VOZES NO SILÊNCIO

— Capítulo 6 —

A manhã seguinte nasceu envolta em um silêncio quase cerimonioso. A casa, que na noite anterior pulsara como um organismo vivo, agora parecia exausta, respirando em suspiros longos. O átrio ainda carregava o perfume adocicado das flores, agora ligeiramente murchas; no salão principal, as velas derretidas haviam deixado manchas de cera na toalha, e as cadeiras, levemente desalinhadas, lembravam soldados após uma batalha elegante. Criadas recolhiam taças esquecidas e guardanapos amassados, movendo-se devagar, como se também partilhassem da ressaca social.

Na sala de refeições, Giovanna mantinha-se firme diante de uma mesa mais simples que a da noite anterior, mas não menos impecável. Segurava a xícara com dedos rígidos, como se segurasse não apenas o chá, mas a reputação da família. De vez em quando, ajeitava o lenço no colo sem necessidade, apenas para reafirmar disciplina.

— O jantar foi um sucesso — disse, a voz clara, sem esforço, como quem constata um fato. — Ninguém terá do que falar.

Arthur, ao seu lado, não respondeu de imediato. O jornal estalava entre seus dedos, mas os olhos estavam fixos em um ponto vago, muito além das letras. Finalmente, deixou o papel tombar sobre a mesa e disse com calma:

— O sucesso, Giovanna, mede-se menos pelo que dizem e mais pelo que deixam de dizer.

Magnólia, em silêncio, mexia o chá lentamente. O tilintar discreto da colher contra a porcelana soava como um relógio secreto. O gesto era idêntico ao de outras manhãs, mas agora não servia de distração, e sim de máscara. Enquanto o rosto permanecia sereno, por dentro ainda queimava o rubor insistente dos olhares da noite anterior — alguns, como lâminas afiadas; outros, curiosos, atentos, que a viram não apenas como filha obediente, mas como alguém capaz de mover uma mesa inteira.

Mais tarde, os corredores da casa mergulharam no silêncio típico das manhãs após grandes jantares, quebrado apenas pelo ranger das tábuas antigas. Arthur recolhera-se ao escritório, onde as cortinas pesadas filtravam a luz em faixas douradas, quando recebeu a visita de Domenico Alighieri, velho amigo e parceiro de negócios.

Domenico era um homem de fala baixa, voz arrastada como pedras rolando num rio, gestos lentos de quem carrega décadas de desconfiança. Magnólia, caminhando com um livro nas mãos, deteve-se ao ouvir a entonação grave. Os pés pararam diante de um quadro antigo na parede — uma paisagem campestre herdada da mãe — e ela fingiu contemplá-lo, embora cada fibra do corpo estivesse voltada para a porta entreaberta.

— As dívidas deles aumentam a cada estação — murmurava Domenico, a voz pesada. — As terras hipotecadas, os credores batendo à porta, os armazéns vazios. Tornabuoni não duram outro inverno.

Arthur respondeu num tom seco, calculado:

— Antigo nome, mas já sem raiz. Os negócios de seda perderam mercado, o banco não sustenta mais, e os filhos consomem o resto.

Seguiu-se um silêncio carregado, até Domenico arriscar:

— Talvez… uma aliança.

Magnólia sentiu a lombada do livro escorregar sob seus dedos suados. O coração não disparou como antes, mas parecia comprimir-se contra as costelas. O ranger de uma tábua próxima fez seu corpo enrijecer — temeu que fosse descoberta. Permaneceu imóvel, como estátua diante da paisagem, enquanto as vozes graves ecoavam por dentro dela, atravessando como lâminas lentas.

Era a confirmação do que intuía: sua ousadia à mesa não fora bravata juvenil. O mundo fechado dos homens discutia exatamente o destino que ela, em silêncio, começava a arquitetar. Já não era imaginação — era realidade. E ela, sem ser vista, já tocava as cordas desse jogo.

