O NOME E O DESTINO

— Capítulo 4 —

O sol nasceu em Florença trazendo uma claridade suave, quase leitosa, que banhava os telhados em tons dourados. Magnólia abriu os olhos antes que a criada viesse despertá-la; dormira poucas horas, mas não sentia cansaço. O corpo guardava ainda um eco da noite: músculos relaxados demais, como se tivessem conhecido um segredo, e uma vibração discreta que a fazia respirar mais fundo do que o habitual.

Espreguiçou-se lentamente, permitindo-se um suspiro contido, e então chamou pela criada. O ritual da manhã repetia-se com precisão: a bacia de água fresca, o rosto mergulhado na frieza que tentava apagar o calor insistente das faces; depois, o corpete puxado com firmeza, as anáguas, as camadas de tecido que transformavam não apenas a figura, mas a identidade — de moça para dama.

Diante do espelho alto, observava-se como se buscasse falhas: olhos verdes ainda com um brilho diferente, cabelos presos pela criada em ondas bem domadas. Não sorriu; em vez disso, percebeu a respiração mais profunda, o peito subindo e descendo com certa pressa, como se a disciplina da roupa não bastasse para conter o que se passava por dentro.

Quando a porta foi aberta para anunciar o desjejum, compôs-se de imediato. O reflexo no espelho não mostrava a mulher da noite anterior, mas a filha de Arthur e Giovanna, impecável, pronta para o ritual da mesa.

Na sala de refeições, o cenário era o de sempre: Giovanna sentada com o porte impecável, cuidando para que nada destoasse da toalha de linho esticada, e Arthur, absorto no jornal, dobrando as páginas com a paciência de quem mede cada palavra. A porcelana brilhava sob a luz que entrava pela janela, e até o vapor do café parecia parte do ritual.

— Dormiu bem, minha filha? — perguntou Giovanna, servindo-lhe o chá sem desviar os olhos da mesa.

— Dormi, mamãe, embora tenha acordado cedo. — respondeu Magnólia, ajustando-se à cadeira com a graça que lhe fora ensinada.

Arthur pigarreou, e o som grave rompeu a calma controlada da sala. Sorveu um gole de café, pousou a xícara no pires e falou num tom pausado:

— Recebi notícias desagradáveis ontem. Os Tornabuoni estão em situação cada vez pior.

A frase caiu como uma pedra no silêncio. Magnólia ergueu os olhos, mas manteve o rosto composto. Dentro dela, porém, o nome ecoava como sino distante.

Giovanna arqueou uma sobrancelha quase imperceptível. Não corrigiu postura — já não havia nada a corrigir —, mas apertou as mãos sobre o guardanapo em seu colo, gesto que denunciava firmeza.

— Tornabuoni? — disse, num tom seco. — Quando uma família esquece os valores que a sustentam, não tarda a desmoronar. É a consequência natural da falta de disciplina.

Arthur não contestou de imediato. Dobrava o jornal com cuidado, criando linhas retas, como se organizasse o pensamento entre cada dobra. Depois, entrelaçou os dedos sobre a mesa e completou, a voz baixa mas clara:

— Antigo nome, antiga riqueza. Mas terras hipotecadas, dívidas em várias casas de crédito, negócios mal conduzidos. Não passa um mês sem que corram boatos sobre desordem dos filhos, gastos supérfluos e hábitos condenáveis. É uma pena ver o prestígio se perder assim.

Magnólia mexia o chá com lentidão. O tilintar da colher contra a porcelana era o único som, disfarçando o tremor leve de seus dedos. O calor subia-lhe à nuca, mas o rosto continuava sereno. Cada palavra do pai entrava como pista, como chave: o rapaz da rua tinha um nome, um peso, uma história maior que o acaso.

Giovanna suspirou, ajeitando o guardanapo com firmeza.

— Famílias assim trazem apenas má reputação. E a reputação, Arthur, é o que sustenta qualquer casa honrada. Espero que não se cogite aproximação alguma.

Arthur recostou-se levemente, e um sorriso breve — quase irônico — lhe escapou antes de ser contido.

— O mundo não é feito apenas de reputação, Giovanna. Às vezes, alianças improváveis trazem benefícios que ninguém imagina.

O silêncio que se seguiu foi espesso, cheio do tique-taque distante do relógio e do som abafado de talheres na cozinha. Giovanna ergueu o olhar com frieza, mas nada disse. Magnólia baixou os olhos, fingindo atenção ao chá. Por dentro, sabia que aquele silêncio era uma fresta, pequena mas real.

O resto da manhã seguiu em rotinas ensaiadas, embora para Magnólia nada fosse igual.

Sentou-se ao piano, e as notas ecoaram leves pelo salão. Mas a cada escala sentia os dedos tremerem como se ainda guardassem a lembrança da noite passada. O som era disciplinado, mas dentro dela havia dissonância: cada acorde trazia o rosto insolente de volta, como se a música fosse apenas disfarce para um corpo que já não obedecia. Giovanna passou pelo salão e corrigiu-lhe a postura dos ombros, sem perceber que o erro não estava nas costas, mas na mente distante.

Depois, veio a aula de canto. O mestre, um senhor baixo e paciente, pedia que ela respirasse fundo para sustentar as notas. Magnólia obedeceu, mas o simples ato de encher os pulmões fazia-a lembrar do calor da noite anterior, do peito que subia e descia em outro ritmo. Escondeu o rubor inclinando o rosto para a partitura.

