O amanhecer chegou trazendo um silêncio estranho para Eveline. Não era exatamente paz, mas também não era tormenta. Era uma pausa. Como o instante entre duas batidas do coração.Ela acordou com Gabriel ainda dormindo em seu berço. A febre não havia voltado. O rostinho dele estava calmo, os bracinhos soltos pelos lençóis. Observá-lo assim dava a ela uma sensação de que o mundo podia ser menos caótico, ao menos por alguns minutos.Antes de descer, Eveline pegou o celular e escreveu uma mensagem para Daniel:"Bom dia. Gabriel dormiu bem, sem febre. Espero que você também tenha descansado."A resposta veio rápida:"Bom dia, Eve. Fico feliz. Estou melhor hoje. Clara me trouxe algumas atualizações da clínica. Te espero mais tarde, se puder vir."Ela ficou alguns segundos encarando a tela. A menção a Clara veio como uma agulha fina, discreta, mas perceptível. Não por ciúmes. Mas por uma nova consciência.Clara estava se tornando parte do cotidiano de Daniel. Não apenas no hospital, mas em es
O celular vibrou ao lado da cama. Eveline, ainda sonolenta, estendeu a mão e viu o nome de Marcus na tela. Atendeu com a voz baixa, tentando não acordar Gabriel, que dormia tranquilo ao lado.— Oi, Marcus... tudo bem?— Oi, Eve. Desculpa ligar tão cedo... eu queria te pedir uma coisa. Você acha que eu poderia passar o dia com o Gabriel? Talvez até deixá-lo dormir aqui com a gente essa noite? Meus pais estão animados demais com essa possibilidade. Eles realmente querem esse tempo com o neto...Eveline hesitou por alguns segundos. Havia uma parte dela que sentia receio, não pela segurança, mas pela saudade que sabia que sentiria.— Ele dormiu bem essa noite. Está melhor da febre. Se você prometer me manter informada o tempo todo...— Prometo. Vou mandar fotos, vídeos, o que você quiser. Só queria mesmo aproveitar cada momento com ele. E sei que isso vai fazer bem pros meus pais também.— Tudo bem, Marcus. Pode vir buscar ele depois do café. Vou preparar tudo.— Obrigado, Eveline. De ver
Eveline dormiu no hospital naquela noite. Daniel passaria por alguns exames e procedimentos que exigiam a presença de um acompanhante responsável, e como Gabriel estava na casa de Marcus, ela se sentia mais livre para estar ali por completo. O quarto estava tranquilo, com luz baixa e os monitores apitando suavemente em intervalos regulares. Clara tinha ficado até na parte da tarde, mas se despediu antes das sete da noite, garantindo que tudo na clínica estivesse em ordem.Daniel acordou pela manhã com os olhos pesados, mais lúcidos. Viu Eveline acomodada na poltrona ao lado, enrolada em uma manta fina. Ela segurava o celular nas mãos e olhava a tela com um sorriso leve, nostálgico.— Está vendo o quê? — ele perguntou, com a voz rouca.Eveline se assustou levemente com o som, mas logo se recompôs, sorrindo ao vê-lo desperto.— Uma foto que o Marcus me mandou. Ele passou o dia com o Gabriel ontem... e me enviou isso agora cedo.Daniel estendeu a mão, pedindo para ver. Ela hesitou por um
Naquela mesma tarde, com a confirmação da alta hospitalar de Daniel, Eveline afastou-se discretamente do quarto e foi até o corredor para fazer uma ligação. O celular estava firme em sua mão, o coração batendo mais rápido do que deveria. Ela digitou o número de Marcus e esperou poucos toques até ouvir sua voz.— Oi, Eve. Tudo bem por aí?— Oi... sim. Ou melhor, quase. Daniel teve a alta confirmada. Ele vai voltar pra casa amanhã — disse, em tom suave, mas direto.— Isso é ótimo. Que bom que ele está melhor.— Sim. E... bom, eu queria te pedir um favor. Como Gabriel está com vocês, e talvez eu precise passar o dia inteiro cuidando da transição dele do hospital pra casa... será que você pode ficar com o bebê mais esse tempo?Marcus sorriu do outro lado.— Claro que sim. Mamãe já estava planejando outra sessão de fotos com ele. Acho que ela anda mais empolgada que eu.Eveline riu levemente.— Essas fotos... você podia me mandar uma?— Posso mandar agora mesmo. — Houve uma pausa curta, se
