####CAPÍTULO 02

TRÊS DIAS ANTES

A Promessa Antiga

O carro deslizou pelos portões do casarão com o mesmo ruído de uma porta que se fecha sobre o passado.

Gemima observou pela janela o jardim que pouco conhecia, as fontes que pareciam mudas diante do reencontro. Fazia dez anos que deixou aquele lugar, seus pais a colocaram em uma escola de freiras na Suiça desde os dez anos, disseram que ela estudaria em um colégio interno “para seu próprio bem” lá ela aprenderia a ser uma dama.

Agora, aos vinte e um anos, voltava acreditando que enfim teria uma casa — mas não imaginava que voltava apenas para perder a liberdade.

O pai a esperava na sala, de terno impecável, a expressão carregada de uma gravidade antiga. Ao lado dele, a madrasta, Ofélia, exibia o mesmo sorriso educado de sempre — o tipo de sorriso que não alcança os olhos.

— Gemima — disse o pai, erguendo-se. — Você já é uma mulher feita, sua educação completa, sua mãe estaria orgulhosa se estivesse aqui.

Ela tentou sorrir, mas sentiu o ar preso na garganta.

— Obrigada, papai lamento que ela não viveu para ver o sonho dela se realizar. Imaginei que o senhor quisesse me ver, e estivesse com saudades e conversar, talvez?— ela hesitou. — Senti saudades de casa e do Senhor.

O homem sentou-se novamente, e pousou uma pasta de couro sobre a mesa.

— Pedi que a trouxessem porque há um assunto importante a tratar. — abriu a pasta, retirando um documento amarelado. — Quando você nasceu, sua mãe e eu firmamos um acordo com uma família muito estimada, os Villach.

Gemima franziu o cenho.

— Um acordo?

— Sim,— respondeu com naturalidade, como quem anuncia um jantar. — Um contrato de união de famílias. Foi decidido que, ao completar vinte e um anos, você se casaria com o filho mais velho deles, é a garantia, e fusão das empresas e segurança dos nossos muitos negócios.

Ela o olhou como se as palavras tivessem vindo de um idioma estrangeiro.

— Quer dizer que, o senhor mandou me buscar no colégio porque devo casar?

— Você já cumpriu o tempo estabelecido, — ele cruzou as mãos. — No contrato, sua mãe pediu que ficasse no colégio interno até atingir a idade, para ser tornar mulher instruída e equilibrada. Agora é a hora de cumprir o restante do acordo.

Gemima se manteve imóvel, tentando compreender.

— Mas, papai, não conheci nada da vida, nunca vivi fora de muro.— ela baixou o olhar. — Nem conheço o homem que vou casar.

O pai suspirou, impaciente.

— Amanhã à noite você o conhecerá, haverá um jantar de noivado, antes da cerimônia, tudo já foi providenciado.

— E a roupa? — perguntou num fio de voz.

— Já está em seu closet, escolhido por Ofélia. — ele respondeu sem emoção. — Você só precisa se vestir e comparecer.

As palavras doíam mais que um castigo. Gemima sentiu o peito apertar, mas manteve o rosto sereno.

— Sim , papai , como o Sr. desejar.

Ela subiu as escadas lentamente, o coração pesava como pedra.

O quarto estava do mesmo jeito que deixara anos atrás — o espelho coberto por uma cortina fina de poeira, a cama arrumada, as cortinas abertas para um céu sem cor.

Fechou a porta e encostou-se nela, os olhos marejados.

— Nunca tive o amor do meu pai — sussurrou, e a voz quebrou. — Mamãe ainda me dava um pouco de carinho, mesmo distante, mas ele nunca me viu como filha, sou apenas a herdeira.

As lágrimas caíram silenciosas.

— Me colocaram no colégio, e pouco tempo depois que mamãe morreu, ele se casou novamente. Acreditei que, ao voltar, iria ter uma vida comum, e uma chance — ela riu fraco, entre soluços. — Mas estão me prendendo outra vez, agora com um casamento.

Caiu de joelhos, o rosto entre as mãos, e chorou até não aguentar.

O PESO DO CONTRATO

Três dias antes da chegada de Gemima, na mansão dos Villach já estava mergulhada em tensão.

