- Alguém pode por gentileza, amarrar meu biquíni ? - peço olhando para as minhas amigas que estão tirando uma selfie na sacada do hotel.
- Vira - pede Ayla - Está bom? - ela pergunta enquanto aperta o biquíni no meu pescoço.
Ayla tem 1,70m de altura, com um corpo de modelo e seus cabelos crespos que chamam atenção de qualquer um na rua. É uma mulher negra linda, e que mexe com o coração da metade da nossa turma de medicina na faculdade. Somos pais se conheceram assim que entram para o Bope e somos amigas desde então.
- Sim, está ótimo, obrigada - agradeço lhe dando um beijo no rosto.
Assim que termino de me arrumar as três saem juntas em direção ao elevador e assim que ele chega ao nosso andar, damos de cara com meu irmão mais velho.
- O que você está fazendo aqui ? - pergunto irritada. Ele e meu pai sempre me seguem quando saio do lupim eterno deles de ir para faculdade e depois direto para casa. Sempre dou um jeito de escapar para algum lugar.
- Relaxa, maninha, dessa vez não vim por você. - ele sorri de um jeito que sei que está tramando algo.
- Veio por mim, amor ?- Anne pergunta passando o dedo nos lábios e dando um sorriso nada discreto para ele.
Os dois se pegam desde que conheci Anne na boate. Não sou tão próxima dela, seu vínculo é maior com a Ayla, não confio muito nela, algo me diz para sempre ficar com o pé atrás.
Entramos no elevador e Murilo dá um selinho em Anne, e de imediato percebo o incomodo da minha amiga. Assim que o elevador chega ao térreo, Anne tenta dar a mão ao meu irmão que se afasta no mesmo segundo.
- Sabe que comigo não tem essa mãozinha dada, gatinha.
Encontramos um quiosque e pedimos algumas cadeiras de praia. Enquanto eu e Ayla nos acomodamos, o casalzinho corre em direção a água igual duas crianças.
A praia de Copacabana costuma ficar cheia, principalmente na véspera de ano novo, mas esse ano está um pouco diferente. Não tem tantas pessoas desse lado da praia, estão mais próximas do palco para o show da virada. Ayla está focada em ver o que Murilo e Anne estão fazendo.
- Você gosta dele ? - pergunto mesmo sabendo a resposta.
- Já te disse que não, Jade - ela se remexe na cadeira, virando o rosto para o outro lado.
- Somos amigas há tantos anos, você não precisa mentir para mim - ela nem me olha quando responde.
- Conheço o seu irmão a tanto tempo quanto conheço você, já vi mulheres e mais mulheres saírem do quarto dele, já vi ele se esconder no seu quarto enquanto a garota não ia embora, já vi ele trepando com uma em plena cozinha sabendo que você e eu estava em casa, e sabe o que ele fez nesse dia, Jade? - Não sei se ela espera por uma resposta, então só fico a olhando enquanto suas lágrimas insistem em cair.
- Ele me olhou e deu o sorriso mais safado que ele tem, virou a cabeça da garota pro meu lado para que ela pudesse me ver. Eu fiquei sem graça, não sabia o que fazer. Ele chegou no ouvido dela e disse que eu era a irmãzinha do coração dele, e que eu não deveria estar gostando do que estava vendo, só que ele via que estava estampado no meu rosto que eu estava com tesão em vê-los daquela maneira. - Enxugo suas lágrimas carinhosamente enquanto ela continua.
- Eu não estava gostando, fadinha. - Ela me apelidou assim quando soube que eu amava fadas e ela achou a coisa mais estranha desse mundo e acabou virando nosso apelido. - Eu odiei o que eu vi, odiei ver ele daquela forma. No fundo eu me odiei, por desejar estar no lugar daquela mulher. - Ela me olha com os olhos vermelhos por causa do choro. - Ele só me vê como a melhor amiga da irmã dele. Na verdade, ele me vê como irmã também. Sei que mereço muito mais do que um homem que só quer transar, mas infelizmente não posso mandar no meu coração.
Ela enxuga as lágrimas correndo ao perceber a aproximação dos dois, ainda estou sem reação diante do que ela me contou. Meu irmão chega de mansinho por trás de mim como se eu já não tivesse visto que ele se aproximava e me dá um beijo na bochecha.
- Tenho que ir, maninha. - ele fala enquanto coloca a camisa. - Jade, por favor, só vai para casa, tenho que ir para o quartel agora. Vejo você amanhã. - Me beija na testa, tem esse jeito turrão, mas no fundo é só um menino solitário. Ele vai até a Ayla e faz o mesmo com ela, minha amiga fecha os olhos enquanto sente o toque.