O retorno de Daniel à mansão Avelar foi mais sereno do que se esperava. A ambulância estacionou discretamente na entrada principal, e os funcionários da clínica ajudaram com o transporte até o quarto adaptado no térreo, que antes funcionava como um escritório e agora abrigava uma cama hospitalar, poltrona de acompanhante e todos os equipamentos necessários.Lucas e Beatriz desceram correndo as escadas ao ouvirem o som da maca sendo movimentada.— Papai! — gritou Lucas, os olhos brilhando.Daniel sorriu, embora estivesse visivelmente mais frágil, e abriu os braços para receber o abraço dos filhos.— Meus campeões... estava morrendo de saudade de vocês.Beatriz, tímida, se aproximou e segurou a mão do pai.— Você vai ficar aqui embaixo agora?— Por um tempo, meu amor. Até eu estar forte de novo pra correr com vocês lá fora.Eveline observava a cena com o peito apertado, mas sereno. Era reconfortante vê-los juntos outra vez.Clara, sempre prática, organizava os medicamentos na mesinha de
Na manhã seguinte ao retorno de Daniel, a casa Avelar despertou com um ritmo mais suave. Marta supervisionava o café da manhã das crianças, Clara revisava a agenda de medicamentos com a enfermeira de plantão, e Eveline, sentada à beira da cama de Gabriel, o observava dormir profundamente em seu berço. As paredes da mansão pareciam respirar tranquilidade, mas no coração dela ainda existia uma centelha de inquietação. Ela sabia que as conversas mais difíceis estavam apenas começando. E que o tempo, mais do que nunca, seria um aliado e um juiz. Enquanto isso, Marcus também acordava na casa dos Castelão com a memória da noite anterior ainda viva. O toque de Eveline, o cheiro dos cabelos dela no carro, a ternura e a pressa em um só gesto. Não era um retorno oficial. Mas era um recomeço. Ele ainda podia sentir a presença dela como um perfume impregnado na pele. O dia começava com promessas silenciosas, e ele pretendia honrar cada uma. Na mansão, depois de dar o café da manhã a Gabri
Clara deixou a mansão Avelar ao entardecer, com passos leves, mas pensamentos pesados. O dia fora cheio de pequenas tarefas, mas também de grandes silêncios. Aqueles em que a alma fala mais do que os lábios. Entrou no carro e, ao ligar o motor, não teve coragem de ir para casa direto. Pegou uma rota mais longa, contornando a beira do lago da cidade, onde a luz refletida nas águas lhe trazia alguma paz. Ela estacionou sob uma árvore antiga e abriu os vidros. O vento fresco da noite entrou e, com ele, um vácuo no peito. Pela primeira vez em muito tempo, Clara se perguntava se havia um espaço real para ela naquela história. Um espaço que fosse só dela, e não de sobra. Lembrou-se da conversa com Eveline. Do carinho. Da sinceridade. E também da permissão silenciosa que a amiga lhe dera para deixar o coração florescer, se quisesse. Mas ainda assim, sentia o peso de um limite. De uma história que não era sua por inteiro. Seu celular vibrou no banco ao lado. Era uma mensagem de sua mãe: "
O dia estava calmo, mas dentro de Eveline, o turbilhão era constante. Desde que Daniel voltara para casa, sua rotina parecia suspensa por fios invisíveis — cuidados, silêncio, lembranças. E entre tudo isso, Marcus.As mensagens dele eram gentis, disfarçadas de preocupação com Gabriel. Mas Eveline sabia. O tempo não tinha esfriado o que eles sentiam — apenas colocado fogo debaixo das cinzas.Naquela manhã, ele enviou uma mensagem:"Bom dia. Será que hoje consigo ver nosso pequeno? Estava pensando... posso passar aí, levar ele pra dar uma volta com meus pais. Eles sentem tanta falta dele. Se quiser, pode dormir aqui também."Ela leu, relutante. A vontade de dizer sim imediatamente era grande. Mas também havia Daniel.Depois de alguns minutos, respondeu:"Você pode vir sim. Mas só por hoje, tá bem?"Marcus chegou por volta do meio da tarde. Eveline o recebeu no jardim da mansão. Lucas e Beatriz brincavam com Gabriel em um tapete de borracha sobre a grama.— Ele está cada dia mais esperto