Foi então que Ricardo surgiu ao lado de Júlio, com as mãos nos bolsos e um sorriso relaxado.
— E eu achando que ia precisar caçar vocês pela cidade. — Ricardo brincou, olhando para Camélia e Cauã. — Finalmente temos a família Alencar em Serra dos Riachos, esse é o neto mais velho de vocês? O olho cinza não nega. — Ricardo! — Júlio sorriu e deu um tapinha no ombro do amigo. — Você já conhece Flor e Gustavo, é sim! Esse é o Cauã, não liga muito não, ele é um rapaz bem desconfiado de tudo. Esse aqui é um amigo de longa data, meu braço direito. Cauã estreitou os olhos de leve, analisando Ricardo antes de apertar sua mão. – Prazer, que engraçado ouvir que você é o braço direito dele, nunca ouvi falar de Ricardo e bem de Serra dos Riachos. — ele falou zombeteiro. — Mas, bom te conhecer. — Ah, acontece! Mas agora vocês estão aqui, não é? — Ricardo respondeu com um sorriso divertido. — Vocês já tem algum plano? O que acham de irmos almoçar no comida da serra? — Ainda não temos, estávamos só andando por aí e apresentando a cidade — Madalena respondeu. — Mas essa é uma boa ideia. — Então vocês têm que provar a costela na cachaça com farofa de banana. E não saiam sem experimentar o licor de jabuticaba. — Ricardo disse com um sorriso. — Parece ser uma delícia. — Camélia respondeu esbarrando no ombro do irmão de brincadeira e diminuindo o tom de voz. — Acho que agora estamos de férias e turistando. — Nem fala, realmente parece que nos preocupamos e despencamos do Rio pra cá atoa. — Cauã bufou rindo. — Mas até que a cidade é bonita. — Aham, é linda mesmo. Mas não te dá sensação de que está sendo observado? — ela perguntou ao irmão. — É bem estranho o tanto de cachorro que tem por aqui também e são todos enormes, olha só! — Observado? Não, só é estranho mesmo e realmente. O que será que eles comem pra ficar nesse tamanho? — Bom, eu me sinto sendo observada. — Camélia disse sentindo um arrepio subir pelas costas. Ela sentiu o cheiro dele novamente e, sem perceber, começou a procurar por Kael. A sensação a deixou instável, e Cauã percebeu. — O que foi? — Ele a encarou, desconfiado. — Eu... — Ela hesitou, sentindo o coração acelerar. — É como se ele estivesse aqui. — Ele quem? — Cauã estreitou os olhos. — Mais tarde eu explico... — Ela respondeu olhando ao redor. Seus olhos percorreram as ruas até encontrarem um animal imponente se movendo entre as construções. Ele era enorme, de pelagem dourada e brilhante, com olhos profundos e inteligentes. Caminhava com uma postura firme e tranquila, como se fosse o verdadeiro dono das ruas. Ela esperou alguma reação das pessoas ao redor, mas ninguém parecia surpreso. Os moradores simplesmente continuavam suas atividades, desviando sem hesitação quando ele passava. Era como se fosse algo normal, parte da cidade. — Além de ser enorme, ele tá me encarando— hesitou e deu alguns passos na direção do animal. Ele não recuou, apenas manteve os olhos cravados nela, firme, como se a reconhecesse. — Camélia, deixa de ser doida. — Cauã começou, mas ela já estava se abaixando. — Ei, grandão, você é tão lindo. — Ela estendeu a mão e o animal se aproximou, cheirando sua pele antes de aceitar o carinho, os olhos brilhavam com algo quase humano. — Eu não acredito que você tá fazendo carinho num cachorro aleatório no meio da rua. — Cauã revirou os olhos, mas não a impediu. — Cachorro? — Ricardo respondeu rindo. — É um lobo. A cidade é conhecida por lendas e por eles. — Ele explicou e Camélia paralisou com a mão no enorme lobo dourado a sua frente, arrancando outra risada de Ricardo. — Pode ficar tranquila, todos os lobos são mansos. — Ele disse e o lobo o encarou. Camélia riu baixo, ainda sentindo a textura macia do pelo sob seus dedos, ate ele se afastar e ir embora. No entanto, algo na presença do animal lhe provocava um sentimento inquietante. Como se ele estivesse ali por um motivo maior. Ela ainda sentia a presença forte do homem que conheceu no dia anterior, o buscou novamente e não o encontrou. As horas passaram entre conversas e risadas, mas o pensamento de Camélia estava em Kael, ela não conseguia entender o motivo de ele ter despertado tanto interesse nela, Camélia nunca havia se sentindo assim antes por homem nenhum. Ela se forçou a desviar a atenção e seguiram até um restaurante movimentado para experimentar a culinária típica e o dia passou entre descobertas sobre