Na biblioteca, o senhor Edgar Villach

folheava um maço de documentos antigos — papéis amarelados, carimbados e selados com o brasão da família , o mesmo nome que agora voltava para assombrar a nova geração.

Do lado de fora, o sol do fim da tarde filtrava-se pelas cortinas pesadas, riscando o chão com feixes dourados. O silêncio só foi rompido quando Jano entrou, com as mãos nos bolsos, a expressão impaciente.

— O senhor mandou me chamar, pai?

Edgar levantou o olhar, a voz firme como quem está prestes a dar uma ordem que não admite réplica.

— Sim, Jano, — apontou para uma das poltronas. — sente-se, precisamos conversar sobre o contrato.

Jano se encostou no encosto, sem esconder o desconforto.

— Pelo tom, não parece uma conversa agradável.

— A sua noiva está chegando. — Edgar foi direto. — Em três dias, você vai se casar, ela chegará do colégio interno.

O silêncio que se seguiu foi cortante.

Jano piscou, como se tivesse ouvido uma blasfêmia.— O quê? Vocês assinaram esse contrato há vinte e um anos papai!

A mãe, Helena, estava sentada perto da janela, para não encarar o filho.

— A Leana Gemima Belgrave Godwin — disse ela suavemente. — A moça com quem seu casamento foi prometido desde o nascimento dela.

— Prometido? — Jano riu, incrédulo. — Vocês estão brincando comigo? Isso foi há mais de vinte anos!

O pai fechou o documento e o empurrou na direção dele.

— Não é brincadeira, é um contrato. Foi assinado pelo seu avô e pelo pai dela, depois ratificado por mim e pela mãe dela. As famílias selaram um acordo: quando a menina completasse vinte e um anos, o casamento seria realizado.

Jano se levantou, o rosto endurecido.

— Eu já falei que eu não vou me casar, primeiro, porque nós não precisamos disso, não sei por que vocês mantiveram esse acordo. Segundo, tenho trinta e quatro anos, pai, essa menina — ele gesticulou, indignado — está saindo de um convento! Ela não conhece nada da vida, vai sair direto de trás dos muros para o altar, Isso é uma crueldade!

— Jano, entenda meu filho, são tradições antigas de família.

— Pois então deixem o passado no passado! — cortou ele. — Vocês não podem simplesmente decidir quem eu vou casar porque alguém há duas décadas achou que era um bom negócio!

O pai se levantou também, imponente.

— Você vai cumprir, Jano! O contrato foi feito no seu nome, quando a menina nasceu, você tinha treze anos, você foi o escolhido.

— Justamente! — retrucou, batendo com a mão na mesa. — Nem eu que tinha treze anos, assinei! Olha a diferença de idade, olhe o absurdo disso!

Edgar o encarou com frieza.

— Absurdo é quebrar um acordo de honra entre famílias. Se cancelarmos esse contrato agora, perdemos milhões.

— E daí? Quem assinou foram vocês, não nós.— Jano abriu os braços. — Nós temos dinheiro de sobra! O que vocês querem, mais poder e controle, é o quê vocês desejam pai? Um casamento ou uma fusão empresarial?

Helena baixou os olhos, a voz quase em um sussurro:

— É as duas coisas, meu filho.

Jano respirou fundo, passando a mão pelos cabelos.

— Isso é ridículo, é medieval esse contrato!

Foi quando a porta se abriu.

Juno, o irmão mais novo, entrou sem bater, ouvindo as últimas palavras.

— O que está acontecendo?

O pai se virou para ele, já exasperado.

— Você chegou em boa hora, seu irmão decidiu que não vai se casar.

— Casar, com quem papai? — Juno franziu o cenho.

— Com a filha da família Goldwyn

— Mas se ele não cumprir o contrato, alguém terá que fazê-lo.

O olhar de Edgar recaiu sobre o filho mais novo, e Jano entendeu a insinuação antes mesmo que fosse dita.

— Ah, não! — exclamou, descrente. — Não ouse pensar nisso, pai!

Mas Edgar já havia decidido.

— Então será você, Juno.

Juno deu um passo para trás.

