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Capítulo 6- A casa ainda lembra de tudo.

Ariana achou que estava pronta.

Mas ninguém nunca está realmente pronto para revisitar o lugar onde deixou a própria infância e parte do próprio coração. Depois do café da manhã e da conversa atravessada com Amanda, ela tomou coragem.

Disse para a equipe que precisava dar uma passada em “um lugar especial”.

Samuel, atento demais, só respondeu:

— Se quiser companhia, eu vou.

— Não precisa — ela disse, firme demais para quem estava desmoronando por dentro.

Ele respeitou.

Mas não tirou os olhos dela até ela virar a esquina.

Quando Ariana sumiu da vista, Livia apareceu atrás dele, com os braços cruzados e a sobrancelha arqueada como uma mãe avaliando o genro potencial.

— Tá… e qual é a sua intenção com a minha amiga?

Samuel deu um sorriso torto.

— Ih, começou o interrogatório.

— Começou e não vai terminar enquanto você não responder — ela rebateu. — A Ari já sofreu demais com macho sem noção. Então, fala aí.

Ele olhou para o chão, coçou a nuca, e quando ergueu o rosto, o sorriso galã tinha sumido.

— Sabe… — começou, a voz mais baixa. — Depois que minha noiva morreu, eu achei que nunca mais ia sentir nada por ninguém.

Livia, que falava pelos cotovelos, ficou quieta.

— Eu me escondi no trabalho — ele continuou. — Gravar, editar, viajar… qualquer coisa pra ocupar a cabeça. Era mais fácil viver assim. Sem criar expectativa, sem criar laço, sem arriscar perder de novo.

Ele respirou fundo.

— Mas aí eu vi a Ariana entrando saguão do aeroporto. E… não sei explicar. Ela tem o mesmo ar dela.

A mesma segurança.

A mesma força.

O mesmo “eu aguento o mundo” nos olhos.

Os olhos de Samuel ficaram úmidos — mas ninguém ousaria dizer isso alto.

— Quando ela olhou pra mim… o meu coração bateu. De verdade. Depois de anos. Não é amor — ainda não — mas é… é o começo. O recomeço que eu nem sabia que precisava.

Um silêncio pesado e bonito se instalou.

Até que Samuel deu uma risadinha e destruiu a própria vulnerabilidade em três segundos:

— E vamo combinar, né Ju? A mulher é gostosa pra caramba. Que homem não vai olhar?

Livia estalou a língua, rindo.

— Ahhh, aí está você.

O galã safado que eu conheço. Por 3 segundo achei que você era um homem sensível!

— Que homem sensível? — ele brincou, já voltando ao personagem. — Não vi nenhum. Se tu achar um por aí, me apresenta que eu aprendo com ele.

Eles riram juntos, cúmplices.

— Mas falando sério — Livia ajeitou o cabelo como quem tomava uma decisão — vocês dois precisam um do outro. A Ari precisa descobri o amor real na vida dela. E você precisa de um amor que cure.

Samuel fingiu não ouvir.

— Partiu arrumar equipamento? — desviou, pegando a câmera.

— Partiu — disse ela.

Mas por dentro, já planejava:
Eu vou dar um empurrãozinho nesses dois. Hoje mesmo.

Livia foi repassar o roteiro enquanto a amiga não voltava…

e enquanto isso, Ariana caminhava sozinha em direção ao passado.

A estrada de terra parecia menor do que ela lembrava.

Ou talvez fosse Ariana quem tinha crescido demais para caber ali.

A cada passo, uma lembrança se mexia dentro dela — não como um flash, mas como um toque, um cheiro, uma música antiga sendo tocada no fundo do peito.

Quando finalmente parou diante da casa, o ar saiu dos seus pulmões.

A pintura era outra, um azul mais claro.

O portão havia sido trocado.

Havia até um pequeno jardim que não existia antes.

Mas o formato…

A varanda…

A janela da sala…

Era tudo igual.

Ariana ficou ali, imóvel, por longos segundos.

Até que a porta se abriu.

— Meu Deus… Ariana Luna? — disse uma voz emocionada.

Ela piscou, surpresa.

Era dona Iracema, vizinha de porta por toda a infância.

A mesma que costurava roupas para a mãe dela.

A mesma que levava bolo de macaxeira quando o pai chegava de viagem.

A mulher agora tinha o cabelo completamente branco e usava um vestido estampado, mas o sorriso era o mesmo.

— Eu sabia que era você — disse dona Iracema, levando a mão ao peito. — A menina Luna… cresceu. — Os olhos marejaram. — Você quer entrar? Essa casa sempre foi um pouco sua.

Ariana hesitou, mas o coração respondeu antes da razão.

— Quero.

Dona Iracema abriu espaço e Ariana entrou.

O cheiro mudou, mas o ar… o ar era igual.

Era o cheiro de lembrança, de vida antiga, de histórias guardadas.

A sala parecia menor.

Ou era ela que lembrava tudo maior, porque era criança?

Ariana tocou a parede da direita.

A mesma parede onde o pai batia os dedos indicando o ritmo quando cantava para as meninas dormirem.

Ela fechou os olhos e quase ouviu.

— Você quer ver o quarto? — perguntou a mulher.

A Ariana assentiu.

Subiram os três degrauzinhos que davam para o corredor estreito.

