Selena não dormiu.
Depois que voltou da floresta, o corpo até deitou — mas a mente continuava em pé, alerta, como se esperasse por algo que não vinha. Ou por alguém. Os olhos dele. Era isso que mais a perturbava. Não o que ele disse. Não o jeito que apareceu. Mas o que carregava no olhar. Dor. Desejo. Destino. Levantou com o primeiro sinal da manhã, embora ainda parecesse madrugada. O céu lá fora era um azul frio, quase branco, e a névoa cobria os campos como véu de noiva abandonado. Na cozinha, a Anciã já estava acordada, como sempre. Mexia algo em um bule de barro e recitava baixinho palavras que Selena não compreendia. — Dormiu mal? — perguntou, sem tirar os olhos do fogo. Selena se sentou à mesa, os dedos gelados ao redor da xícara. — Não dormi. — Ele apareceu, não foi? Silêncio. — Eu vi — admitiu, depois de um longo suspiro. — Ou melhor… ele apareceu. Mas o que eu senti… começou antes. A Anciã virou-se com lentidão, os olhos marcados pela idade e por um saber que Selena ainda não compreendia. — E o que você sentiu? Selena hesitou. As palavras pareciam grandes demais para caber na boca. — Como se meu corpo já o conhecesse — murmurou. — Como se… eu estivesse esperando por ele e não soubesse. — O instinto não erra, menina-lua. Às vezes, ele enxerga antes do coração. Selena apertou os olhos, tentando conter o tremor nas mãos. — Isso não faz sentido. Ele é um estranho. Eu nunca vi aquele homem na vida. E mesmo assim... — Mesmo assim, você não consegue esquecê-lo. Ela respirou fundo, a garganta apertada. — Eu devia ter medo. — E tem? — Não. Mas é como se estivesse à beira de algo que pode… me consumir. A Anciã se aproximou e pousou a mão sobre seu ombro. Leve, firme. Como uma raiz antiga. — Cuidado com o que se desperta. Algumas verdades não têm volta. — Você sabe quem ele é, não sabe? — Sei o que ele é. E sei o que você representa para ele. — Representa? — Sim. — Me diga. — Ainda não. Você mal tocou na verdade. E quando tocar... ela pode queimar. Selena baixou os olhos, tomada por raiva, medo e uma vontade absurda de fugir. — Eu não quero fazer parte de nada disso. — O destino não pediu sua permissão. Do outro lado da floresta, Darian andava de um lado para o outro na sala escura da fortaleza. Não havia dormido. O lobo dentro dele rugia desde o encontro. Ela o viu. Ele a sentiu. Agora… não havia mais escapatória. Ele se apoiou contra a parede de pedra. O peito arfava. As veias nas mãos pulsavam como se a pele estivesse prestes a rasgar. — Não agora — sussurrou para si mesmo. Mas o lobo não ouvia mais. — Você deveria descansar — disse Eleonora, surgindo da penumbra como sombra leal, os olhos claros fixos nele. — Não posso — respondeu Darian. — O instinto está gritando. — O que pretende fazer? Ele desviou o olhar, a mandíbula tensa. — Manter distância… já não consigo. — Então vá até ela. — E se eu for mais ameaça do que abrigo? Eleonora deu um passo à frente, a expressão firme, mas cheia de compaixão. — Ela a única capaz de te impedir de se perder? Darian abaixou a cabeça, o maxilar tenso. — Não sei se consigo me conter se ela se aproximar demais. Eleonora assentiu, sem julgamento. — Então ensine seu lobo a não destruir o que quer proteger. Ele a encarou com olhos mais cinzentos do que nunca. — Se ela descobrir tudo… talvez se afaste. — Ou talvez… ela reconheça o que também está despertando dentro dela. Selena caminhava pelo jardim da casa, os pés descalços afundando na grama úmida da manhã recém-nascida. O sol tentava vencer a névoa, mas fracassava. Como ela. O rosto de Darian surgia como um feitiço sempre que ela piscava. E não era paixão. Nem atração. Era algo mais profundo. Primal. Um chamado que não vinha da pele — vinha do osso. Ela parou diante do poço antigo. Olhou o reflexo turvo da água. E ali estavam eles. Os olhos dele. — Isso está me enlouquecendo — sussurrou. Mas, no fundo, uma parte dela sabia: Era só o começo.