

— Eu estou bem, mãe. Só preciso respirar um pouco fora dessas paredes.

Silêncio.

Depois, Alisha assentiu com leveza.

— Tudo bem. Confio em você. Mas por favor, fique atenta. E volte antes da meia-noite.

---

Mais tarde, já no quarto, Emeraude se encarava no espelho. Os olhos cor de mel pareciam mais dourados do que de costume. Ultimamente, ela vinha ouvindo sussurros estranhos ao dormir. Sentia arrepios quando passava por alguns lugares da casa. E o pior: sonhava com pessoas que, no dia seguinte, descobria estarem mortas.

Mas ela não queria pensar nisso agora.

Hoje era seu aniversário de dezesseis anos.

Hoje, ela só queria ser uma garota comum, em uma festa comum, com amigos comuns.

Mas Emeraude não era comum.

E a floresta, naquela noite, revelaria o que nem seus pais conseguiram esconder por tanto tempo.

O céu parecia um véu espesso de nuvens escuras, como se a noite tentasse esconder algo. A floresta, à beira da cidade, era conhecida por suas árvores antigas e pelo eco misterioso que se formava entre os troncos. Mas naquela noite, ela seria palco de algo além da compreensão.

Emeraude saiu de casa sorrateiramente, por volta das 21h, vestindo uma jaqueta preta sobre um vestido simples e botas. O motorista já havia ido dormir, e os pais pareciam ocupados demais em suas próprias sombras para perceberem sua ausência. A floresta ficava a vinte minutos dali. Ela pegou a bicicleta elétrica, cruzando as ruas silenciosas até o local combinado.

Ao chegar, viu a fumaça da fogueira subindo como um braço chamando o céu. Músicas saíam de uma caixa de som pendurada em uma árvore. Risadas ecoavam. Garrafas passavam de mão em mão. Colegas da escola, todos sorrindo com aquele falso ar de liberdade que os filhos de elite carregavam.

— Finalmente, a herdeira dos Lewis apareceu! — brincou Adrian, um dos garotos populares. — Estávamos achando que sua mãe ia te trancar em casa de novo.

— Ela tentou — respondeu Emeraude, forçando um sorriso. — Mas hoje é meu dia.

— Happy death-day então — disse ele, rindo de sua própria piada. Ninguém deu muita bola. A garota que controlava a playlist aumentou o volume, e alguns começaram a dançar entre as árvores.

Emeraude se afastou da roda por um momento. Precisava de ar. A floresta parecia mais viva que o normal. Cada galho estalava como se a observasse. Cada sussurro entre os troncos pareciam dizer seu nome.

“Emeraude...”

Ela se virou.

Nada.

Mas os arrepios estavam de volta. Fortes. Gélidos. Como dedos invisíveis tocando sua nuca.

Foi quando ouviu. Um grito. Não dela — ainda não. Mas de outra pessoa. Agudo. Apavorado.

Correu de volta até a clareira.

E então viu.

Uma garota estava caída no chão, contorcendo-se como se algo a esmagasse por dentro. Outros gritavam, confusos. Um rapaz tentava segurá-la, sem saber o que fazer. Era Helena, colega de turma. Estava sangrando pelo nariz. Seus olhos revirados.

— CHAMEM UMA AMBULÂNCIA! — alguém berrou.

Emeraude não conseguia se mover. Não conseguia respirar. Seus ouvidos zuniam.

E então... aconteceu.

Um grito saiu dela.

Primeiro baixo, tremido. Depois, como um trovão.

Um grito que não vinha da garganta, mas da alma.

O som rasgou a noite. Fez os pássaros voarem. A música parou. Todos se viraram. O mundo pareceu parar por um instante.

Helena parou de se contorcer.

E morreu.

Silêncio.

Todos olharam para Emeraude.

— O... o que foi isso? — sussurrou Adrian.

Mas ela não conseguia responder. O grito ainda ecoava dentro dela. E junto com ele, imagens. Vozes. Sussurros de um mundo que ela nunca viu, mas que parecia chamá-la desde o nascimento.

Naquela noite, sob a lua encoberta e as árvores silenciosas, Emeraude Lewis deixou de ser apenas uma garota rica com pais estranhos.

Ela era algo mais.

E a morte tinha acabado de ouvir sua voz.

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