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O JANTAR DAS INTENÇÕES

— Capítulo 5 —

A quinta-feira amanheceu carregada de expectativa. Desde cedo, a casa fervilhava como se fosse um organismo vivo. Na cozinha, o cheiro forte de carnes assadas misturava-se ao perfume adocicado das sobremesas em preparo; o cozinheiro, suado, brandia a colher de pau como se fosse um cetro, distribuindo ordens mais rápidas que o tilintar das panelas. Criadas corriam pelos corredores com travessas fumegantes, toalhas recém-passadas e arranjos de flores ainda úmidos do orvalho.

Giovanna surgia em cada cômodo como sombra exigente: testava o brilho da prata contra a luz da vela, endireitava quadros já alinhados, avaliava o frescor dos buquês. Cada gesto era afiado como lâmina — nada escapava ao seu olhar.

Magnólia observava em silêncio, mas não era a mesma passividade de antes. O vestido de seda clara moldava-lhe a cintura, as luvas rendadas aguardavam sobre a penteadeira, e o colar de pérolas, frio contra a pele, parecia vibrar com a respiração. Mais do que bela, sabia que precisava ser impecável. Porém, por trás da calma havia algo mais: o cálculo. Enquanto a casa se preparava para servir aos outros, ela se preparava para mover palavras como peças. Imaginava a mesa como um tabuleiro, e naquela noite pretendia colocar a primeira pedra.

Ao cair da noite, as carruagens começaram a alinhar-se diante do portão da casa. O som ritmado dos cascos misturava-se ao repicar dos sinos, compondo uma melodia grave que parecia anunciar a solenidade da noite. Criados corriam pelo átrio recebendo capas, chapéus e bengalas, enquanto o ar se enchia do perfume de charutos recém-apagados, essências florais e o frio cortante que escapava das ruas.

Vieram primeiro Lorenzo Bellini e sua esposa Constança. O banqueiro trazia a testa larga, os olhos atentos que mediam cada detalhe do ambiente; já a esposa, sorriso doce e calculado, parecia colecionar cumprimentos como quem coleciona joias.

Logo após, surgiu Carlo Mancini, o político, com porte altivo e passos seguros, como se a sala fosse uma tribuna. Sua esposa, elegante e fria, sustentava o olhar como uma espada, e o filho, um rapaz de vinte anos, ostentava presunção em cada gesto, como se já fosse herdeiro não apenas de fortuna, mas de direito sobre os olhares femininos.

As irmãs Spinelli entraram em seguida, com véus discretos e rosários nos pulsos, a devoção cristã estampada no figurino, mas a língua pronta para destilar rumores. Magnólia as observou de relance, lembrando-se de como cada palavra delas se espalhava mais rápido que incenso em igreja.

Por fim, a família Rinaldi, comerciantes de vinho recém-enriquecidos. O patriarca trazia as faces já coradas pelo primeiro gole antes mesmo de atravessar o salão, e seu riso aberto anunciava que a noite para ele seria mais sobre taças que sobre convenções.

Arthur recebeu a todos com a calma habitual, mas seus olhos avaliavam cada convidado com precisão matemática; nenhum gesto era gratuito. Giovanna, ao seu lado, distribuía elogios com sorriso ensaiado, ajustando discretamente detalhes do vestido de uma senhora ou comentando a cor de um chapéu com entusiasmo elegante. Nada escapava ao seu crivo.

Do alto da escada, Magnólia observava. Não era ainda a sua entrada oficial, mas já percebia o peso dos olhares que circulavam pelo salão, as intenções escondidas sob frases educadas. O coração lhe pulsava com expectativa, não de nervosismo, mas de jogo: em breve, ela desceria como quem ocupa uma peça no tabuleiro.

A mesa, iluminada pelos candelabros de prata, parecia um altar erguido à própria sociedade florentina. O brilho das velas refletia no cristal das taças, no metal dos talheres, no esmalte fresco das flores que perfumavam o ar. O tilintar de facas e garfos era acompanhado por vozes que se entrelaçavam em conversas sobre negócios, modas e rumores.

Foi Lorenzo Bellini quem quebrou o tom educado, erguendo os olhos sobre o peixe no prato:

— É curioso como algumas famílias destroem em poucos anos o que levou séculos para erguer.

