O pai retornou com uma pasta de couro gasta. Abriu-a sobre a mesa de carvalho do escritório e, de dentro dela, retirou um envelope lacrado com cera antiga.
— Este é o contrato — anunciou, empurrando para o advogado. O silêncio era tão denso que se podia ouvir o estalar da cera quebrando. O advogado pegou a pasta, e com a solenidade de quem lê um testamento, abriu o documento. — “Aos moldes das tradições das famílias Villach e de Armand, e visando a perpetuação das fortunas, linhagens e alianças estabelecidas, fica acordado que a herdeira, Gemima de Armand, será unida em matrimônio ao primogênito da família Villach” — a voz dele ecoava pesada. Gemima fechou os olhos. O coração dela latejava. O advogado continuou: — “em caso de recusa do primogênito, poderá o segundo filho assumir a obrigação contratual, garantindo assim a manutenção das cláusulas de união e proteção patrimonial.” Gemima estremeceu, lágrimas escorrendo sem que ela pudesse conter. — Fui uma moeda de troca desde o dia em que nasci? — murmurou, soluçando. Seu pai tentou se justificar, a voz cansada: — Gemima, entenda, eu também casei com sua mãe por contrato. Não foi escolha nossa, foi tradição, as famílias Villach seguem o mesmo princípio. Os pais de Juno também se casaram assim. Aqui, minha filha, não se fala de amor, e sim de união de fortunas. Ela ergueu o rosto, os olhos cheios de dor. — Quer dizer que eu nunca tive chance, nunca tive sequer o direito de escolher? Desde o meu primeiro sopro de vida, vocês já haviam decidido meu futuro. Mas vejam só a ironia do destino! O Jano, que deveria ter sido o noivo, teve o direito de recusar. Ele pôde dizer não, já eu? Só fiquei sabendo agora, dois dias antes de me trancarem nesse casamento, onde está o meu direito? As palavras cortavam como aço. Juno abaixou a cabeça, envergonhado. Gemima voltou-se para ele: — Juno, vamos pedir a anulação juntos, por favor, eu não quero te obrigar a ficar comigo, como não quero ser obrigada a ficar com você. Se for assim, você vai me odiar, eu vou te odiar, e a enteada da minha madrasta vai me odiar ainda mais, mesmo sem culpa minha. Não é justo para nenhum de nós. Houve um instante de silêncio. Então seu pai ergueu a voz, grave: — Mas você precisa compreender, Gemima. O escândalo já está repercutindo, nas colunas sociais, sites e jornais. As ações estão despencando, as empresas estão em baixa. Se você anular agora, pode ser o fim de tudo. O rosto de Gemima endureceu. — Eu vivi todos esses anos sem luxo, papai. Posso continuar. Mas Juno ergueu a voz pela primeira vez desde que ela o flagrou. — Gemima, se você aceitar, podemos salvar esse contrato sem que ninguém saia destruído. Não precisamos ter vida conjugal. Podemos assumir publicamente, cumprir um tempo do contrato, e depois nos separar, e você poderá estudar, cursar sua faculdade, viver sua vida. A única exigência é que nenhum de nós traia o outro enquanto o contrato estiver em vigor, as cláusulas são severas, você sabe. Ela riu com amargura. — Severas? No dia do nosso casamento você quebrou a mais básica. Ele abaixou a cabeça, constrangido. O advogado interveio, a voz firme: — Senhora Gemima, se vocês pedirem anulação amanhã, o pedido tem fundamento. O casamento não foi consumado, e há flagrante de traição com provas fotográficas. E há respaldo legal, agora quanto ao contrato, ele pode ser renegociado, desde que ambas as famílias estejam de acordo. Gemima enxugou os olhos, olhando para todos: — Então me deem um prazo, e amanhã mesmo quero a resposta definitiva, sobre a anulação. Depois veremos a questão religiosa, não quero mais ouvir nada hoje. Virou-se para Juno: — Por favor, me deixe pensar, não estou bem, me sinto vazia nesse momento. Ela olhou para os demais, já exausta: — Continuem discutindo se quiserem, estou me retirando, boa noite. Quando levantou, a sala inteira silenciou. — Por favor, dispensem os convidados que ainda estão na mansão, não sei como ainda estão aqui depois de tudo o que aconteceu. Saiu, sentindo o peso de todos os olhares, e no corredor, encontrou Janice. — Janice, você tem algum calmante? — Tenho sim, senhora — respondeu a fiel empregada. — Vou preparar um chá e levo para o quarto. — Obrigada, só quero dormir um pouco. Pouco depois, em seu quarto, Gemima se ajoelhou ao lado da cama, xícara fumegava na mesinha de cabeceira, ela entrelaçou as mãos, os cabelos soltos caindo em desalinho sobre os ombros. — Senhor, dá-me sabedoria e serenidade, não sei como contornar essa situação. Não quero mais esse casamento, não quero mais dor. Mostra-me a verdade. As lágrimas escorreram livres, a noite a envolveu, e o peso do contrato ecoava em sua mente como grilhões invisíveis.