Mundo de ficçãoIniciar sessãoCayo
A noite na praia foi um caos daqueles que a gente curte, mas que deixa um vazio estranho depois. O som tava alto, um funk daqueles que faz o chão tremer, misturado com pagode e umas batidas eletrônicas que o Dj colocou na caixa de som. A praia tava lotada, com galera dançando, bebendo, fumando, rindo alto. As amigas da Analu tavam lá, se jogando com os meus manos como se fossem de casa. A Mari tava colada no Léo, rebolando com ele como se não tivesse amanhã. A Bia tava rindo das palhaçadas do Juninho, que já tava meio bêbado e contando história de quando quase foi preso por pular catraca no ônibus. E a Lú, que parecia a mais tímida, tava lá no canto, trocando beijo com o Vitinho como se fosse adolescente apaixonada. Eu? Eu tava lá, com uma cerveja na mão, um beck no bolso, tentando entrar na vibe. Mas, porra, minha cabeça tava em outro lugar. Na Analu. Na loirinha metida que não apareceu na festa. A Mari até jogou um comentário, dizendo que ela ficou na casa com o tal do Humberto, o playboy de merda com cara de propaganda de banco. Aquilo me queimou por dentro. Ela preferiu ficar com aquele cara sem graça, com camisa polo e papo de viagem pra Europa, do que vir curtir com a gente. Comigo. Porra, por que eu tava pensando nela? Por que eu tava deixando uma patricinha que me olhou com nojo tomar conta da minha cabeça? Tentei me distrair. Dancei com uma mina que apareceu do nada, cabelo cacheado, shortinho jeans, toda sorridente. Ela era gata, não vou mentir, e tava na minha, rebolando perto, jogando charme. Mas não rolou. Não era ela. Não tinha aquele jeito de quem sabe que o mundo gira ao redor dela, aquele olhar azul-acinzentado que parecia me desafiar. Eu bebi mais, fumei mais, ri com os manos, mas no fundo, tava puto. Puto comigo mesmo por estar tão vidrado numa mina que, vamos ser real, nunca ia querer nada com um cara como eu. Um motoboy da quebrada, com uma ex que enche o saco e um filho pra criar. Que porra eu tava pensando? A noite terminou tarde, com a galera espalhada pela areia, alguns casais se pegando nas pedras, outros caindo de bêbados no chão. Voltei pra casa do primo do Léo com os manos, deitei no colchão que ele arrumou na sala e tentei dormir. Mas não rolou. Fechei os olhos e vi ela. O rosto dela, os lábios macios contra os meus, o jeito que ela ficou sem ar depois do beijo no quiosque. Porra, aquele beijo. Foi como se o mundo tivesse parado. Como se, por um segundo, eu fosse mais que o Cayo da quebrada, mais que o cara que rala pra pagar as contas. Eu senti ela. Senti ela de verdade. E agora, ela tava lá, com aquele Humberto, rindo, fingindo que eu não existi. O celular vibrou às cinco da manhã. Era a Gabi, claro. Sempre ela, me puxando de volta pro inferno que é a minha vida. Mensagem curta e grossa: 📲 Gabi: Cayo, o Zyon tá pior. A febre não baixa. Preciso de mais grana pra consulta particular. Volta logo, porra. Eu sentei no colchão, esfregando o rosto com as mãos. O Zyon. Meu moleque. Meu coração apertou de novo, como sempre acontece quando penso nele. Ele é a única coisa que faz sentido na minha vida, mas às vezes parece que eu falho com ele. Que eu nunca sou o suficiente. Respondi rápido: 📲 Eu: Tô voltando hoje. Quanto precisa? Me diz como ele tá. Ela respondeu em seguida, com uma voz de áudio que quase fez meu celular explodir de tão alto: — Cayo, tu tá de brincadeira? Tô aqui com teu filho ardendo em febre, e tu aí em Angra, bebendo com os amigos! Preciso de trezentos pra consulta e mais remédio. E vem logo, porque eu não aguento mais me virar sozinha! Eu respirei fundo, segurando a vontade de mandar ela tomar no cu. Ela sempre faz isso, me culpa por tudo, como se eu não me matasse de trabalhar pra sustentar o Zyon. Como se eu não sentisse ele na minha pele o tempo todo, mesmo estando tão longe. Abri o app do banco, vi o saldo ridículo que sobrava e transferi os trezentos. Quase tudo que eu tinha. Mas pro Zyon, eu dou o que for. Sempre. 