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Capítulo 4 - Olhos que Queimam

Acordei antes dele.

Ou talvez ele já estivesse acordado e apenas fingisse dormir. Não seria surpreendente — Dorian gostava do controle até quando estava de olhos fechados.

Virei o rosto com cuidado, tentando não fazer barulho. A luz suave da manhã desenhava sombras no quarto, recortando os contornos do corpo esculpido dele sob o lençol. O peito subia e descia com regularidade. Um músculo pulsava no maxilar. Braços fortes, pescoço exposto, a boca entreaberta como se estivesse prestes a dizer algo que nunca viria.

Ele parecia em paz.

E era isso que me irritava mais.

Como alguém que me odiava tanto podia dormir tão tranquilamente ao meu lado?

Afastei o lençol devagar e me levantei, pegando a primeira roupa que encontrei — uma regata preta e uma calça de algodão. As roupas tinham sido deixadas para mim pela Eliza. Nenhuma peça era minha. Nem a casa. Nem a cama. Nem ele.

Mas, por agora, eu estava aqui.

E precisava fingir.

Desci para a cozinha em busca de café, não por hábito, mas por necessidade. A mansão tinha um sistema de automação que respondia à voz, mas eu não sabia como usá-lo — e também não queria que a casa pensasse que me pertencia.

Eliza apareceu minutos depois, sempre silenciosa, sempre observando.

— Bom dia, senhora Vega.

Arregalei os olhos.

— Pode me chamar de Lara, por favor.

— Como preferir, senhora… Lara. O senhor Dorian solicitou que preparássemos o café para dois. Na varanda lateral.

Claro que sim.

Claro que ele transformaria o café da manhã em uma exibição.

A mesa estava impecável: frutas, pães, geleias artesanais, café passado na hora. Um cenário digno de revista. E eu me sentia a intrusa de sempre, deslocada até no lugar onde teoricamente era a esposa.

Sentei no canto da mesa e enchi minha xícara antes que ele chegasse. Queria pelo menos um gole antes da guerra começar.

Mas o universo não colabora com quem precisa de tempo.

Ele apareceu minutos depois.

Vestia uma camisa branca, a gola levemente aberta, os primeiros botões desfeitos. Os cabelos ainda úmidos do banho. O relógio no pulso esquerdo brilhava à luz da manhã.

E os olhos... ah, os olhos.

Eles pousaram em mim como um incêndio controlado.

Não me devoravam — me analisavam.

— Dormiu bem? — perguntou, com aquela voz de veludo que sempre parece esconder uma lâmina.

— Dormi — menti, bebendo o café devagar.

— Na minha cama.

— Com você longe, ficou mais fácil.

O canto da boca dele se ergueu em meio sorriso.

— Tão afiada logo de manhã. Gosto disso.

— E eu gosto de silêncio.

— Você sempre gostou... até começar a fugir dele.

Ele se sentou do outro lado da mesa. Serviu-se de café, depois de algumas frutas. Seus movimentos eram meticulosos, como se tudo fosse ensaiado.

— Temos um evento esta noite — ele anunciou entre um gole e outro. — Um jantar de negócios. Você vai comigo.

— Não posso recusar?

— Não.

— Ótimo.

— Você vai usar um dos vestidos que Eliza deixará em seu closet. E sorrir.

— Vai me treinar para ser a esposa troféu perfeita?

Ele largou o talher. O som do metal sobre a louça foi suave, mas ecoou como um aviso.

— Não. Não preciso treinar você para isso, Lara. Você já foi perfeita nesse papel antes.

Respirei fundo. A memória daquela época me engoliu por um instante — os eventos, as fotos, os flashes, os beijos públicos e os gritos privados.

— Isso ficou no passado.

— E agora está de volta. Com a diferença de que, dessa vez, eu sei exatamente quem você é.

— E quem seria eu?

Ele me encarou por longos segundos. Os olhos dele não apenas viam — eles invadiam.

— A mulher que pode mentir com a boca, mas nunca com os olhos.

Senti o calor subir no meu pescoço. Levantei da cadeira.

— Se você terminou de me interrogar, eu vou subir.

— Ainda não terminei.

A frase foi dita em voz baixa. Quase casual. Mas parou meus passos.

— O que mais falta?

Ele se levantou também. Em dois passos, estava atrás de mim. Sua presença era uma parede. Seus olhos queimavam na minha nuca.

— Falta isso.

Ele puxou meu braço devagar e me virou para encará-lo.

Eu devia ter recuado. Devia ter gritado. Devia ter dito “não”.

Mas não fiz nada.

Porque os olhos dele me mantinham presa.

Ele ergueu uma mão e deslizou os dedos pelo meu pescoço, com um toque tão leve quanto uma ameaça. Depois, os dedos escorregaram até meu queixo. Levantaram meu rosto.

— Você ainda sente. Só não quer admitir.

— E você ainda precisa que eu sinta, para acreditar que tem algum poder sobre mim.

Ele sorriu.

— Você fala como se eu tivesse perdido esse poder.

— Talvez tenha.

— Então prove.

Ficamos ali. Olhos nos olhos. Respiração contida. Silêncio assassino. Próximo demais para o meu gosto.

E então, ele se afastou.

Um passo. Dois.

Como se nada tivesse acontecido.

Como se ele não tivesse acabado de quase me beijar.

Como se eu não tivesse, por um segundo, desejado que ele tivesse feito isso.

Subi as escadas como quem foge de si mesma.

Quando fechei a porta do quarto, encostei as costas nela e deixei o ar sair com força.

Mal havia começado a convivência, e já estávamos nos consumindo vivos.

No reflexo do espelho, vi o vermelho no meu pescoço. O lugar onde ele havia tocado ainda queimava.

Ele não precisava me beijar para me marcar.

Dorian sabia exatamente onde colocar as mãos e o silêncio para me desestabilizar.

E isso… era o que me deixava mais vulnerável.

O resto do dia passou como um borrão. Eliza me entregou três opções de vestido. Escolhi o menos revelador, o mais escuro. Não por pudor, mas por proteção.

À noite, ele me esperava no saguão. Terno impecável. Relógio ajustado. Olhar cortante.

— Está linda — disse, como quem lança uma moeda no poço.

— Estou pronta.

Ele estendeu o braço. Eu hesitei, mas aceitei.

Afinal, era isso que esperavam de mim. Que eu fosse a mulher ao lado do bilionário. A esposa contratada. A farsa com um anel no dedo.

Durante o trajeto até o evento, ficamos em silêncio.

Mas quando a limusine parou e ele desceu primeiro, estendeu a mão para mim e disse:

— Pronta para incendiar a noite, senhora Vega?

Respirei fundo. Segurei sua mão. Sorri para as câmeras.

Mas por dentro, tudo queimava.

Inclusive ele.

Inclusive eu.

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