Mundo de ficçãoIniciar sessão
O sol ainda mal tinha subido quando Júlia Alves abriu os olhos, mas seu coração já estava acelerado — daquele jeito gostoso que só dias muito especiais conseguem provocar. Era o dia. O dia em que ela e o noivo finalmente iriam ao cartório assinar seus nomes lado a lado. Nada de festa, nada de cerimônia grandiosa. Só os dois e um começo simples, leve… do jeitinho que ela sempre sonhou.
Ela ficou ali por alguns segundos, espremendo o rosto contra o travesseiro, como se quisesse guardar aquele instante para sempre. O quarto ainda estava meio escuro, silencioso, mas Júlia sentia tudo vibrando de expectativa por dentro.
O celular vibrou na mesinha.
“Acordei cedo. Passo aí em uma hora ❤️”
Ela sorriu, sentindo o rosto esquentar como se tivesse quinze anos de novo.
“Eu também. Te amo.”
Depois se levantou e foi até a cozinha, preparando café e deixando a mente se encher de pequenos detalhes. O perfume do pão quente, a luz suave entrando pela janela, a playlist tranquila tocando no fundo… tudo parecia mágico. Tudo parecia perfeito.
Até pensar em Helena.
A lembrança veio como um pontinho incômodo.
As duas haviam discutido na noite anterior — algo bobo, mas Helena tinha o dom de transformar coisas pequenas em tempestades emocionais. Júlia suspirou. Ela sabia que a irmã adotiva carregava marcas profundas, inseguranças que nunca verbalizava direito… mas mesmo assim, doía.E, no fundo, Júlia só queria que Helena se sentisse parte. Só isso.
Quando terminou o café, foi se arrumar. Um vestido branco simples, nada exagerado. Olhou-se no espelho e encontrou seus próprios olhos brilhando — nervosos, felizes, esperançosos.
A buzina lá fora a fez sorrir ainda mais.
Desceu animada, quase tropeçando nos próprios pés, e encontrou o noivo encostado no carro, com aquele sorriso torto que sempre a desmontava.
— Pronta? — ele perguntou, abrindo a porta.
— Mais do que pronta.
Mas, antes que Júlia entrasse, uma voz veio de trás:
— Espera! Ei… espera por mim!
Helena desceu correndo a pequena rua, ainda ajeitando o cabelo preso de qualquer jeito. Usava uma blusa simples, rosto sem maquiagem, e parecia ter acabado de acordar.
— O que você está fazendo aqui? — Júlia perguntou, surpresa, mas sem hostilidade.
Helena respirou fundo, nervosa.
Parecia carregar um monte de palavras atrapalhadas tentando sair ao mesmo tempo.— Eu… eu queria ir com vocês. — Seus olhos brilharam por um segundo, inseguros. — Ontem eu falei besteira. Eu sei. Mas você é minha irmã, Júlia. Eu queria estar lá… nem que fosse só pra ver vocês entrarem.
Júlia sentiu o coração amolecer.
Helena sempre escondia seus sentimentos atrás de impulsividade e ironia, mas quando abaixava a guarda… ela era só uma garota tentando pertencer.— Claro que você pode vir — Júlia disse, abrindo a porta de trás. — Vem. Não quero você longe hoje.
O noivo concordou com um sorriso discreto, embora surpreso.
Helena entrou, meio sem jeito, agradecendo em voz baixa.— Eu prometo não atrapalhar — ela murmurou.
— Helena… — Júlia virou no banco, segurando sua mão — você não atrapalha. É da família. Sempre foi.
Helena mordeu o lábio, emocionada, e desviou o olhar. Era o máximo de vulnerabilidade que ela conseguia demonstrar.
Júlia entrou no carro logo depois. Sentou-se, prendeu o cinto, respirou fundo e deixou a felicidade preencher tudo de novo. Tinha sua irmã ali, tinha o homem que amava ao lado, e estava a minutos de começar uma nova vida.
Por alguns quilômetros, o clima foi leve.
Helena fez uma ou outra brincadeira sobre a roupa simples de Júlia, Júlia brincou de volta dizendo que ela parecia ter saído correndo do apocalipse, e o noivo ria das duas como se apreciasse aquele caos familiar.Tudo parecia normal. Tudo parecia certo.
Até que o noivo ficou tenso de repente.
— Segura.
O tom da voz dele mudou.
Júlia abriu os olhos na mesma hora… e viu.Um caminhão.
Vindo rápido demais. Na contramão.O impacto veio como um soco no universo.
O mundo rodou. Vidros estilhaçaram. Helena gritou no banco de trás. O carro rodopiou até parar de forma brutal contra a grade metálica da estrada.O cheiro de gasolina inundou o ar.
Júlia tentou se mexer, mas uma fisgada violenta cortou seu peito. Tudo estava embaralhado — os sons, as luzes, as respirações desesperadas.
Ouviu a voz do noivo primeiro.
— Helena… Helena! Consegue me ouvir?
Ele tentou soltar o cinto, tossindo entre a fumaça.
— Eu vou te tirar daqui, calma — disse, virando-se para trás.
Júlia tentou falar, mas sua voz saiu falha, presa na garganta.
— Eu… eu tô aqui…
Mas ele não a ouviu.
Ou, talvez, não conseguiu.Helena chorava, presa, tremendo.
E ele se virou inteiro para ela.— Fica comigo, tá? Eu te protejo — a voz dele quebrava.
O calor aumentava.
A visão de Júlia ficava turva.
Tudo estava se apagando… quando uma voz que ela não conhecia surgiu próxima, urgente, masculina, firme:
— Ei! Ei! Fica comigo. Não fecha os olhos.
Alguém a puxou com força calculada, braços sólidos envolvendo seu corpo frágil.
Ela tentou focar o rosto dele — não era o do noivo. Era um homem mais velho, desesperado, determinado, com uma expressão que misturava medo e coragem.
— Você vai ficar bem — ele prometeu, carregando-a para longe.
E, segundos depois, o carro explodiu atrás deles, iluminando tudo com uma luz que Júlia não veria acordada.
O mundo escureceu antes que ela pudesse entender quem a salvava.
Quem a segurava como se sua vida importasse.
Como se ela fosse tudo naquele momento.






