Kaíque
O barulho da oficina virou música no meu peito. Chave de roda girando, martelo batendo seco no ferro, motor tossindo fumaça e vida. Era como se cada som fosse uma pá cavando meu túmulo antigo pra me tirar de lá.
Sete da manhã. Todo santo dia. Eu tava de pé. De coturno furado, calça suja e alma lavada de suor. Graxa no rosto, debaixo da unha, até no riso. Mas o peito? Leve. Leve como nunca.
Seu Jailson, dono da oficina, era o tipo de cara que já viu muita merda nessa vida.
Olhar de quem sabe quando o sujeito presta ou não. Não dava moral. Só comando seco e bronca.
Mas no terceiro dia, ele passou por mim, me olhou de lado, deu um tapinha firme nas costas e disse:
— Tu é ligeiro, moleque. Se continuar assim, vira mecânico antes do que pensa.
Por dentro, eu explodi.
Quase chorei. Mas segurei. Porque homem da favela aprende cedo a engolir o choro pra não parecer fraco.
Lembrei da Lorena.
Dela dizendo com aquele brilho nos olhos: “Tu é inteligente, amor. Só falta alguém apostar.”
Ago