— Capítulo 7 —
Na manhã de quinta-feira, o desjejum decorreu sob a luz clara que atravessava as cortinas de renda. A mesa estava impecável, mas a harmonia era apenas fachada. Giovanna partiu o pão com movimentos calculados e, sem esperar ocasião, quebrou o silêncio:
— Não podemos adiar mais, Arthur. — Seus olhos pousaram sobre o marido como lâminas. — Magnólia já não é mais menina. É hora de pensar seriamente em alianças.
Arthur folheou devagar o jornal, mas não parecia lê-lo. Os dedos tamborilavam no tampo da mesa, medindo o peso das palavras que viriam.
— Já estamos pensando nisso.
— Pensar não basta. — Giovanna ajeitou o guardanapo no colo, firme. — A família Mancini tem demonstrado interesse. Ernesto Mancini é distinto, fala francês, dança com elegância e tem a postura de um estadista. Um nome como esse jamais mancharia o nosso.
Arthur ergueu o olhar, deixando o jornal dobrado de lado. A boca curvou-se num sorriso breve, quase irônico.
— Os Mancini são estáveis, é verdade. Mas estabilidade não é tudo. Às vezes, alianças improváveis rendem mais do que as convenientes.
— Alianças improváveis arruínam mais do que constroem. — A dureza da voz de Giovanna ecoou pelo salão. — Não sacrificarei o destino de nossa filha por experimentos.
Magnólia manteve-se em silêncio, sorvendo o chá. Por fora, o rosto era máscara de serenidade; por dentro, as palavras gravavam-se nela como ferro em brasa. Ernesto podia ser educado e promissor, mas não lhe despertava nada. Nenhum rubor, nenhuma vertigem. Não havia nele a ousadia que um único olhar, na rua, lhe trouxera. E enquanto a mãe falava em segurança, no íntimo ela já sabia: seu coração escolhera outro caminho.
Naquela semana, enquanto caminhava pelo jardim, Magnólia ouviu risadas abafadas vindas da área do poço. Aproximou-se devagar, fingindo observar as roseiras, e logo reconheceu a conversa de duas criadas que dobravam lençóis ainda úmidos. O vento agitava o tecido, espalhando pelo ar o cheiro de sabão fresco.
— Dizem que a filha dos Rinaldi vai se casar com um advogado de Milão — comentou uma, o tom animado. — Mal saiu do colégio e já tem destino traçado.
— Melhor assim — respondeu a outra, rindo baixo. — Melhor que suspirar por alguém que nunca olha na sua direção.
Uma terceira, que torcia lençóis mais ao fundo, ergueu a voz num sussurro atrevido:
— Ou pior… casar com um homem que só sabe beber e deixar a esposa deitada sozinha.
As três caíram na risada, abafando-se entre os tecidos.
Magnólia permaneceu imóvel junto às roseiras, o coração acelerado. Aquelas palavras, simples e ditas sem cerimônia, continham uma verdade cruel. Um casamento podia trazer nome, fortuna e estabilidade, mas não garantia presença nem calor. Ernesto Mancini, com toda a postura impecável, poderia ser tão ausente quanto aquele marido descrito.
As mãos dela fecharam-se sobre o caule da rosa, e só então percebeu o espinho que lhe arranhara a pele. Soltou-o depressa, mas o ardor permaneceu. Seguiu pelo caminho de pedra em silêncio, levando consigo não apenas a dor leve no dedo, mas o peso novo daquelas vozes.
Dois dias depois, Domenico Alighieri foi recebido no gabinete. As cortinas pesadas filtravam a luz, espalhando cheiro de couro e papel velho. Magnólia cruzava o corredor com um livro nos braços quando percebeu a porta entreaberta. Deteve-se diante de um aparador com um vaso de lírios, fingindo observar as flores, mas os ouvidos atentos.
— A situação dos Tornabuoni é grave, Arthur — dizia Domenico, a voz grave, cada palavra arrastada. — Os credores já não negociam. Se ninguém intervier, não haverá apenas rumores: haverá leilões e disputas judiciais.
Arthur semicerrava os olhos.
— Não será a primeira vez que anunciam a queda deles.
— Não confunda rumor com realidade. — Domenico inclinou-se, os dedos batendo na mesa. — As terras hipotecadas são férteis, vinhedos antigos. O problema é o pai: sempre gastou mais do que possuía.
Arthur tamborilou os dedos, pensativo.
— E os filhos? Sempre ouço que são parte da ruína.
Um sorriso lento curvou os lábios de Domenico. — Exageros. Riem alto, bebem demais… mas há um que merece atenção. O caçula. Gilian.
Arthur ergueu o olhar.
— Gilian Tornabuoni.
— Vinte e cinco anos. Mais calado que os irmãos, mas sua presença fala sozinha. Alto, porte elegante, cabelos negros lisos. Olhos amendoados, desses que brilham até no silêncio. Destro no cavalo, mas indomado à mesa. Dizem que bebe mais do que devia, mas nada que não se molde sob direção firme.
Arthur recostou-se, pensativo, o cenho franzido.
