37 — O Armazém 1190
A névoa voltou ao porto como quem conhece as frestas da cidade. Não era a mesma de ontem; nenhuma névoa repete o próprio mapa. Rafael tomou a rua lateral que dava para os fundos do 4C e caminhou contando passos — primeiro por vício de jornalista, depois por medo. 1190 vibrava como número de emergência em algum lugar do seu corpo. A cada esquina, o som das cordas e o chiado de roldanas lembravam que o porto tem uma língua que não pede tradutor.
O armazém em si não dava nada de si. Parecia apenas mais um retângulo de concreto gasto, duas janelas altas fechadas, uma porta metálica estreita com trinco gasto demais para a idade. Mas bastou aproximar para ver que “abandonado” era palavra de turista: uma bituca recente no chão, marcas finas de rodízio de carrinho, um fiapo de seda vermelha preso a uma rebarba da chapa. Rafael ficou olhando aquele fio microscópico como quem encara um presságio. Resistiu à vontade de guardá-lo — guardou apenas o gesto.
Empurrou a porta deva