📲 Eu: Transferido. Me manda notícia do Zyon. Tô pegando a estrada agora. Ela nem respondeu. Típico. Levantei, joguei água no rosto e arrumei minha mochila. Os manos ainda tavam dormindo, espalhados pela casa como se tivessem sido atingidos por um furacão. O Léo roncava alto, já imaginei ele dormindo com a patricinha da Mari do lado dele. Sorri de leve, mas não tava no clima. Acordei o Juninho e o Vitinho, disse que precisava voltar pro Rio por causa do Zyon. Eles entenderam, me deram um tapa na mão e falaram pra eu mandar notícia. Peguei a minha moto, coloquei os fones de ouvido e mandei um rock pesado pra tentar abafar a confusão na minha cabeça. A BR-101 tava mais vazia na volta, o sol começando a nascer, jogando uma luz dourada na estrada. O vento batia na cara, e por um momento, eu senti aquela liberdade que só a moto me dá. Mas não durou. Minha cabeça voltava pra ela. Pra Analu. Praquele beijo que ainda queimava. Praquele olhar dela, meio confuso, meio assustado, quando o funcionário do quiosque nos interrompeu. Eu sabia que ela sentiu o mesmo que eu. Ou pelo menos, queria acreditar nisso. Mas e aí? Ela tava com o Humberto, provavelmente rindo com ele agora, enquanto eu voltava pro Rio com trezentos reais a menos e um filho doente me esperando. Cheguei na cidade por volta das dez da manhã. O calor já tava insuportável, o asfalto soltando aquele cheiro de borracha queimada que eu conheço tão bem. Fui direto pro morro, pra casa da Gabi. Ela tava na porta, com cara de quem não dormiu, segurando o Zyon no colo. Meu moleque tava com os olhos fechados, a testa quente, mas já com um pano úmido que a Gabi tava usando pra tentar baixar a febre. Meu coração apertou de novo. Peguei ele no colo, beijei a testa quente e senti o cheirinho dele, aquele cheiro de criança que me faz lembrar por que eu ralo tanto. — Como ele tá? — perguntei, tentando manter a voz firme. — Melhor, mas ainda com febre. O médico deu um remédio, mas disse pra voltar amanhã se não melhorar. Tu trouxe a grana? — Já transferi, Gabi. Tu viu. Tô aqui agora, não tô? — respondi, com raiva contida. Ela sempre me pressiona, como se eu fosse fugir da responsabilidade. Ela bufou, mas não disse nada. Entreguei o Zyon pra ela de volta, porque eu sabia que precisava correr atrás de mais corre pra pagar as contas. Dei um beijo na cabeça dele, prometi voltar mais tarde e subi na moto de novo. Enquanto pilotava pelas ruas do Rio, desviando de carros e buracos, minha cabeça não parava. O Zyon doente, a Gabi enchendo o saco, o dinheiro que nunca sobra. E, no meio de tudo isso, a Analu. Porra, eu não acredito que tava pensando numa patricinha que nunca vai querer nada comigo. Uma mina que me olhou com nojo, que disse que eu não presto, que sou de outro mundo. Mas aquele beijo... aquele beijo não mentiu. Ela sentiu algo. Eu sei que sentiu. E eu, idiota, tava apaixonado. Apaixonado por uma mina que provavelmente tava agora tomando café da manhã com o Humberto, rindo de mim, do cara da moto velha e da vida bagunçada. Parei num sinal, o calor subindo pelo asfalto, o ronco da minha moto vibrando entre minhas pernas. Olhei pro lado, pras ruas cheias de gente, de vida, de problema. Minha vida. E pensei nela. Na Analu. No jeito que ela me olhou antes de correr do quiosque. No jeito que ela ficou sem ar depois do beijo. Será que ela pensava em mim? Será que, no fundo, ela também tava confusa, querendo algo que não deveria? O sinal abriu, e eu acelerei. De volta ao inferno que é minha vida. Mas com ela na cabeça. Sempre ela. E, porra, isso tava me matando.