A frase ficou suspensa, clara demais para ser apenas observação. Carlo Mancini aproveitou a deixa, o olhar duro refletido no vinho:

— A culpa é sempre a mesma: jovens entregues a vícios, pais permissivos, negócios conduzidos sem rigor. Um casco apodrecido faz o navio naufragar mais rápido do que se imagina.

Constança sorriu, mel envenenado escorrendo na voz:

— Ou a ambição desmedida. Quem gasta mais do que possui paga cedo ou tarde.

As irmãs Spinelli suspiraram juntas, em tom quase ensaiado:

— Quando se perde a virtude, até os nomes mais antigos se desfazem como pó.

O patriarca Rinaldi, já corado pelo vinho, riu alto e desmedido:

— Ora, minhas senhoras, não é virtude que paga dívidas. É ouro.

O riso ecoou pela mesa, alguns abafaram sorrisos, outros ergueram sobrancelhas. Arthur ergueu a taça com calma:

— Tradição e fortuna devem andar juntas. Sem honra, a riqueza não vale nada. Mas sem recursos, a honra não se sustenta.

Um murmúrio de aprovação percorreu a sala. Giovanna sorriu satisfeita. Foi nesse silêncio breve que Magnólia respirou fundo, sentiu as mãos firmes demais sobre o guardanapo e, antes que a razão a contivesse, deixou a voz escapar:

— Talvez por isso seja ainda mais admirável quando alguém oferece a mão. A verdadeira força está em sustentar quem vacila.

O ar mudou. Um silêncio espesso percorreu a mesa. Bellini ergueu as sobrancelhas, intrigado. Mancini riu, com desdém:

— Palavras belas, senhorita Magnólia. Mas não se governa um lar, muito menos uma cidade, com sentimentalismos.

Ela ergueu o queixo, o olhar firme atravessando a fumaça das velas:

— Não é sentimentalismo, senhor. É estratégia. Quem ajuda hoje governa amanhã.

A mesa reagiu como se uma nota destoante tivesse rasgado a melodia. O burburinho voltou, desta vez mais baixo, cochichado. Arthur desviou os olhos para a filha, surpresa e orgulho contidos num brilho breve. Giovanna, alarmada, pousou a mão firme no braço da filha:

— Magnólia, por favor. As damas não se envolvem em tais discussões.

— Claro, mamãe. — respondeu ela, baixando os olhos em aparente submissão. Mas por dentro sabia: sua frase ecoaria muito depois que a sobremesa fosse servida.

Quando a noite terminou e os convidados partiram, a casa mergulhou num silêncio diferente, pesado de ecos. Giovanna retirou-se satisfeita, certa de que tudo fora impecável; os criados recolhiam discretamente taças e pratos, abafando os sons. Arthur permaneceu imóvel alguns instantes no salão, mãos atrás das costas, olhar perdido como quem media pensamentos que não podiam ser ditos em voz alta.

Magnólia já subia as escadas quando ouviu a voz grave do pai:

— Magnólia.

O nome ecoou no corredor. Ela parou no meio do degrau, o corpo ereto, as mãos prendendo firme demais a seda da saia para não trair o nervosismo. Voltou-se com graça medida. Arthur aproximou-se devagar, a luz fraca das velas riscando-lhe o rosto. Seus olhos não eram severos, mas pesados, como se buscassem atravessar a superfície e enxergar além.

— Hoje, à mesa… você falou de estratégia. — A pausa foi longa, o silêncio preenchido apenas pelo ranger distante da casa que se acomodava.

— De onde vem esse raciocínio?

Magnólia sustentou o olhar. Sentia a garganta seca, mas a voz saiu firme, clara:

— Do mesmo lugar de onde vêm as suas decisões, papai. Do que se observa em silêncio. Nem toda fraqueza é de fato fraqueza. E nem toda força está onde esperam encontrá-la.

Arthur ficou em silêncio. O rosto permaneceu impassível por alguns segundos, mas então a rigidez cedeu. Um sorriso breve, quase imperceptível, curvou-lhe os lábios — mais gesto de reconhecimento do que de afeto. Assentiu uma vez, lento, como quem aceita algo que ao mesmo tempo surpreende e orgulha.

Magnólia inclinou a cabeça em sinal de respeito e retomou os degraus. Subia não apenas a escada, mas também o primeiro lance de um papel que escolhera para si: já não mais a boneca perfeita da sociedade, mas a filha que aprendera a mover palavras como armas.

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