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Capítulo 5- O Amanhecer que ela não pediu

Ariana não dormiu.

Não pregou um único minuto.

O colchão rangia, o ar-condicionado fazia um barulho irregular, e o calor úmido se infiltrava pelos lençóis como uma memória antiga. Mas nada disso era o real motivo.

Era Carapá.

O cheiro, o som, as lembranças roçando nela como folhas contra a pele.

Às cinco e meia, quando o céu apenas começava a clarear, ela desistiu.

Vestiu um short, uma blusa leve e saiu sem fazer ruído — Lívia dormia como quem estivesse em coma clínico. O resto da equipe provavelmente só acordaria perto das oito.

Lá fora, a cidade ainda despertava devagar.

Carapá ao amanhecer era mágica.

O cheiro de terra molhada.

O canto das ararinhas.

A névoa fina sobre o rio, como um véu.

E o sol nascendo lento, dourando as casinhas de madeira.

Ariana caminhou pelas ruas estreitas, tentando reconhecer o que era igual e o que havia mudado.

Passou pela casa onde morou, hoje com outra pintura, outro portão.

Mas, ainda assim, era a mesma varanda onde ela, a irmã Julia e a mãe riam enquanto descascavam andiroba para secar ao sol.

A mesma porta onde o pai chegava das viagens com presentes, e onde ela é Eduardo ficavam horas a fio conversando e ouvindo música no walkman dele. Cheiro de rio e de saudade misturados.

Um aperto tomou o peito.

Seguiu pela ruazinha principal, onde agora havia mais comércios.

A antiga mercearia virou uma lojinha de artesanato, com plaquinhas vendendo sabonetes de andiroba para turistas.

A escola… ah, a escola.

O portão seguia azul, a quadra ainda descoberta — mas o muro estava mais alto, as janelas tinham grades novas.

Ela passou pelos fundos da escola, onde antes havia um campinho.

Hoje era um campo oficial, com duas traves reforçadas e arquibancadinha improvisada.

Tudo igual. Tudo diferente.

Ariana mergulhou nas lembranças.

Até que uma voz conhecida rompeu o ar:

— Ariana? Menina, é você?!

Ela virou-se.

Era dona Miriam, tia de Eduardo e esposa do tio de Ariana, que falecera pouco depois das meninas partirem de Carapá.

A mulher parecia mais velha, claro, mas o sorriso era o mesmo, largo e acolhedor.

— Meu Deus, eu não acredito! — exclamou dona Miriam, segurando as duas mãos de Ariana. — Você tá uma moça linda! Quanto tempo! Sua mãe deve estar orgulhosa demais de você!

— Ai, tia Miriam… — Ariana sorriu de verdade pela primeira vez desde que chegara. — Que saudade.

Elas se abraçaram forte, como se anos pudessem ser costurados naqueles segundos.

— E o Eduardo? — perguntou Ariana, antes que pudesse evitar. A pergunta escapou sozinha, mais do coração que da boca.

Dona Miriam iluminou-se.

— Ah, o Eduardo está muito bem, graças a Deus! Casou, sabia?

Casou com a Bianca, prima da Amanda. Tiveram um casal de gêmeos, coisa mais linda. Ele agora mora em Manaus, é advogado — muito bem-sucedido, viu? Mas sempre aparece por aqui. Sempre.

Ariana engoliu seco.

Casado.

Filhos.

Advogado.

Era muita informação de uma vez.

Mas Miriam continuou:

— Ele vai ficar tão feliz de saber que você está na cidade! Você sempre foi muito querida por ele, viu? Sempre.

A frase ardeu. Como uma brasa guardada por anos que voltou a acender.

Mas dona Miriam, tagarela continuo a falar:

— E sua mãe, e Julinha? A gente perdeu contato quando meu marido faleceu — continuou a tia. — Mas que bom te ver aqui! E você veio a passeio, o que te trouxe de volta?

Ariana contou que a mãe agora morava fora do país com sua irmã e o marido, que já era avó do pequeno Rael e que todos estavam bem .

Passaram um tempinho colocando o papo em dias antes de se despedirem.