No corredor, Magnólia quase deixou o livro escorregar dos braços. O nome atravessou-a como lâmina e chama ao mesmo tempo. Gilian. Tornabuoni. O rapaz da rua agora tinha identidade, sangue, história. O acaso se tornava destino. O coração acelerou; sentiu o rubor subir-lhe ao rosto, e manteve as costas eretas para disfarçar.
Domenico concluiu, pausado:
— Uma família em declínio não é apenas problema, Arthur. É oportunidade. Quem oferece a mão conquista lealdade duradoura.
Arthur não respondeu. O silêncio pesado do gabinete bastava.
Magnólia afastou-se em silêncio, mas dentro dela as palavras ardiam. Gilian. O nome soava como promessa e perigo.
Naquela noite, o jantar decorreu em atmosfera distinta. O tilintar dos talheres parecia mais alto que de costume, como se o silêncio pesasse sobre a mesa. Giovanna, percebendo o olhar distante do marido, não tardou em confrontá-lo.
— Não me diga que Domenico o convenceu. — Sua voz era firme, mas baixa, como uma lâmina contida. — Um nome arruinado não se reergue. Ernesto Mancini teria sido escolha mais sábia.
Arthur cortou o pão com calma, demorando-se no gesto antes de responder. — Ou talvez os Mancini sejam apenas escolha segura, mas sem futuro. Às vezes, um nome em queda pode ser mais valioso que um sólido.
— O senhor insiste em ver virtude onde só há fraqueza. — Giovanna pousou a faca no prato com força calculada. — Não esqueça da condessa di Rossi: confiou num marido arruinado e acabou isolada em uma vila esquecida, sustentada apenas por esmolas. Não farei de nossa filha outro exemplo de compaixão mal direcionada.
Arthur ergueu a taça, mas não para brindar. Observou o reflexo do vinho à luz do candelabro, como se ali lesse futuros possíveis. — O que chamam de compaixão pode ser estratégia, Giovanna. A generosidade às vezes governa mais que o ouro.
O silêncio se espalhou pela mesa. Giovanna mantinha as mãos firmes no colo, os olhos fixos como punhais. Arthur bebeu devagar, sem pressa.
Magnólia, entre os dois, manteve a compostura. Não disse palavra, mas sentia no ar que não era mais apenas filha: era a moeda de um jogo que se desenhava diante dela.
Horas mais tarde, quando a casa repousava, Arthur permaneceu no gabinete. As velas tremulavam, projetando sombras longas sobre pilhas de documentos.
Dois dias depois, recebeu Pietro Bellandi, o banqueiro de confiança. O homem chegou pontual, trazendo uma pasta de couro abarrotada de papéis. A cada estalo do fecho, o silêncio da sala parecia se contrair.
— Como pediu, aqui estão os comparativos — disse Bellandi, ajeitando os óculos na ponta do nariz. — Dívidas numerosas, sim, mas não impagáveis.
Arthur tomou o primeiro documento, os olhos percorrendo as linhas com atenção.
— Veja aqui — continuou o banqueiro, apontando com a pena. — A produção dos vinhedos hipotecados mantém-se estável. Vinhedos antigos, terras férteis. O problema não é falta de bens, é o descontrole. Gastos supérfluos, empréstimos mal calculados.
Arthur virou a página devagar, tamborilando os dedos na mesa. Cada cifra parecia um peso a mais em sua decisão.
— Não se engane pelos comentários da sociedade — acrescentou Bellandi, a voz firme como pedra. — Uma família desesperada pode ser mais valiosa que uma sólida. Um gesto agora, Arthur, e eles se tornam devedores não apenas em cifras, mas em honra.
Arthur ergueu os olhos. A chama da vela iluminava-lhe metade do rosto, e no brilho breve dos olhos surgiu convicção.
— É exatamente o que eu precisava confirmar.
Quando Bellandi se retirou, a sala ficou em silêncio. Arthur permaneceu por um instante imóvel, observando os papéis como se fossem peças de um tabuleiro prestes a ser movido.
Mais tarde, ao jantar, Magnólia percebeu o olhar distante do pai. Não era mais ternamente orgulhoso, mas calculista. Ele a via, agora, como parte de um movimento maior.
Naquela noite, o quarto de Magnólia estava mergulhado em penumbra. Apenas uma vela acesa projetava sombras vacilantes sobre o espelho alto e os móveis pesados. O silêncio da casa adormecida parecia mais denso que o ar.
Magnólia soltou os cabelos, que caíram em ondas sobre os ombros, e aproximou-se do espelho. Os olhos refletidos traziam um brilho febril, diferente de todas as outras noites. Passou a mão pelo decote do vestido, sentindo a pele quente sob a seda, e então encostou a ponta dos dedos nos lábios.
Respirou fundo, como quem recolhe coragem, e sussurrou:
— Gilian.
O som do nome vibrou no quarto como se fosse proibido, mas inevitável. Ao pronunciá-lo, sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha, o corpo respondendo como se a palavra fosse um toque real. Os lábios entreabriram-se, e por um instante ela fechou os olhos, permitindo-se sentir o peso e o prazer daquela certeza.
Não era mais apenas a lembrança de um olhar atrevido numa rua qualquer. Era destino. E, ao perceber isso, Magnólia soube que não havia volta: a ponte estava traçada, mesmo que ninguém ainda a enxergasse.