Tomei meu banho com calma, tentando lavar não apenas o corpo, mas a mente tomada por lembranças amargas. A partir de ontem, minhas cores haviam mudado. Nada de branco, nada de ilusões. A partir de agora, só preto e cinza. Eram as únicas cores que refletiam o que restava em mim.
Vesti o vestido preto simples que havia separado, prendi meu cabelo em um coque severo e dispensei qualquer maquiagem. O espelho me devolveu uma imagem fria, quase impessoal, mas era exatamente assim que eu queria estar: distante, inatingível. Caminhei pelos corredores até o escritório. A porta já estava aberta e todos estavam lá: meu pai, os pais de Juno e Jano, os dois irmãos, o advogado e o juiz de paz. Senti todos os olhares se voltarem para mim, mas não desviei. Meus olhos pousaram em Ofélia. Antes que eu dissesse qualquer palavra, meu pai se adiantou: — Agora você pode nos dar licença, Ofélia. Ela pediu que você não participasse desta reunião. Ofélia apertou os lábios com raiva. Seu olhar me atingiu como punhaladas silenciosas. Ainda assim, forçada pelo peso do momento, ela se levantou. — Com licença. — disse, ríspida, e saiu batendo a porta. O ambiente pareceu respirar de novo. Os homens se levantaram quando me aproximei da mesa, mas levantei a mão. — Não, por favor, não precisam se levantar. Sentei-me em uma das cadeiras da cabeceira, ajeitando o vestido. A frieza do encosto de madeira contrastava com o calor que queimava no meu peito. Olhei um a um nos olhos e falei, com voz firme: — Qual a proposta que vocês têm para me fazer? Eu vou ouvir. Prometo que vou ouvir. E, dependendo do que for dito aqui, darei minha resposta ainda hoje. Fiz uma pausa, para que sentissem o peso das minhas palavras. — Mas deixo claro: a proposta não pode ser eu permanecer casada com Juno. Isso não tem condições. Na segunda — entrarei com o pedido de anulação. Hoje não, porque é domingo e o cartório não abre, o fórum não funciona. Mas amanhã Juno, eu espero que você vá comigo. Que nossos representantes legais deem entrada juntos nesse processo. Virei-me diretamente para ele. — Eu não te desejo mal. Mas não há como cumprir esse contrato com você. O silêncio na sala se fez denso. Juno, que até então olhava para baixo, ergueu a cabeça. Seus olhos mostravam vergonha e, ao mesmo tempo, uma centelha de desafio. Ele respirou fundo, como quem luta contra as próprias culpas, e então falou: — Gemima, eu sei que você me despreza agora. E tem todo o direito. O que eu fiz foi imperdoável. Eu mesmo sinto vergonha. Mas — ele passou a mão pelos cabelos, aflito. — Existe uma alternativa. Uma proposta que pode, pelo menos, minimizar esse desastre. Todos se voltaram para ele. Eu permaneci imóvel, esperando. Juno então disse, a voz embargada, mas decidida: — Se você aceitar, Gemima nós podemos manter o contrato ativo por um período. Não como marido e mulher, não como um casal que se ama, mas como um acordo de fachada, até que as empresas se estabilizem. Olhei para Juno, mantendo a calma que eu custava a segurar. — Eu acredito que você não ouviu o que eu disse. — falei devagar, cada palavra saindo como um tijolo colocado no lugar certo. — Eu pedi uma proposta que não fosse permanecer casada com você. Ele abaixou os olhos, e continuei: — Essa proposta que você está me fazendo, eu não aceito. Você é namorado da filha de Ofélia. Vocês se relacionam há anos. Você mesmo me disse que a ama. Então, não faça isso com você. Não faça isso com ela. Passei o olhar por todos na sala. — Eu quero uma segunda solução da parte de vocês. Porque a minha decisão já está formada. Mas eu quero ver o que vocês vão apresentar. Foi então que Jano, sentado à direita do pai, se endireitou. Ele cruzou as mãos sobre a mesa, me olhando firme, sem desviar: — O contrato foi feito, Gemima o nome firmado no contrato foi o meu. Senti um arrepio subir pela espinha. Ele respirou fundo e prosseguiu: — Esse nome permanece. Então, nós podemos cumprir o contrato conforme foi acordado desde o início. Não precisamos viver maritalmente, mas teremos que viver debaixo do mesmo teto. Pelo menos por uns dois anos. Precisamos mostrar à sociedade que o deslize do que aconteceu no dia do seu casamento foi solucionado. Jano fez uma pausa, a voz baixa mas clara: — Podemos deixar a sociedade pensar que, para se vingar de Juno, você se casou comigo. A sociedade adora esse tipo de fofoca, Gemima. E isso protegeria as empresas. Fiquei em silêncio, apenas ouvindo. Ele prosseguiu: — Veja bem, eu tanto quanto você, não desejo cumprir esse contrato. E nossos pais não pensaram em nenhum momento… principalmente o seu pai. Os meus nunca me enganaram sobre esse contrato. Mas o seu pai… acredito que ainda vive na era patriarcal. Ele deveria ter começado a introduzir isso para você, ainda quando a sua mãe era viva. Seus olhos se suavizaram um pouco. — Eu imagino a mágoa, a dor que você está sentindo. E estou disposto a cumprir esse contrato. Não pelo meu lado financeiro, mas pelas famílias que dependem das nossas empresas. Ele se inclinou para frente, apoiando os antebraços na mesa: — Então eu proponho que nós dois, ambos os lados, nos doemos. Não vou dizer “sacrificar” — porque isso não é sacrifício. É doação. Para um bem maior. Durante dois anos, nós vamos cumprir o protocolo social que uma família pede. O silêncio ficou denso. Eu ouvi o bater do meu próprio coração. Então ele disse, mais baixo: — Só que tem uma cláusula no contrato, Gemima. Eles querem um herdeiro. O ar pareceu rarefeito. Eu mantive o olhar nele, imóvel. — Eu sei que você acabou de sair do convento. Que ainda não tem experiência nenhuma, como você mesma disse. Você é virgem. Ele respirou fundo antes de completar: — Então, nós poderíamos fazer de outro jeito. Sem contato físico. Poderíamos recorrer à inseminação artificial e gerar esse herdeiro. Assim, cumprimos a cláusula do contrato sem que você seja tocada. Fiquei olhando para ele, sem piscar. As palavras “inseminação artificial” ecoavam na minha mente. O pai de Jano e o meu pai trocaram olhares tensos. O peso daquela proposta se assentava em mim como uma pedra enorme.