A floresta parecia abrir caminho para eles.
Selena caminhava atrás de Darian, os pés ainda trêmulos, os olhos atentos a tudo. O corpo doía. O coração, mais ainda. Mas, de algum modo, seguir aquele homem — ou fera, ou sei lá o quê ele era — parecia a única coisa certa.
Não trocaram uma palavra durante o percurso. E quando ela achou que não aguentaria mais caminhar, viu.
A fortaleza.
Erguida no coração da mata, entre colinas rochosas e árvores centenárias, ela se erguia como uma lenda materializada. Alta, de pedra escura, com torres que tocavam o céu e muralhas que pareciam milenares. Guardas em roupas de couro e marcas tribais vigiavam a entrada com lanças e olhos atentos. Alguns, ela juraria, não eram completamente humanos.
Selena parou. Engoliu seco.
— Isso é… seu?
Darian olhou por cima do ombro, apenas assentindo.
— É onde você estará segura.
Ao se aproximarem, os portões se abriram com um ranger pesado. E assim que entraram, tudo mudou.
Lá dentro, o contraste era surpreendente.
O interior da fortaleza era quente, aconchegante, quase íntimo. O chão de pedra polida refletia a luz suave das tochas presas às paredes. Tapetes grossos se espalhavam pelos corredores, e o cheiro era de madeira queimada e ervas secas. Pelas janelas altas, o luar entrava em feixes, banhando o ambiente com uma calma silenciosa.
Selena girou os olhos, em choque. Aquilo não era um castelo. Era um lar.
— Isso não faz sentido — murmurou.
Darian não respondeu. Conduziu-a por um corredor largo, onde o som dos próprios passos se perdia no silêncio.
Servos surgiram ao longe, respeitosamente silenciosos, e se afastaram assim que viram o Alfa. O respeito era quase reverência.
Pararam diante de uma grande porta dupla. Ele a abriu com facilidade e apontou.
— Este será seu quarto. Aqui dentro, ninguém toca em você. Ninguém entra sem minha permissão.
Selena entrou devagar. O quarto era absurdamente lindo. Cortinas pesadas nas janelas, uma lareira já acesa, e uma cama de madeira esculpida com colchas grossas e macias. Havia flores secas sobre a mesa, e o ar carregava um perfume sutil de lavanda e mel.
— Não pensei que… fosse assim — ela confessou.
— O que esperava?
— Gaiolas. Correntes. Algemas.
Darian arqueou uma sobrancelha.
— Se eu quisesse você acorrentada, já teria feito.
Ela sentiu o rosto queimar. Ele a encarava com a calma perigosa de quem conhecia bem seus próprios limites — e os dela.
Antes que respondesse, Darian se virou para a porta.
— Elenora virá preparar um banho. Descanse. Coma. Amanhã, conversaremos.
— Você vai ficar?
Ele hesitou.
— Se eu ficar, não vai descansar.
Selena mordeu o lábio, sem saber se era uma ameaça, uma promessa… ou as duas coisas.
Ele saiu.
Minutos depois, uma mulher mais velha, cabelos presos num coque firme e olhos firmes, entrou com uma bacia de água quente, óleos e panos limpos. Não falou nada além do necessário. Preparou o banho com cuidado e deixou tudo à mão.
— O Alfa mandou deixar comida no quarto. Está ali, na mesa. — E saiu com a mesma discrição com que chegou.
Selena ficou sozinha.
Sentou-se na beirada da cama e respirou fundo. Ainda podia sentir o calor da respiração de Darian, o peso do corpo dele entre ela e a morte. Tudo estava virado de cabeça pra baixo.
Tomou o banho. A água quente parecia arrancar o medo aos poucos. Vestiu uma camisola limpa deixada ali e, ao se olhar no espelho, mal se reconheceu. A mulher refletida não era a mesma de ontem.
Na mesa, havia pães macios, frutas cortadas, sopa quente e vinho escuro como sangue. Comeu devagar, em silêncio, sentindo o cansaço pesar.
Mas quando deitou, o sono não veio.
A lareira lançava sombras dançantes no teto, e o som do fogo estalando era o único ruído na escuridão. Selena puxou as cobertas até o queixo, mas o frio não vinha do corpo.
Vinha de dentro.
“Você é minha.”
As palavras dele ainda vibravam nela. Eram mais que uma promessa. Eram uma marca.
E ela sabia. A partir dali, não havia mais retorno.
Do lado de fora, do alto de uma torre, Darian observava a floresta. Nu da cintura para cima, braços cruzados, olhos atentos.
Ele a sentia.
Mesmo a distância, podia ouvir os batimentos do coração dela. Sabia que ela não dormia. Sabia que o vínculo havia começado a pulsar com força. Mas não a forçaria. Não ainda.
Mas ninguém mais tocaria nela. Nunca.
Porque o lobo havia escolhido.
E a Lua não erra.