Quando cheguei em casa já passava das oito da manhã. Entrei pela porta principal e encontrei meu pai e Ofélia sentados à mesa do café, como se nada tivesse acontecido no dia anterior. O aroma do pão fresco e do café quente não amenizava o peso que pairava no ar.
Meu pai ergueu os olhos do jornal e me fitou com seriedade. — De onde você vem essa hora me nhã filha? Respirei fundo antes de responder. — Fui à igreja, papai, precisava me confessar. Ofélia como sempre , não deixou soltar um riso irônico. — E desde quando se confessar resolve alguma coisa? Olhei para ela com calma, e sem elevar a voz, respondi. — Conversar com Deus sempre resolve, dona Ofélia, a Senhora deveria adquirir esse hábito. Deus sempre ajuda a acalmar um coração aflito. E o meu, nneste momento, está muito aflito. Voltei-me para meu pai. — Papai, eu tinha dito que hoje daria entrada no pedido de anulação. Mas é domingo, e eu me esqueci desse detalhe. Peça Aos pais de Juno, que venham ainda hoje, se possível, com os filhos, quero falar com todos. Já tomei minha decisão, mas envolve também a família deles, e todos precisam estar presentes. Ofélia ajeitou-se na cadeira, a voz impregnada de soberba: — Espero que dessa vez você não me expulse da reunião. Mantive a serenidade. — Por favor, dona Ofélia, não insista. O assunto é sobre o contrato. E o contrato não a envolve. O contrato foi firmado entre meu pai, minha mãe — quando ainda vivia — e os pais de Jano. A senhora não fazia parte da vida do meu pai naquela época, portanto não tem nada a ver com essa questão. Então, lhe peço: não insista em ocupar um lugar onde sua presença é dispensável. Endureci um pouco mais o tom, ainda que contido: — Aproveite e vá até sua filha. Tenho certeza de que Luna não está nada bem após tudo o que aconteceu. Em vez de se preocupar em me vigiar, cuide dela. Porque eu ainda não tive forças para abrir jornal, revista ou rede social. Mas não é difícil imaginar o que deve estar repercutindo. O silêncio caiu sobre a mesa. Meu pai tentou mudar o tom da conversa. — Você não vai tomar café, filha? Sacudi a cabeça. — Não estou com fome. Se a fome vier depois, eu como. Agora, com licença. Subi as escadas e me tranquei em meu quarto. Poucos minutos depois, Janice entrou carregando uma bandeja com café, frutas e pães. Ela me olhou com aquela ternura que só ela tinha. — Eu sabia que você não ia querer sentar à mesa com ela — disse baixinho, pousando a bandeja sobre a mesinha de canto. Senti um nó na garganta, mas consegui sorrir. — Obrigada, Janice. Você sempre cuidou de mim melhor do que qualquer outra pessoa nesta casa. Comi um pouco, apenas para não desmaiar de cansaço, e deitei novamente. — Vou tentar dormir um pouco. Quando os convidados que pedi chegarem, você pode me chamar? Avise ao papai, que vengam apenas pela parte da tarde, porque preciso descansar. — Pode deixar, menina. — Ela saiu fechando a porta devagar. Adormeci algumas horas, até que, por volta das duas da tarde, Janice bateu à porta. — Menina, as visitas já chegaram. Sentei-me devagar, esfregando os olhos. — Peça que aguardem dez minutos, Janice. Só vou tomar banho e me vestir. Ela hesitou antes de acrescentar: — A dona Ofélia também está lá. Levei a mão à testa, exasperada. — Essa mulher não me deixa em paz… meu Deus.