Mais tarde, no jardim, o sol declinava e tingia de dourado as pedras do caminho. Giovanna caminhava com passos precisos, o lenço bordado entre os dedos, alisando-o repetidamente como se cada movimento pudesse disciplinar não só o tecido, mas também a própria filha.

Parou diante de Magnólia, que estava sentada sob a sombra, e fixou nela o olhar rígido.

— Sua ousadia ontem foi um erro — disse sem rodeios, a voz firme como aço polido. — Uma jovem não deve interferir em conversas que não lhe dizem respeito. Palavras ditas fora de hora mancham mais que vinho derramado em renda.

Magnólia ergueu o rosto devagar, os olhos brilhando em calma contida, mas sem recuar.

— E se essas palavras — respondeu, a voz baixa, porém clara — forem as únicas capazes de permanecer quando o vinho seca?

O ar pareceu suspender-se. Giovanna estreitou os lábios, e por um instante desviou os olhos para o lenço em suas mãos. Voltou a falar, mais dura:

— Sabe o que acontece a moças que esquecem o lugar? Lembre-se da filha dos Bellini: uma frase maldita no salão, e o noivo rompeu o compromisso. Nunca mais recuperou o prestígio.

Magnólia não se moveu. O queixo levemente erguido denunciava que não cederia.

— Talvez ela não tenha perdido nada — retrucou com serenidade. — Talvez tenha ganhado a si mesma.

O silêncio que se seguiu foi denso como pedra. Giovanna respirou fundo, mas não encontrou resposta imediata. Afastou-se com passos calculados, o lenço ainda prisioneiro entre os dedos.

Magnólia ficou, sentindo o vento frio tocar-lhe a nuca e as pétalas de magnólia caírem lentas ao seu redor. O confronto não a fragilizara; pelo contrário, dera-lhe a estranha certeza de que estava mais próxima daquilo que buscava.

No fim da tarde, quando as sombras já se alongavam pelo jardim, Arthur desceu os degraus do escritório. O passo era lento, mas firme, como o de quem carrega pensamentos mais pesados que o corpo.

Deteve-se ao ver a filha sentada sob uma árvore. O livro repousava aberto no colo, mas os olhos estavam fixos no horizonte, mergulhados muito além das linhas impressas. A saia de seda se espalhava pelo banco de pedra, e um fio de cabelo solto agitava-se com a brisa. Havia no rosto dela uma serenidade estudada, mas os dedos contra a lombada do livro tremiam discretamente, denunciando a correnteza por baixo da superfície.

Arthur ficou ali, em silêncio, observando. As mãos se entrelaçaram atrás das costas, os olhos semicerrados como se pesassem uma verdade difícil de admitir. O ar cheirava a terra aquecida, o céu tingia-se de dourado e púrpura, e naquele cenário ele a viu como nunca antes: não apenas filha obediente, não apenas peça frágil a ser entregue em casamento, mas como jogadora silenciosa, capaz de mover palavras e destinos.

Não disse nada. Apenas permaneceu alguns instantes, deixando o pensamento atravessar-lhe inteiro, sem censura. Depois voltou ao interior da casa, carregando em si a incômoda — e orgulhosa — certeza de que sua filha já começava a pertencer a um tabuleiro maior que ele próprio.

Na manhã seguinte, Beatrice chegou antes do meio-dia, anunciada pela criada como quem trazia urgência. Entrou no salão menor com passos apressados e olhos faiscantes, sem esperar convite.

— Magnólia! — exclamou, com um sorriso travesso. — Não imagina o que ouvi esta manhã!

Magnólia fechou devagar o livro que repousava no colo, ergueu o olhar e respondeu com calma:

— Imagino que ouviu muito mais do que devia, Beatrice.

— Ora, você me conhece. — riu a amiga, abanando-se com o leque pendurado no pulso.

— Se algo acontece em Florença, cedo ou tarde chega até mim. E, acredite, seu nome esteve em muitas bocas depois do jantar de ontem.

