Mundo de ficçãoIniciar sessãoA manhã amanheceu fria em Manhattan, mas a cidade parecia vibrar com mais intensidade do que o normal. Era como se, sob o concreto cinzento e os prédios altíssimos, duas histórias estivessem prestes a colidir — silenciosamente, sem aviso, sem misericórdia.
O casamento No cartório reservado, decorado apenas com um pequeno arranjo de flores brancas que Chiara insistira em levar, Owen ajustava o terno com a mesma expressão de quem estava prestes a assinar um contrato desfavorável. Ele respirava fundo, tentando afastar a ressaca da noite anterior, enquanto Travis permanecia ao seu lado como apoio silencioso. Chiara, por outro lado, estava radiante. O vestido branco simples moldava suas curvas com perfeição calculada, e o sorriso perfeitamente ensaiado não deixava transparecer nenhuma sombra de dúvida. Ela segurava o braço de Owen com força — talvez um pouco mais do que o necessário — como se temesse que ele escapasse. — Finalmente, amor… — sussurrou ela, de forma doce demais. — Nosso grande dia. Owen apenas assentiu. Estava cansado demais para discutir e pragmático demais para fugir. Já tinha tomado a decisão, e agora só precisava honrá-la. O juiz deu início à cerimônia. Curta. Direta. Sem pompa, como Owen exigira. — Owen Alexander Davis, aceita Chiara Fontes como sua esposa? Ele respirou fundo uma última vez, como quem mergulha no escuro. — Aceito. Chiara sorriu tão vitoriosa que parecia iluminar o lugar inteiro. --- Na clínica de Seline Ao mesmo tempo, em um bairro distante de Manhattan, Anna chegava à clínica vestindo uma blusa quente, uma calça confortável e um casaco simples que comprara em promoção. Não sabia explicar por quê, mas estava estranhamente tranquila. A recepcionista a cumprimentou com um sorriso. — Bom dia, Anna. A doutora deixou tudo preparado. Pode aguardar na sala. Anna sentou-se, abraçando a bolsa no colo. Tinha dormido pouco, ansiosa pelo procedimento que acreditava ser a coleta de óvulos. Achava que só teria alguns desconfortos, talvez um pouco de cólica. Nada grave. Alguns minutos depois, a enfermeira a chamou. — Anna? Vamos começar. A sala estava silenciosa, com luzes suaves, música calma ao fundo. Seline realmente sabia como fazer seus pacientes se sentirem seguros. Anna deitou-se na maca e uma segunda enfermeira ajeitou o lençol sobre suas pernas. — Vou aplicar a sedação leve — explicou a enfermeira. — Você vai dormir rapidinho. Quando acordar, já terá terminado. Anna sorriu, nervosa. — Está bem… obrigada. O líquido entrou pela veia, frio, rápido. A visão começou a embaçar. A sala girava devagar. A última coisa que Anna ouviu foi a voz suave da enfermeira: — Relaxe. Está tudo indo muito bem… E então, escuridão. --- A verdade escondida Com Anna inconsciente, a equipe se moveu com eficiência calculada. A enfermeira-chefe fechou uma das portas, a técnica conferiu o material preparado previamente, e a assistente de Seline organizou o equipamento. — Vamos iniciar — disse a assistente, consultando o checklist. — Procedimento confirmado. Não era uma coleta. Era a inseminação. O embrião que Chiara tanto exigira — criado às pressas com o material de Owen, após um procedimento escondido — foi transferido silenciosamente para o útero de Anna. Minutos depois, o procedimento estava completo. Quando Anna começou a despertar, estava deitada em outra sala, coberta por um cobertor térmico. — Senhorita Santos? Pode acordar devagar… já terminamos — disse a enfermeira. Anna piscou, confusa, mas sem dor, sem incômodo. — Já acabou? — murmurou. — Sim. Correu tudo perfeitamente. Você pode ir pra casa quando se sentir bem. Anna sorriu — cansada, mas tranquila. — Obrigada. De verdade. E saiu da clínica sem imaginar que sua vida havia sido arrancada do rumo original naquela manhã. --- O retorno para casa O metrô estava cheio, barulhento, abafado. Mas Anna só pensava em chegar ao apartamento, descansar, talvez pedir alguma comida e assistir a algo para distrair a mente. No vagão, segurando o corrimão, ela se perguntou como sua mãe reagiria ao saber que ela estava tentando recomeçar. Será que ela se orgulharia? A pergunta doeu, mas trouxe também um conforto estranho. Talvez, só talvez, Beatriz estivesse olhando por ela de algum lugar. --- O final do casamento Enquanto isso, no cartório, Chiara beijava Owen na bochecha para a foto oficial. Ela sorria brilhante, impecável. Owen mantinha a postura, ainda lutando contra a ressaca e contra um peso emocional que não sabia explicar. — Agora somos oficialmente casados — disse Chiara, segurando o braço dele com firmeza. — E nada poderá nos separar. Travis desviou o olhar, incomodado. Algo ali não parecia certo. Mas ainda não tinha provas. Chiara, porém, estava exatamente onde queria estar. E naquele mesmo instante, enquanto ela posava para fotos, o bebê que tanto planejara — e que Owen acreditava ser fruto do casamento deles — estava sendo implantado no corpo de uma estrangeira sozinha, vulnerável, recém-chegada aos EUA. Uma peça perfeita em um jogo perfeito. E nenhuma das duas — nem Anna, nem Chiara — fazia ideia do que estava prestes a acontecer.