A tarde avançava, e Giovanna a conduziu ao quarto de costura. O bordado esperava em bastidores de madeira, linhas coloridas repousando como pequenos rios sobre a mesa. Magnólia segurava a agulha com leveza, mas sua mente divagava. O fio escapou-lhe duas vezes, e Giovanna, com voz firme, advertiu:

— Concentração, minha filha. Até no detalhe se revela caráter.

Magnólia baixou os olhos e recompos o gesto, mas por dentro sorria: não era distração, era excesso de lembranças.

Mais tarde, a inspeção da casa incluiu verificar tecidos recém-entregues de uma modista e avaliar se as criadas haviam dobrado corretamente as roupas de linho. Giovanna fazia cada pergunta como quem comandava um batalhão, e Magnólia respondia com educação impecável, mas o pensamento estava longe, dividido entre as palavras do pai e a frase atrevida da rua.

No meio da manhã, a tia materna surgiu sem aviso. Entrou arrastando um xale sobre os ombros e resmungando sobre as dores no joelho, sobre o padeiro que já não assava o pão como antigamente e sobre como a cidade estava “cheia de moços vadios”. Giovanna recebeu-a com sorriso protocolar, Arthur retirou-se discretamente, e Magnólia permaneceu ao lado da mãe, ouvindo em silêncio. Cada queixa da tia parecia arrastar o tempo, mas o pensamento de Magnólia corria veloz, sempre de volta ao nome que agora lhe ardia como segredo.

À tarde, buscou refúgio no jardim. O sol aquecia as pedras e fazia o ar vibrar com o perfume das flores. O canto distante de um pássaro se misturava ao zumbido preguiçoso de abelhas entre as pétalas. Magnólia sentou-se sob a sombra de uma magnólia, a saia espalhada como ondas de tecido sobre o banco de ferro. O calor atravessava o tecido e chegava à pele, lembrando-lhe da noite anterior como um segredo partilhado com o próprio corpo.

Ficou a observar as pétalas que caíam lentamente, como se o tempo tivesse abrandado apenas para ela. Inspirou fundo, e o perfume adocicado da flor trouxe-lhe uma calma estranha — calma que escondia agitação.

Não era só a ruína dos Tornabuoni que lhe ocupava o pensamento. Era ele. Desde que seus olhos a atravessaram na rua, soubera, em seu íntimo, que o queria. Não sabia o nome, apenas o sobrenome, mas isso bastava. O desejo nascera primeiro, como um incêndio súbito; a razão vinha depois, tentando dar forma a esse fogo.

Seu pai dissera que os Tornabuoni estavam em queda, mas ainda carregavam um nome antigo. E se pudesse ser a ponte entre prestígio e decadência? Não seria apenas estratégia: seria o caminho para aproximar-se dele sem que ninguém percebesse o verdadeiro motivo.

As ideias começaram a alinhar-se como peças de tabuleiro. Imaginou as palavras certas, ditas na hora certa, deslizando como agulha que prende um tecido. Viu-se usando sua docilidade como véu, sua razão como lâmina oculta. Mas, por baixo, sabia a verdade: toda ambição nascia daquela centelha íntima, daquele olhar insolente que a desarmara.

Ali, sob a magnólia, compreendeu que já não bastava sonhar. O destino lhe mostrara o caminho — e ela estava disposta a conduzir cada passo com paciência.

Quando voltou para dentro, o crepúsculo já tingia o céu em laranja e púrpura. A sala de jantar estava iluminada por um lustre discreto, e a prata refletia a chama das velas. Arthur falava pouco, mas o olhar se fixava no futuro, sempre avaliando negócios e alianças; Giovanna, como sempre, cuidava para que a conversa não saísse dos trilhos da elegância, corrigindo modos e comentando vestidos, vozes e aparências.

Magnólia mantinha-se em silêncio, observando. Percebia a distância entre eles como quem observa duas margens opostas: de um lado, o cálculo frio do pai; do outro, a moral rígida da mãe. E no espaço entre ambos, um vazio. Um vazio que podia ser preenchido — se soubesse escolher as palavras certas.

A comida tinha sabor neutro, mas para ela cada gesto carregava sentido: a forma como Arthur tocava no cálice, pensativo; como Giovanna ajeitava o guardanapo com precisão quase militar. Era como se a mesa fosse um tabuleiro, e cada um ali uma peça em posição de defesa.

Magnólia apertou o guardanapo com firmeza, sentindo a trama do linho contra a pele. Não deixou transparecer nada, mas por dentro sua mente trabalhava.

Mais tarde, ao recolher-se, parou diante do espelho. Não procurou os olhos, nem os lábios; olhou o conjunto: a imagem da filha impecável, a postura sem falha, o cabelo bem domado. Viu ali a máscara perfeita. E pensou que, se aprendesse a mover essa máscara como peça, poderia guiar o pai sem que ele percebesse.

Respirou fundo, tocou os lábios com a ponta dos dedos, mas não havia sorriso. Apenas silêncio. O destino exigia paciência, e paciência era também uma forma de poder.

Deitou-se devagar, deixando que a escuridão a envolvesse. Já não era apenas a filha obediente: era uma jogadora silenciosa à mesa da própria vida.

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