Giovanna, que supervisionava o chá, interveio em tom firme:

— As pessoas falam de tudo, até da cor das cortinas. Não é sinal de importância, apenas de ociosidade.

Beatrice aceitou a xícara oferecida pela criada e inclinou-se para frente, a voz conspiratória:

— Dizem que você falou como se fosse um homem, Magnólia! Que encarou o banqueiro Bellini sem baixar os olhos. E que Mancini ficou tão incomodado que bateu a mão na mesa. Ora, isso é coisa que se diga diante de tantos homens importantes?

Magnólia mexeu o chá com a colherinha, voz baixa mas firme:

— Justamente por isso disse.

Beatrice arregalou os olhos, entre o choque e a diversão.

— Então é verdade! Querida, metade da cidade a considera audaciosa demais… e a outra metade está fascinada.

Giovanna pousou a xícara com força controlada.

— Palavras são como joias, Magnólia. Brilham quando usadas na hora certa, mas na hora errada só enfeiam e ridicularizam.

Beatrice, no entanto, soltou um riso leve.

— Ah, senhora Giovanna, permita-me discordar. Ontem sua filha foi mais lembrada que qualquer vestido ou discurso. E, sinceramente, é melhor ser fascinante que invisível.

Magnólia sorriu discretamente. A diferença entre ela e Beatrice estava clara: a amiga via espetáculo; ela via tabuleiro. Ainda assim, deixou que a conversa seguisse entre risos e trivialidades, guardando em silêncio a certeza de que a semente já estava germinando.

Mais tarde, a casa repousava na tranquilidade da tarde. O calor tornava os corredores mais silenciosos, interrompidos apenas pelo som de água despejada em baldes.

Magnólia caminhava em direção ao jardim quando captou risadas abafadas vindas da ala de serviço. O som não era o habitual das queixas ou do cansaço, mas um riso cúmplice, carregado de malícia. Instintivamente, diminuiu o passo, encostou-se à parede e fingiu ajeitar a manga do vestido, enquanto deixava os ouvidos atentos.

— Pensei que fosse só conversa fiada — dizia uma voz entre risos nervosos. — Mas ele me puxou contra a porta e enfiou a mão por baixo da saia. Tremia como menino, mas apertava como homem.

As outras riram abafadas. Uma segunda voz, mais debochada, respondeu:

— Então você não sabe o que é de verdade. O rapaz do estábulo me ergueu como pena e me mordeu o ombro até eu gemer. O cheiro do suor dele grudou em mim até o banho.

A terceira, atrevida, interrompeu com gargalhada curta:

— Homem quando quer não pede licença. Passa a mão como se fosse dono, e a gente só decide se fecha as pernas ou se abre mais.

Houve silêncio chocado e depois mais risadinhas cúmplices. Uma sussurrou, sem fôlego:

— O meu me faz morder o braço pra não gritar. Parece que a casa inteira pode ouvir.

Magnólia ficou estática. As palavras atravessavam seus ouvidos como lâminas em brasa. As faces coraram, a garganta secou, os dedos contraíram-se sobre a seda da saia. Não era apenas o atrevimento das criadas — era a crueza dos detalhes, o retrato vivo de algo que até então só existira em suspiros contidos e no olhar de um estranho na rua.

Ela se afastou lentamente, os passos rápidos para não ser surpreendida, mas a mente permanecia acesa. As risadas e frases ecoavam dentro dela, confundindo-se com o riso insolente do rapaz da taverna, com o olhar que a despira em plena luz do dia. O proibido agora tinha corpo, cheiro, som.

Ao alcançar o jardim, respirou fundo, mas a sensação não se dissipou. Percebeu, com assombro e excitação, que havia cruzado mais uma fronteira invisível. Não poderia mais fingir ignorância: o desejo tinha voz, tinha palavras. E agora morava nela.

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