- Me dá seu telefone, menina! para a gente não perder mais contato. E vai lá em casa comer um bolo com café e vê suas primas, elas vão ficar feliz demais em te ver.

Ariana estava anotando o número quando ouviu passos rápidos atrás dela.

— Aí está você! — disse Samuel, surgindo com a câmera pendurada no ombro.

Ele sorriu, encantado com o cenário. — Vim ver onde o sol b**e melhor no rio. Mas aí te vi andando sozinha… Achei que fosse perigo deixar você escapar assim.

Dona Miriam arregalou um sorriso ainda maior.

— Olha só, Ariana! Então esse é seu… namorado?

Ariana sufocou um “não!” enquanto Samuel, malandro, abriu o sorriso que só complicava tudo.

— Ainda não — respondeu ele, brincando — mas tô trabalhando nisso.

— Samuel! — Ariana cutucou o braço dele, vermelha.

Samuel rápidamente se apresentou: - Eu sou Samuel, videomaker da equipe da Ari, e a senhora sorridente que é?

Ariana respondeu:

- Essa é a tia Miriam, cunhada da minha mãe, ela foi casada com meu tio.

Dona Miriam ficou encantada com Samuel!

— Ah, então vocês são apaixonadinhos — concluiu dona Miriam, feliz da vida.

- Ari, você sempre teve bom gosto para meninos, desde nova, primeiro o Eduardo, que é muito lindo, e agora esse rapaz que parece ator de novela, falou rindo.

- Tia, não fala besteira! Ariana repreendeu, eu e o Eduardo sempre fomos amigos e eu e o Samuel também somos apenas amigos tá!

Ariana fechou os olhos por um segundo.

Segunda confusão em menos de vinte e quatro horas.

E, claro, a tia ia ser justamente a pessoa a criar a fofoca mais perfeita para irritar o universo inteiro.

Samuel riu baixinho, sussurrando:

— Relaxa. Quando a fofoca se espalhar, a gente administra.

— Eu não quero administrar fofoca nenhuma — ela retrucou.

— Mas eu quero — disse ele, com um brilho no olhar que não ajudava em nada.

Dona Miriam se despediu, mas antes repetiu:

— Vou avisar o Eduardo que você está aqui. Ele vai amar!

E me liga, viu? Não some de novo!

Quando ela desapareceu na rua, Ariana soltou o ar, como se tivesse segurado por tempo demais.

— Tá bem? — perguntou Samuel.

— Tô — mentiu. — Só… muitos fantasmas antes das oito da manhã.

— Sabia que eu me formei secretamente no esquadrão dos caça fantasmas — disse ele, gentil.

Ariana sorriu, apesar de tudo.

Carapá estava viva.

E parecia determinada a remexer tudo — absolutamente tudo — dentro dela.

- Me mostra os lugares bons da cidade? disse Samuel. Preciso achar bons lugares para as nossas gravações.

- Vamos, aqui tem um lugar de cachoeira maravilhoso, você vai amar.

Ariana saiu para mostrar os lugares para Samuel, e eles tiveram algumas horas bem divertidas juntos, enquanto decidiam onde iam fazer as gravações.

A cidade ainda estava adormecida, então a Ari não encontrou tantas pessoas, para sua sorte, pois mais gente podia entender a relação dela com o Samuel errada. E isso era a última coisa que ela queria.

Mas, ao mesmo tempo, ela não parava de lembrar, casado, filhos gêmeos, feliz...

Porque mesmo ela tava se preocupando, como após 20 anos ela era tão boba e achou que ele ia estar lá esperando ela, eles eram crianças...

Por volta das 07:30, Ariana e Samuel voltaram para a pousada, o sol já tinha rompido as nuvens com força, iluminando Carapá como se quisesse revelar até os segredos enterrados na lama do rio.

Ariana e Samuel subiam a pequena escadinha da entrada quando a porta da recepção se abriu com um rangido dramático — quase teatral.

E lá estava Amanda. Com os cabelos mal pintados de loiro, uma camiseta larga escrita "Gratidão" e um short que parecia ter sobrevivido a cinco gravidezes.

Ela carregava um balde com cheiro forte de desinfetante, provavelmente limpando a recepção desde antes do sol nascer, ou fingindo que limpava para parecer ocupada.

