Helena
Se existe uma lista de coisas que uma mulher não deveria presenciar, ver o próprio noivo transando com sua melhor amiga certamente estaria no topo. E, claro, tinha que ser comigo.
— Bravos, parabéns aos dois — minha voz saiu seca, quase um riso de deboche. — Só faltou uma trilha sonora romântica para combinar com a cena.
Eles se afastaram às pressas, enroscados nos lençóis como dois adolescentes pegos pela mãe. Rafael arregalou os olhos, a boca se abrindo em uma explicação patética que nunca pedi. Isabela, minha amiga de infância, não teve nem a decência de erguer o olhar.
O pior não foi a traição. O pior foi o silêncio — aquele tipo que grita dentro da gente, esmagando o orgulho.
Respirei fundo, engoli o nó na garganta. Eu não ia chorar ali. Não na frente deles.
— Relaxem. Continuem a festa, não quero atrapalhar — acrescentei, erguendo o queixo. E, sem esperar resposta, virei as costas.
— Helena, espera! — Rafael tropeçou, ainda sem camisa, puxando a calça às pressas. — Eu posso explicar!
Girei nos calcanhares, o coração batendo tão alto que parecia querer arrebentar minhas costelas.
— Explicar o quê, Rafael? — cuspi o nome dele como veneno. — Vai me dizer que tropeçou e caiu dentro da Isabela? Que foi um acidente super compreensível?
Isabela enfim ergueu os olhos, vermelhos. — Eu… Helena, não foi como você pensa…
Eu gargalhei, amarga. — Ah, não? Então me ilumina, Isa. Porque daqui parece exatamente o que é: vocês dois fodendo na minha cama.
Ela abaixou a cabeça de novo. Patética.
Rafael estendeu as mãos, nervoso. — Foi um erro, eu juro. Eu tava bêbado, a gente não planejou nada…
— Erro? — avancei um passo, o corpo inteiro tremendo. — Erro é esquecer a chave de casa. É queimar arroz. Trepar com a minha melhor amiga é escolha. A SUA escolha.
Ele engasgou, mas insistiu: — Você sabe que eu te amo, que eu nunca quis te machucar…
— Amor? — soltei um riso curto, cortante. — Você não sabe nem escrever essa palavra sem cuspir mentira junto. Você me traiu dentro da minha casa, na minha cama, e tem a cara de pau de falar em amor? Vai se foder, Rafael!
Ele tentou se aproximar, mas afastei sua mão com um tapa seco. O barulho ecoou no quarto.
— Olha bem pra mim, porque eu vou te dizer algo que vai te assombrar, seu merda: eu vou sair daqui e dar para o primeiro homem que cruzar o meu caminho. O primeiro! Só pra apagar a sensação nojenta de ter acreditado que você valia a pena.
Os olhos dele se arregalaram. Isabela prendeu o choro. Eu sorri, cruel.
— E sabe do que mais? — sussurrei, colando meu rosto no dele. — Vou gozar pensando no quanto você é pequeno.
Virei as costas e saí, deixando os dois no silêncio que mereciam. A porta bateu atrás de mim com um estrondo, como se selasse um pacto.
No carro, minhas mãos tremiam. Engoli o choro, deixei a raiva guiar cada curva. Não havia destino, só a necessidade desesperada de não voltar para casa.
Quando o motorista estacionou diante de um bar qualquer, iluminado por letreiros vermelhos e com música alta vazando pelas paredes, percebi que era exatamente onde eu deveria estar.
O cheiro de álcool, cigarro e suor me acertou quando entrei. Pessoas riam alto em mesas lotadas, a pista improvisada fervia de corpos. Eu me joguei num banco alto no balcão, de ombros retos, como se não fosse eu quem estava despedaçada.
— Uma dose do mais forte que tiver — pedi ao barman, a voz rouca, mas firme.
Ele me lançou um olhar curioso, mas não fez perguntas. O copo logo estava diante de mim. Engoli o líquido de uma vez só, sentindo a garganta arder.
— Outra — pedi de imediato.
Na segunda dose, o chão pareceu escorregar sob meus pés. Segurei o balcão, mas o corpo não obedeceu. A tontura me puxou para trás — e então mãos firmes me seguraram pela cintura antes que eu despencasse.
— Cuidado. — A voz era grave, autoritária, como se desse ordens até ao ar.
Levantei o rosto devagar e me perdi num par de olhos azuis, tão claros que pareciam atravessar a pele. Ele era alto demais, ombros largos, postura impecável. O tipo de homem que dominava o ambiente sem precisar abrir a boca.
Tentei me soltar, mas o contato queimava.
— Eu… tô bem. — A mentira saiu torta, porque minhas pernas mal respondiam.
O maxilar marcado dele se contraiu, e arqueou uma sobrancelha com ceticismo. — Está mesmo? Porque não parece.
— Vai me soltar ou pretende me carregar também? — disparei, a boca mais rápida que a razão.
Ele inclinou levemente a cabeça, e um canto da boca se curvou. — Se continuar prestes a cair, carregar parece a melhor opção.
Ele me mantinha firme, só o suficiente para eu sentir que não tinha como escapar.
— Você quase caiu feio. — O tom dele era baixo, quase provocador.
— Ah, sério? Não precisava da aula de física hoje — retruquei, tentando soar superior.
— Física, ou sorte? — Ele se inclinou um pouco mais, a voz roçando como um segredo. — Porque só sorte te trouxe até aqui sem quebrar tudo.
Revirei os olhos. — Sorte é esbarrar num estranho que acha que pode me segurar como se fosse dono do mundo.
Ele riu baixo, um som rouco que me fez arrepiar. — Estranho? Talvez. Mas se preferir, eu largo você agora mesmo… e deixo rolar no chão.
— Tente. — O desafio saiu antes que eu pudesse frear.
Ele se aproximou um passo, reduzindo o espaço entre nós. O perfume amadeirado dele misturava-se ao cheiro forte de álcool no ar, mas só o dele me atingia.
— Não se preocupe, não sou seu herói. — A voz dele estava ainda mais baixa. — Mas admito… você é mais interessante do que qualquer queda.
Meu peito batia descompassado, a raiva misturando-se com algo inesperado: desejo. Lembrei da promessa absurda que tinha feito: vou sair daqui e dar para o primeiro homem que cruzar o meu caminho.
Olhei para ele — alto, impecável, olhos claros que me despiam sem pudor. Um perigo elegante. E percebi que talvez o destino tivesse senso de humor.
— Olha só… — murmurei, ousada, quase entregue. — Acho que encontrei o tal “primeiro homem”.