Ximena ValverdeA campainha tocou e eu estranhei. Ninguém costumava aparecer ali sem avisar. Quando olhei pela janela ao lado da porta, vi uma mulher bonita, bem vestida, na faixa dos quarenta e cinco anos, com o cabelo preso num coque impecável, um cigarro entre os dedos e uma expressão de nojo ao olhar em volta.Imediatamente, ao olhá-la de cima a baixo, pois ela estava meio distante da porta, foi como se sobre minha cabeça se acendesse uma lâmpada, com uma memória desagradável: a esposa do senhor Albeniz. A mesma que, meses atrás, escancarou a porta da sala de reuniões da Granafly e me expôs como se eu fosse um troféu barato.Com o estômago revirando só de pensar em ter que olhar na cara dela, pensei que ela poderia ter vindo procurar o Alejandro, mas aí lembrei que ele tinha me dito que não avisou ao pai, nem a essa mulher para onde ia. Sem deixar de mencionar que era horário comercial, ela deveria imaginar que o enteado estaria na empresa, o que me deixou ainda mais curiosa sobre
Alejandro Albeniz Eu adiei demais essa conversa, agora corria o risco dela pensar que só contei porque iria ser descoberto, o que de certa forma, acabava sendo uma verdade, mesmo que eu já tivesse decidido contar a Ximena antes, mas acabei protelando e agora estava com a corda no pescoço.Entrei no quintal da casa e Lito veio feliz me receber, então lhe fiz um carinho, ele estava na sua nova casinha. Quando entrei na sala, vi o compilado de caixas dos utensílios que havíamos comprado e Ximena ao fundo da sala, de pé e feição destruída, olhos vermelhos e inchados, com os cabelos por trás das orelhas. Não queria imaginar o pior, foi só quando vi minhas malas à direita, jogadas ao chão, que confirmei que o que eu mais temia, tinha se concretizado.— Ximena, o que é isso? — perguntei, mesmo já sabendo do que se tratava.— Suas malas, seus utensílios críticos, não está reconhecendo? — mesmo visivelmente triste, ela usou de ironia.— Eu iria te contar, fiquei esperando o melhor momento. Ju
Ximena ValverdeEra inverno, mas a segunda-feira amanheceu abafada, pesada, como se o céu soubesse do que estava por vir. Acordei decidida. O fim de semana tinha servido para muita coisa, inclusive para entender que não podia continuar trabalhando lado a lado com Alejandro. Não depois de tudo o que descobri.Ao sair de casa, coloquei no carro todas as compras que Alejandro havia feito para mim e minha casa, sem nem me importar em arrumar direito. Minha vontade mesmo era de colocar tudo num saco e queimar no quintal, mas isso era pouco. Ele precisava ver com os próprios olhos que não podia me enganar. Não queria nada dele por aqui.Para caber toda a parafernalha elétrica que ele comprou, tive que deitar o banco do Terraco, principalmente as duas lavadoras, fui espremida no banco do motorista, a sorte foi que a marcha desse carro era no volante, senão estaria ferrada, não tinha espaço para nada.Quando cheguei à empresa, estacionei o carro de Alejandro na vaga dele. Uma provocação, talv
Ximena Valverde Eu pensei em passar uns dias na casa dos meus pais, porque talvez lá, Alejandro tivesse um pouco de vergonha de vir atrás de mim. No entanto, ele aprovou minha mudança para o hangar de voos fretados, e melhor do que ele me incomodar no meu trabalho, era ele vir aqui em casa e a gente pôr uma pedra no assunto. Quero dizer, uma pedra no nosso relacionamento, porque o assunto ia demorar muito para ser encerrado.E como era de se esperar, um barulho de chaves me chamou a atenção e fui verificar. Alejandro estava entrando na minha sala, mas eu não queria brigar. — Desculpa ter entrado, seu pai disse que iria trocar a fechadura, mas você não o fez, então… — ele pareceu sem graça ao notar minha presença assim, logo de cara.— Eu estava na Granafly quando o chaveiro apareceu. Ele ficou de voltar à tarde, mas até agora não veio. — respondi secamente. — Não precisa, vou deixar as chaves que você me deu aqui, e fica tranquila que não fiz cópia.— Está bem, é só isso?— Não. Ta