Assim que viu os dois juntos, lado a lado, ainda meio rindo da confusão com dona Miriam, Amanda ergueu uma sobrancelha fina demais para o próprio rosto.

Bom dia, pombinhos.

Um sorriso venenoso esticou a boca dela. — Acordados tão cedo… que prodígio.

Ariana travou a respiração por meio segundo.

Samuel abriu o sorriso torto, pronto para entrar na brincadeira, mas ela o beliscou discretamente no braço, implorando para que ele não piorasse a situação.

— Bom dia, Amanda — disse Ariana, forçando educação. — Eu só saí um pouco. Fui… rever alguns lugares.

Um silêncio curto, tomou conta do lugar... Ariana logo tratou de mudar o assunto.


— Encontrei a tia Miriam.

Amanda bateu a língua no céu da boca.

— Ah, a Miriam.

Ela suspirou teatralmente, apoiando o balde no chão.

— Vive na igreja agora. Sabe como é… depois que a Bianca foi pra Manaus estudar, ela ficou cuidando de tudo sozinha. Antes, Bianca ajudava. Tão prendada, aquela menina. Sempre foi. — O sorriso dela cresceu, malicioso. — Daí ela e o Eduardo foram para a capital, ficaram lá um tempo, ela engravidou… pronto. Casaram. Uma benção. Aquele casal é feliz demais. De dar até gosto de ver.

Ariana sentiu a frase atravessar como espinho.

Mas manteve o rosto neutro.

Treinamento de anos.

Amanda, vendo que não tinha conseguido derrubar a fachada da “nova Ariana”, decidiu ir além — como sempre fazia nos tempos da escola.

— E os filhos deles… nossa, que perfeição! Uma menina e um menino. Lindos, educados, inteligentes. — Ela empinou o queixo. — Mas claro,  os meus também são uma benção. Tenho orgulho dos meus cinco.

Ela piscou, falsa.


— É tão bom ter família, né? Ocupa a gente. Dá um propósito. Mas claro que nem todo mundo quer… ou consegue.


O olhar dela deslizou por Ariana de cima a baixo.

— Ainda mais quando a pessoa já tá… mais velha. Aí fica difícil arrumar alguém pra casar, né? E ter filho então…

Ariana sentiu o estômago virar.

E antes que ela respondesse — Samuel entrou na conversa como uma panela de pressão estourando.

Graças a Deus, né? — ele soltou, com um sorriso tão doce que doía. — Porque se a Ariana tivesse cinco filhos agora, ia estar exausta, cheia de olheiras

Fez um gesto com a mão, apontando semicirculares sob os próprios olhos.

— E talvez até um pouco amargurada, sabe? Igual algumas pessoas que eu conheço.

O silêncio caiu pesado como uma telha despencando.

Amanda arregalou os olhos, chocada.

A boca abriu um pouco, mas nenhuma palavra saiu.

Samuel então pegou delicadamente a mão de Ariana — como se tivesse o direito. Como se fosse natural. Como se a cena de novela fosse dele mesmo.

— A Ari é focada.

A voz dele saiu firme.

— Trabalha duro. Viaja. Faz coisas grandes. Não tem tempo pra carregar balde de limpeza às sete da manhã. E não precisa se explicar pra ninguém.

Ele inclinou a cabeça, educado.

— Bom dia, Amanda.

E puxou Ariana para fora da recepção antes que ela explodisse ou chorasse.

Talvez as duas coisas.

Lá fora, a brisa matinal bateu no rosto dela, fria e doce ao mesmo tempo.

Samuel soltou a mão dela devagar, mas não recuou.

— Desculpa — ele disse, mas o sorriso era orgulhoso. — Ela merecia.

Ariana sentiu o coração bater forte de um jeito novo.

Não era amor.

Não era paixão.

Era… alívio.

Era alguém finalmente ficando do lado dela.

— Obrigada — ela disse, respirando fundo.

Samuel deu aquele sorriso que sempre parecia esconder algo.

— Qualquer coisa, Ari… eu tô aqui.

E pela primeira vez desde que chegou a Carapá, Ariana sentiu que talvez não estivesse tão sozinha quanto imaginou.

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