Cloe passou a noite em claro.
Mesmo com a verdade parcial que Jhonas revelara — sobre ser agente, trabalhar com segurança nacional, viver entre segredos e riscos — algo dentro dela ainda pesava. Havia um misto de alívio e decepção, como se a verdade dele tivesse vindo pela metade.
Ela sabia que havia mais. Sentia isso.
Naquela manhã de domingo, ela não queria vê-lo, queria ficar só e pensar em tudo o que Jhonas havia contado a ela, mandou uma mensagem curta:
"Não irei trabalhar por alguns dias. Preciso de um tempo."
Nenhuma explicação. Simples e direta.
Jhonas leu e sentiu o coração afundar. Por um momento, pensou em responder, insistir, se justificar. Mas não podia forçar. Não com ela. Então digitou apenas:
"Ok. Estou aqui se precisar conversar."
Os dias seguintes foram silenciosos.
Cloe mergulhou em seus projetos. Escreveu três novos contos infantis, visitou duas escolas para palestras e se ofereceu como voluntária em um abrigo para crianças carentes. Quanto mais mantinha a agenda cheia, menos pensava em Jhonas. Ou pelo menos tentava.
Mas não funcionava por completo.
Ela sentia falta das mensagens, dos pedidos estranhos por frutas raras, das ligações desconexas que ele fazia tentando manter uma conversa normal. Sentia falta dele.
Já Jhonas, em contrapartida, vivia um dilema interno. O trabalho seguia, mas seu rendimento caiu. Pela primeira vez, foi chamado à sala do diretor da agência.
— Belford, sua mente não está aqui.
— Eu sei, senhor. Preciso de alguns dias.
— Folga?
Ele assentiu.
— Desde que entrou aqui nunca tirou um dia de folga.
— Pois é... acho que chegou a hora.
O pedido foi concedido. E no dia seguinte, Jhonas estacionou sua moto próxima ao apartamento de Cloe, sem coragem de bater à porta, mas com a esperança de vê-la, mesmo que de longe.
Cloe acordou mais tarde naquela quarta-feira. Tinha dormido mal, outra vez. Colocou um vestido longo e simples, calçou sandálias confortáveis e decidiu ir ao supermercado. Sua casa estava vazia de alimentos, ela estava passando muito tempo fora, e nem havia percebido que não havia.
Ela desceu com os óculos escuros cobrindo os olhos inchados e mal percebeu a moto estacionada do outro lado da rua.
Jhonas a viu. O coração disparou. Não sabia se deveria se aproximar, mas não conseguiu evitar.
Estacionou no supermercado também, à distância.
Assistiu-a entrar, escolhendo frutas, observando rótulos, sorrindo para uma criança que lhe ofereceu um doce. Aquela simplicidade dela era o que mais o encantava.
Ao sair, ela passou por ele sem notá-lo. Estava distraída. Jhonas, no entanto, não se moveu. Sabia que o momento certo viria.
E veio.
Mais tarde, Cloe lembrou que havia esquecido a bolsa na casa de Jhonas. Nela estavam algumas anotações e uma agenda importante que anotava sobre as ações sociais que ela fazia. Também queria devolver o vestido que usou.
Mandou uma mensagem:
"Deixei minha bolsa e o vestido. Posso passar aí mais tarde pra pegar?"
A resposta não demorou:
"Quando quiser."
Ela decidiu passar no final da tarde, esperando que ele não estivesse em casa. Mas estava.
Quando chegou, ele já estava na varanda. Não parecia um agente secreto naquele momento. Parecia apenas um homem tentando não desmoronar.
Ela estacionou. Ele levantou, abriu o portão e disse:
— Oi, Cloe.
— Oi...
— Quer entrar?
— Só quero pegar minhas coisas.
— Estão no quarto.
Ela subiu. Encontrou a bolsa intacta e deixou o vestido dobrado sobre a cama. Ao descer, o encontrou sentado com as mãos na cabeça, de olhos fechados.
Ela parou. Observou-o por segundos que pareceram minutos.
Algo nela amoleceu. Viu aquele homem sozinho, forte por fora e indefeso por dentro.
— Jhonas?
Ele ergueu os olhos.
— Já peguei tudo. Ela queria puxar conversa, mas ele rapidamente respondeu:
— Certo...
Ela hesitou. Depois, sorriu levemente pensado, "ele às vezes parece um robô."
— Ela abaixou-se para ficar mais próxima dele, e disse: eu estava pensado, podemos ser amigos, o que acha? Nunca tive um amigo espião, ela falou sorrindo e olhando para ver a reação dele.
Ele pareceu confuso. Mas sorriu também.
— Pode. Mas vai ser difícil.
— Por quê?
— Porque meus amigos são todos homens, colegas de trabalho, na verdade.
Ela riu.
— Então... talvez a gente possa ser algo em construção.
Ele se levantou.
— Quer jantar?
— Só se for algo que não envolva pitaya ou suco detox.
Os dois riram.
Foram juntos à cozinha. Separaram ingredientes. Riram de bobagens.
Aquele homem era doce por dentro, ela pensou cortando tomates.
Cloe, distraída, virou-se para pegar a panela e quase esbarrou no rosto de Jhonas. Ficaram a centímetros de distância.
O tempo parou.
Ela sentiu o coração acelerar.
Ele também.E, sem pensar, ele a beijou.
Ela não recuou.
E naquele instante, o que era medo virou ternura. O que era dúvida virou começo.
O que viria depois, seria escrito com o tempo.