a cidade e uma tensão latente no ar. O dia passou entre descobertas sobre a cidade e uma tensão no ar. Quando finalmente voltaram para casa, Camélia e Cauã não conseguiram mais segurar as perguntas. — Tá na hora de vocês explicarem. O que tá rolando? — Camélia cruzou os braços, encarando os pais. — Por que nunca falaram nada sobre essa cidade antes? Todo mundo parece saber algo que a gente não sabe. E vocês também. Por que tanto mistério? — É, agora que a Meli falou… Isso foi bem estranho. Por que nunca nos contaram sobre essa cidade? E todo mundo conhece vocês tão bem. Flor e Gustavo trocaram um olhar antes de Gustavo suspirar e balançar a cabeça. Madalena e Júlio também se entreolharam, e Camélia percebeu o jeito como sua avó apertava as mãos no colo, pensativa. Júlio limpou a garganta, como se preparasse algo, mas Flor foi mais rápida. Flor tocou o braço da filha com um olhar terno, mas determinado. — Vamos nos sentar, nós realmente merecemos uma explicação sobre tudo — Ela disse suavemente. Madalena suspirou, lançando um olhar para Júlio, antes de finalmente endireitar os ombros e encarar os netos, todos se sentaram, o silêncio que se seguiu foi espesso, carregado de algo que Camélia não conseguia nomear. — Vocês merecem saber. Mas não é uma história fácil de contar, só... só saibam que fizemos tudo pensando no bem de nossa família. — Sua voz soou firme, mas havia um traço de hesitação. — Só falem, por favor. Júlio respirou fundo, cruzando os braços e analisando os netos. Ele hesitou por um breve momento antes de perguntar, com um olhar significativo para Camélia — Você ainda está sentindo, não está? Ela franziu o cenho, confusão tingindo seu rosto. — Como assim? Sentindo o quê? — perguntou, hesitante. — Que isso tudo tá parecendo muito suspeito? Porque se for isso, então tô sim. — O cheiro. — Ele fez uma pausa antes de completar. — O cheiro de Kael, não precisa negar, consigo sentir ele misturado ao seu. Ela abriu a boca para retrucar, mas a verdade se impôs antes mesmo de as palavras saírem. O cheiro ainda estava ali. Forte. Como se fosse parte dela, algo maior que não compreendia. Seu coração acelerou, e por um instante, um arrepio subiu pela espinha. Uma parte queria ignorar, afastar-se, mas outra parecia querer ir ao encontro daquela presença. O calor espalhou-se lentamente por sua pele, como se cada célula reagisse ao nome dele. — O quê? — Ela balançou a cabeça, tentando processar. — Como você sabe? E misturado com o meu? Isso não faz sentido. Madalena suspirou, lançando um olhar para Júlio antes de se aproximar de Camélia, pousando uma mão leve sobre seu braço. — Algumas conexões são mais fortes do que a gente imagina. E, às vezes, nossa mente não entende, mas o corpo já sabe. — A avó falou, sua voz baixa e cuidadosa. — Você sabe, nós temos cheiros diferentes, como se exalássemos uma fragrância própria, não é? Sua mãe com o cheiro suave de baunilha, eu com meu cheiro de erva doce, seu avô com cheiro de grama, Cauã com seu cheiro doce de capim limão e você, com seu cheiro de flor de laranjeira. Cauã franziu a testa, confuso. Ele se levantou da cadeira e começou a andar de um lado para o outro. — Como assim cheiro? Que história é essa? Isso é normal, não? Nosso pai também cheira a baunilha, o que isso tem a ver? — Ele passou a mão pelo rosto, exasperado. — E quem diabos é Kael? Madalena ergueu a mão, silenciando-o. Camélia ignorou e começou a responder: — Kael é um cara que conheci ontem... — Ela começou, mas então algo mudou, uma presença e o cheiro de terra molhada invadiram o ar, denso e impossível de ignorar. Camélia sentiu o corpo inteiro reagir, como se um alerta invisível tivesse sido disparado. Seu pulso ardeu levemente, uma sensação quente percorreu sua pele, como um toque invisível, quente e quase possessivo, como se algo dentro dela respondesse a um chamado silencioso. Ela tocou o pulso, sentindo a pele quente sob os dedos. O ar ficou mais denso, carregado de algo que ninguém ousava nomear. O aroma parecia envolvê-la por completo, deslizando como uma promessa silenciosa. Camélia sentiu a respiração presa na garganta. O nome soou pesado no ar, e algo vibrou dentro dela, como um acorde tocado em uma frequência que só ela podia ouvir. Ela olhou para a entrada e soube que logo descobriria. O cheiro de Kael, ele estava ali. E o pior? Ela não queria que sumisse.