Ximena ValverdeAinda era cedo quando a campainha tocou. De pijama e com os cabelos presos em um coque frouxo, caminhei até a porta com certa estranheza. Não esperava ninguém, muito menos a essa hora da manhã. Ao abrir, dei de cara com um entregador uniformizado, segurando uma caixa grande com o selo da Granafly estampado na lateral.— Para a senhorita Ximena Valverde. — disse ele, me entregando a encomenda.Mesmo achando isso estranho, recebi e assinei o recebimento com uma pontada de curiosidade. Estava se aproximando o Dia do Trabalhador, talvez a empresa estivesse distribuindo brindes comemorativos, o que seria bem comum. Devolvi um sorriso simpático ao rapaz, agradeci e fechei a porta, levando a caixa até a mesa da sala.O pacote era maior do que eu imaginava e pesado demais para ser apenas uma lembrancinha, com algo sólido dentro. Talvez uma peça decorativa, uma porcelana ou até mesmo um kit de escritório. Com cuidado, fui até a cozinha pegar uma faca, cortei a fita adesiva do t
Alejandro Albeniz Ximena chorou muito até soluçar abraçada a mim, com a cabeça recostada no meu ombro e eu afagava os seus cabelos desgrenhados. Não tinha muito o que fazer, a não ser envolvê-la em meus braços e tentar passar um pouco de conforto.Apesar de que precisava entender o que se passava ali, tinha algo estranho envolvendo a minha vida e a da Ximena, eu não queria parecer um louco conspirador, mas esse desaparecimento do Lito e o animalzinho aparecer morto, não parecia natural, como muitas outras coisas. Ximena me falou que ela se distraiu no dia em que ela quase foi atropelada, no entanto, não via firmeza em suas palavras, era hora de parar de pensar que tudo isso era uma infeliz coincidência e procurar ajuda especializada.Ela pediu que eu aguardasse um minuto e foi para dentro do banheiro, pelo barulho da água caindo, devia estar tomando banho. Tinha certas horas que a água batendo no corpo nos relaxava, devia ser essa meditação que ela fazia. O senhor Pedro não estava e
Ximena ValverdeO senhor Pedro, meu pai, parecia mais o grilo falante da minha consciência naquele instante. De braços cruzados, apoiado no batente da porta, ele me fitava com aquele olhar carregado de decepção e paciência, o que de certa forma me irritava ainda mais.— Você está sendo injusta, Ximena. — disse ele, com aquela calma impressionante que só meu pai tinha em momentos como esse, mas com uma firmeza que pesava mais do que qualquer grito.Senti minha garganta secar. Fechei os olhos com força, apertando as mãos contra as laterais da coxa. Não queria ouvir aquilo. Não queria admitir que ele estava certo. Eu já carregava culpa suficiente para me consumir, não precisava que ele esfregasse isso na minha cara.— Você disse coisas horríveis para ele. — continuou meu pai, com aquela voz grave que parecia ecoar dentro de mim. — E pior ainda, coisas que nem você acredita de verdade.Abri os olhos de novo, forçando-me a encará-lo, mas era difícil. Cada palavra dele era uma agulha penetr
Alejandro Albeniz Quando saímos do tribunal, o calor sufocante do início da tarde parecia não me atingir. Meu corpo todo vibrava de uma energia diferente — não era apenas o alívio da absolvição, era algo mais, algo que vinha da mulher ao meu lado, segurando minha mão com tanta força quanto eu segurava a dela.Paramos no estacionamento e eu olhei em volta, meio perdido.— Vim de carona com o Sepúlveda... — murmurei, coçando a nuca.Antes que eu pudesse pensar em qualquer solução, ela balançou as chaves diante dos meus olhos, sorrindo com timidez.— Vim com o carro que você me deu.O impacto dessas palavras me atingiu como um soco no estômago. Um soco bom, cheio de esperança.Ela não precisava dizer mais nada. Estava ali. De verdade. Comigo.Sem conter o impulso, segurei seu rosto entre as mãos e murmurei, quase em reverência:— Você veio no carro que eu te dei… Ela sorriu. Aquele sorriso. O sorriso que eu achava que nunca mais veria.— Sim. E dessa vez, estou aqui de corpo e alma. —