— Eu?! Não!!! Vocês sabem que namoro a Luna, vou pedi-la em casamento, pai.

— Luna é filha da sua madrasta de Gemima, Juno. Isso nunca seria bem visto. — o pai rebateu, ríspido. — Além disso, é um relacionamento recente.

— Não é recente! — Juno defendeu, a voz trêmula. — Nós estamos juntos há anos!

Helena tentou intervir, aflita.

— Edgar, por favor!

Mas ele ergueu a mão, cortando-a.

— Você vai cumprir o contrato, Juno. Vai casar com a Gemima , vai ser apenas por dois anos. Depois, você pede o divórcio.

Juno o olhou, incrédulo.

— Dois anos? É assim que o senhor fala de um casamento? “Apenas por dois anos”? Pai é imoral, não é uma negociação, vocês estão jogando com vidas de pessoas!

O pai perdeu a paciência.

— Conversa com a sua namorada e explica, é só cumprir o acordo, você não precisa ser fiel. Apenas mantenha as aparências.

Juno ficou imóvel, com o rosto pálido.

Jano o olhou com desprezo, mas também com um toque de compaixão.

— Você vai mesmo aceitar isso? Vai jogar a Luna debaixo do carro e se casar com uma desconhecida porque o papai mandou?

O irmão mais novo desviou o olhar, aflito.

— Sinceramente não sei o que fazer.

Edgar bateu com a palma na mesa.

— O que você vai fazer é obedecer, o casamento acontecerá em três dias.

O silêncio que se seguiu foi sepulcral.

Jano cruzou os braços, exalando raiva e impotência.

— Pois saibam que, se isso der errado — disse, entre dentes —, a culpa será de vocês.

E saiu da sala, deixando para trás o som do relógio marcando o tempo — o mesmo tempo que corria, impiedoso, até o dia em que Gemima, sem saber, seria entregue como herança viva de um contrato que jamais pediu para assinar.

O ESTOPIM

A raiva era tanta que as mãos tremiam, Fui até a cômoda do meu quarto, peguei na gaveta peguei a tesoura, e comecei a picotar a saia do meu vestido. O olhar do meu pai se ficou em mim, não parei de cortar. A lâmina brilhou à luz do abajur quando rasguei o vestido de noiva de cima a baixo. O som do tecido rasgando ecoou como um grito contido durante anos.

— Vocês me trancaram em um convento! — — Nunca tive o direito de escolha, minha vida se resumiu a nada! E agora para quê um maldito contrato se cumpra, eu fui entregue como você mesmo disse ao Juno.” ESTÁ ENTREGUE”

Cortei mais um pedaço, a renda joguei nno chão como neve suja.

— Eu não conheço nada da vida, papai, nada! E o pouco que vi, hoje me destruiu. Vi que a única pessoa que talvez se importasse um pouco comigo não está mais aqui. Percebi que o homem que me colocou no mundo me usou. Por que não colocou a filha da Ofélia, a Luna seria a pessoa apropriada?

Meu pai respirou fundo, empalidecendo. As mãos dele apertaram-se uma na outra.

— Porque ela não é minha filha, e o contrato era para ser você.— murmurou, como quem engole pedras — E o contrato foi feito entre mim, sua mãe e os pais dele. Não era para Juno se casar com você, o Jano foi o escolhido. Jano recusou, disse que você era muito nova, uma criança, que precisava viver mais. Então os pais dele o substituíram pelo Juno.

A tesoura caiu da minha mão, senti um frio na espinha.

— Quer dizer que é assim, não fui aceita pelos dois irmãos, nem um me queria? Um me rejeitou por achar que eu era uma criança; o outro se casou para receber o dinheiro, transformando a namorada em amante. Ah, papai, é muita humilhação.

Empurrei-o com o ombro, abrindo espaço para que saísse do quarto.

— Agora por favor saia, quero me trocar.

Fechei a porta e, no banheiro chorei , como nunca, a última vez que sofri assim foi com a morte de mais nga mãe, tomei um banho, lavei todo o meu corpo e cabelos e tirei a maquiagem com água e sabonete, tentando lavar o gosto de veneno que grudou à minha pele. Soltei meus cabelos pretos e longos da toalha, penteei, vesti um vestido simples e preto, sim preto, estou de luto.

