Quando o cuidado desperta feridas e desejos
AMARO CASSANI Cassani
A luz no quarto privado do hospital era pálida, como se tivesse vergonha de entrar. Preferi isso. Toda exposição me incomoda agora — sempre incomodou, mas hoje a fragilidade que a bala deixou em mim amplificou o incômodo. O corpo doía nos lugares que não doíam antes; a vaidade se espremia atrás de uma sensação de dívida com o tempo que ainda me resta. Senti-me ridículo cobrando o cuidado do mundo, mas havia um homem em mim que teimava em não aceitar passar de ano sem ser visto.
As enfermeiras se revezaram no turno, com aquele ar eficiente e distante. Limparam, ajustaram a medicação, falaram com a voz mansa de quem quer parecer firme. Me ofereceram profissionais, meninas de sorriso decorado, prontas para o protocolo. Rejeitei todas. Queria a Noêmia.
— Não. — falei antes que o enfermeiro terminasse a explicação. — Chame a Noêmia.
O nome saiu de mim como um comando; tinha nascido de um impulso bruto e de um ego que ainda a