Dona Iracema abriu a porta do antigo quarto das irmãs.

Era agora o quarto de uma criança pequena, mas, de alguma forma, ainda carregava ecos do passado.

Ariana deu um passo para dentro.

Ali, naquele cantinho ao lado da janela…

foi onde ela chorou pela primeira vez depois da morte do pai.

E ali, encostada na mesma janela…

foi onde Eduardo segurou sua mão pela primeira vez.

Uma onda quente subiu pelo corpo dela.

E então a memória veio inteira, viva, pulsante — como se estivesse acontecendo naquele exato momento.

Ariana tinha quinze anos.

Eduardo, dezessete.

Ela estava empacotando as últimas coisas quando ele apareceu na janela, como sempre fazia. Só que naquela tarde, ele não tinha o sorriso fácil de sempre.

— Então… você vai mesmo — ele disse, voz embargada.

Ariana assentiu, tentando parecer forte.

Mas os olhos já brilhavam.

— É o melhor pra gente. Minha mãe… a gente precisa disso.

— Eu sei — ele sussurrou. — Mas… você podia ficar só mais um dia. Só hoje.

Ela riu sem humor.

— Se eu ficar hoje… nunca vou conseguir ir embora.

Eduardo passou as mãos pelos cabelos, nervoso.

Aproximou-se.

— Ariana… eu descobri uma coisa.

Ela engoliu em seco.

— O quê?

Ele tocou o rosto dela com as duas mãos — e foi como se o mundo inteiro parasse.

— Você não é só minha amiga.

Não é minha irmã de criação.

Não é parte da minha rotina.

Você é meu amor.

A frase atingiu Ariana como fogo.

Ela abriu a boca para responder, mas Eduardo não esperou.

O beijo aconteceu ali, no quarto pequeno com a janela aberta.

Foi macio.

Quente.

Profundo demais para a idade.

Um beijo de alma.

As mãos dele tremeram na cintura dela.

As dela tremeram no peito dele.

O mundo derreteu.

O tempo sumiu.

Quando se afastou, ele encostou a testa na dela e sussurrou:

— Eu vou esperar você voltar.

Ariana sorriu, chorando.

— Eu vou voltar.

Visão de Eduardo- O dia do Beijo

Eduardo acordou antes do sol. Não foi um despertar brusco, mas aquele tipo de vigília inquieta que parecia acompanhá-lo há dias — desde que Ariana anunciara que iria embora. Ele sentou na cama e ficou olhando para o teto, com a sensação familiar de que algo estava prestes a escapar das mãos dele. Algo que ele nem sabia que estava tentando segurar.

A casa estava silenciosa. E, naquele silêncio, tudo que ele vinha evitando pensar se tornou impossível de ignorar.

Ariana ia embora.

Ele passou a mão no rosto, como se pudesse empurrar para longe a estranha dor que estava crescendo no peito. Mas não dava para empurrar. Era ali. Era real.

E fazia dias que vinha crescendo.

Ele se levantou, abriu a janela, e o ar da manhã entrou gelado, trazendo um cheiro úmido, familiar, como se fosse feito de lembranças. E elas vieram — todas — como se alguém tivesse aberto uma torneira escondida dentro dele.

Ariana aos quatro anos, com joelhos ralados.

Ariana correndo atrás dele na pracinha.

Ariana escondida atrás dele quando o inspetor da escola brigava com ela

Ariana rindo, sempre rindo, como se o mundo fosse pequeno demais para caber a alegria dela.

Ariana chorando escondido quando perdeu a avó, e ele sendo o único que sabia.

Ariana falando dos sonhos dela, dos medos, do futuro.

Ariana. Sempre ela.

Era como se cada lembrança da vida dele tivesse um fio que levava diretamente a ela.

E foi então que ele entendeu.

Aquilo não era apenas amizade. Nunca tinha sido.

Ele a amava.

De um jeito que assustava.

De um jeito que parecia sempre ter existido, só estava esperando o momento certo para ser percebido.

E o momento certo era aquele — ou nunca seria.

Ele sentiu o coração acelerar, como se o corpo inteiro estivesse tentando empurrá-lo pra frente.

Se ela for embora sem saber… eu nunca vou me perdoar.

Ele começou a andar pela casa como se estivesse sendo puxado por uma força invisível. Cada passo parecia decidido antes mesmo de ele pensar. Colocou a jaqueta, ainda com as mãos trêmulas. Olhou o relógio, ainda era muito cedo.  Ele iria assim que ficasse claro.

Não dava pra esperar.

Desceu as escadas quase correndo, o peito comprimido, uma urgência estúpida, desesperada, mas, ao mesmo tempo… clara. Pela primeira vez em muito tempo, tudo fazia sentido. Ele precisava dizer. Precisava pelo menos tentar. Porque, se não tentasse, passaria o resto da vida se perguntando o que teria acontecido.

E aquela pergunta era grande demais para carregar sozinho.

Antes de sair pela porta, parou por um instante. Respirou fundo, como se estivesse prestes a mergulhar num mar muito profundo.

É agora — murmurou, quase sem voz.

E então foi atrás dela.

O resto — o encontro, o beijo, o turbilhão — o futuro trataria de resolver.

Mas naquele instante, naquele dia, naquele fôlego…

Eduardo só sabia de uma coisa:

Ele a amava. E não podia deixá-la ir sem saber disso.

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