Desci as escadas devagar, com meus os olhos inchados de chorar, chamei Janice a única empregada de minha confiança e pedi.

— Janice, peça ao meu pai que venha até o escritório por favor? E que ele traga com ele os pais de Juno e o advogado e juiz de paz. Estarei esperando na biblioteca.

Ela apenas assentiu e saiu para cumprir o recado.

Caminhei até o escritório e me acomodei em uma das poltronas, respirei fundo tentando me acalmar, e determinada a manter a serenidade. Pouco depois, ouvi passos no corredor e a porta se abriu, papai entrou, e ao lado dele, como sempre, estava Ofélia. Atrás vieram os pais de Juno e Juno e surpreendentemente o Jano. O juiz de paz e o advogado os acompanhavam, visivelmente constrangidos com a situação.

Assim que Ofélia tentou se acomodar em uma das cadeiras, ergui o olhar para ela e falei em tom controlado:

— A senhora poderia, por gentileza, se retirar? Este assunto não diz respeito à senhora.

Ela franziu o cenho e respondeu com firmeza:

— Eu sou família, Gemima. Tenho direito de estar aqui.

Olhei diretamente em seus olhos, sem tremer:

— Não, a senhora não é minha família, não faz parte deste contrato, não fez parte da decisão, nem das escolhas que me trouxeram a este vexame. A senhora é família da sua filha, da Luna — a namorada de Juno. É nisso que a senhora deveria se concentrar. Porque foi a sua filha que aceitou ser cúmplice de tudo isso.

Ofélia ergueu o queixo, indignada, eu não desviei o olhar.

— A senhora não está aqui por preocupação comigo, dona Ofélia, é só por curiosidade, creio que eu já fui humilhada o bastante para aceitar mais essa afronta. Por favor, retire-se.

Meu pai interveio, a voz cansada:

— Ofélia, saia, não torne a situação mais pesada do que está.

Ela bateu a porta ao sair, o silêncio que se seguiu Respirei fundo e voltei-me para meu pai:

— Agora, eu quero saber onde está esse contrato.

Ele abaixou os olhos.

— Está no cofre.

— Pois então, traga-o papai. — Minha voz soou trêmula. — Eu nunca vi esse contrato. Só soube da existência dele há dois dias, quando o senhor me disse que teria que me casar. Quero que o advogado leia em voz alta. Quero entender as cláusulas, tudo o que foi assinado sobre a minha vida sem que eu fosse consultada.

Olhei de relance para Juno, que parecia menor do que nunca.

— Papai, o senhor me entregou a um homem que não me conhecia, que já estava comprometido com outra. E o senhor sabia disso, o senhor sabia que ele namorava sua enteada.

Minha voz embargou, mas não cedi.

— A situação de hoje me deixou em choque, sim, e eu armei um escândalo. Mas me diga: como eu poderia suportar calada? Eu não tenho mais rosto para sair à rua. E acredito que nem o próprio Juno, pela vergonha em que se meteu, tenha coragem de se olhar no espelho.

Voltei-me diretamente para ele:

— Juno, eu lamento o constrangimento que causei, mas convenhamos: nós não temos a menor condição de manter esse casamento. Você gosta de outra pessoa, não é justo comigo, não é justo com a Luna, e não é justo com você. Bastava ter dito não, e ter se recusado.

Ele abaixou a cabeça, e eu continuei, sentindo o peso do que dizia:

— No dia do nosso casamento, você escolheu me trair. Não apenas como mulher, mas como pessoa. Você teria dividido sua vida entre duas, e eu seria enganada. E quando eu descobrisse? Como ficaria a minha dignidade?

Olhei de volta para meu pai, firme, apesar da dor:

— Vocês não pensaram em nada disso. Pensaram apenas no contrato. E o senhor, papai, disse para mim que não casou a Luna com o Juno porque ela não era sua filha. Mas e o Jano, ele se recusou, o Juno foi colocado em seu lugar. Se era só uma questão de “substituir irmãos”, o senhor poderia ter encontrado outro caminho. O senhor poderia, ao menos, ter assumido a enteada como filha e colocado-a nesse lugar.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App