— José Eduardo, essa é sua prima, Catarina.
— Eu sei, pai. O senhor mandou mensagem.
Eu queria desaparecer. Eles falavam de mim como se eu não estivesse ali.
— Então trate-a como ela merece — disse tio Nestor, sério.
José Eduardo soltou uma risada seca.
— Tá de brincadeira? A gente nem sabe se essa garota é quem diz ser.
— Como é que é? — retruquei, a voz falhando de indignação. — Tá achando que eu inventei isso tudo?
— Nunca se sabe, princesa. Apareceu do nada, dizendo ser sobrinha de um milionário. Conveniente demais, não acha? Quero ver provar.
— José Eduardo, basta! — interrompeu meu tio, em tom ríspido.
— Eu só acho que o senhor devia pensar melhor antes de trazer uma estranha pra morar com a gente. Vai que ela é uma golpista. Vai que tá aqui pra nos roubar!
— Eu nunca roubei ninguém! Isso é um absurdo! — disse, sentindo a garganta apertar.
Tio Nestor me puxou num abraço protetor.
— Não escute ele, Catarina.
Mas eu já estava abalada.
— Talvez ele tenha razão... acho melhor eu voltar pra minha casa.
— De jeito nenhum! Isso não está em discussão!
José Eduardo riu com desdém.
— Essa carinha fofa não me engana. Só meu pai mesmo pra cair nessa de mocinha indefesa. — Se aproximou, o olhar cheio de julgamento, o perfume amadeirado me cercando. — Eu reconheço vigaristas de longe.
— Corine! — chamou tio Nestor, num tom alto. — Leve Catarina até o quarto dela.
Uma mulher elegante, de uniforme bem cortado, surgiu com um sorriso acolhedor. Depois eu saberia que ela era a governanta da casa.
— Claro, senhor. Vamos? — disse, gentil.
— Eu... eu vou embora. Isso aqui foi um erro — falei, engolindo as lágrimas.
— Primeiro entre, minha sobrinha. Depois decidimos isso, com calma.
— Vamos, querida — disse Corine, percebendo a tensão no ar.
— E você, José Eduardo... me encontre no escritório. Agora.
— Com todo prazer, pai. Alguém precisa colocar um pouco de juízo nessa história.
José Eduardo passou por mim como um furacão gelado, os olhos me atravessando. Seu perfume ficou no ar, e com ele, a certeza de que eu não era bem-vinda.
Tio Nestor ainda me lançou um “sinto muito” antes de segui-lo.
E eu fiquei ali, paralisada. Uma intrusa. Uma estranha tirando a paz de uma casa onde ninguém me esperava.
Como eu poderia me sentir em casa ali?
Corine me guiou com leveza. Era experiente, parecia saber exatamente o que fazer em momentos de crise emocional.
— Vai adorar o seu quarto.
— Obrigada pelo carinho, Corine.
— Fique tranquila. As coisas se ajeitam. Sempre se ajeitam.
A casa era impressionante. Janelas enormes deixavam o fim da tarde pintar tudo de dourado. A luz se refletia nos móveis de madeira escura, nos tapetes persas, nos quadros antigos. Um luxo silencioso e frio.
Subimos uma escadaria de mogno até o segundo andar. O quarto era maior do que todo o meu antigo lar. Um exagero acolhedor.
Corine me mostrou tudo com paciência, depois avisou que desceria para organizar o jantar.
— Se precisar de mim, disque *1 no telefone ao lado da cama. Eu venho ou mando alguém.
— Muito obrigada. De verdade.
— Sinta-se em casa. Até mais tarde.
Tudo estava indo rápido demais: a morte da mamãe, a ligação pro meu tio, essa nova casa, essa nova vida. Difícil processar.
Peguei uma toalha e fui direto pro banho, querendo me livrar da angústia que me cobria.
O banheiro era digno de revista: mármore branco, porcelana reluzente, cheiro de lavanda fresca no ar.
Depois do banho, com o roupão de algodão macio no corpo e o cabelo enrolado na toalha, ouvi batidas na porta.
Achei que fosse Corine. Ou talvez meu tio.
Mas quando abri, senti de novo aquela fragrância amadeirada.
E vi José Eduardo.
Me encarava do mesmo jeito de antes: com reprovação.
— Podemos conversar, garota?