- Estamos combinados? - Ele se direciona a Anne, que confirma com a cabeça com um sorriso cúmplice estampado no rosto. Nem perco meu tempo perguntando do que eles estão falando, evito me intrometer no meio desses rolos do Murilo.
A hora passa que nem sentimos, o pôr do sol está se pondo e ainda estamos sentadas no mesmo lugar, menos a Anne, que está se atirando para um dos turistas. Não posso negar que ela é perfeita, ela parece uma Índia, com seus cabelos liso e pesados, tão negros que da contraste com sua pele morena da cor do pecado. Ela vem correndo em nossa direção, com seu novo peguete logo atrás.
- Meninas, esse é o Braian - Ela o puxa pelo braço nos apresnetado. - Ele é Irlandês, mas sabe falar muito bem nosso idioma, já que sua mãe é Brasileira. Mas é a sua primeira vez no Brasil e não conhece nada do Rio de Janeiro, mas está cansado daqui de Copa, então o que vocês acham, que ao invés de ver o show da virada aqui, não vamos para o show do DJ Rennan?
Estreito os olhos pois não sei onde ela está querendo chegar com isso, já havíamos discutido sobre isso antes, quando ela veio com essa ideia maluca no Hotel. O show vai acontecer em uma das maiores favelas da América Latina, a Rocinha, um local que sou extremamente proibida de frequentar devido a carreira do meu pai.
- Já não falamos sobre isso, Anne? - A lembro da nossa conversa, já que ela parece estar com amnésia.
- Já sim, e você negou! - Ela se aproxima de mim e se agacha na minha frente. - Porém eu sei ser bem insistente quando eu quero alguma coisa.
Essa garota é muito audaciosa.
- Qual o problema, Jade? Tem algum preconceito com o local que eu moro?
- Não tenho problema nenhum, só acho que você esquece de quem sou filha, se alguém me reconhecer, ou se descobrirem que sou filha do Otávio Portulla, irão me matar na hora. - Procuro apoio em Ayla, que até o momento só nos observa, sem dizer uma palavra, mas me sinto traída assim que as palavras saem de sua boca.
- Até que não seria ruim sentir um pouco de Adrenalina indo em um lugar proibido, mas só vou se a Jade for. - Que vontade de puxar esses cachos dela. Quando vou responder, Anne começa a falar na mesma hora.
- Eu só acho que vocês duas deveriam viver um pouco mais, “fadinha” - ela fala como se estivesse debochando do apelido que minha amiga me deu - Não é assim que você a chama, Ayla? - Silêncio
- Você não tem o direito de me chamar assim..- Uma notificação chega em meu celular e me distrai dos meus pensamentos, vejo que é do meu pai.
“Jade, você só pode estar de brincadeira, eu saio para fazer uma viagem, para espairecer a cabeça, e você me foge para uma praia sozinha? Você só me decepciona! Volte para casa agora!”
Logo em seguida chega outra notificação
“ Não sei se consigo voltar amanhã para o seu aniversário, mas espero te encontrar em casa assim que eu voltar”
Leio e releio a mensagem, ele nunca foi de me tratar assim, nunca deixou de passar um aniversário comigo, quando pegava serviço no dia primeiro, sempre pagava alguém para ir no seu lugar, mas agora me trata como uma prisioneira, como uma qualquer. Olho para as meninas que estão me encarando esperando que eu fale algo.
- Vamos para o Baile!
***
Encosto o carro bem na entrada da Favela, e pouco mais na frente já avisto homens armados. Desço do carro e espero que minhas amigas façam o mesmo, sinto minhas pernas meio bambas, devido ao nervosismo.
Anne sai andando e eu e Ayla damos as mão e ficamos observando enquanto ela fala com um menino, razoavelmente bonito, cheio de tatuagens, incluindo uma de aranha, ela olha para trás e aponta para gente, ele me olha bem nos olhos e me dá um sorriso de canto da boca, depois desvia o olhar para Ayla e pisca. Nossa amiga volta em nossa direção toda animada.
- Os meninos irão dar uma carona até lá em cima - não solto da mão de Ayla, pois vejo que o menino que ela estava conversando também está caminhando em nossa direção, olho para sua cintura e vejo a arma.
- Meninas, esse é o Chapoca - ela o apresenta, eu o fico encarando. Ayla já tinha comentado sobre ele quando me contou a história de como a Anne perdeu a virgindade tão nova.
- Relaxa, gatinha, ninguém aqui vai machucar vocês - ele apoia a mão na arma e olha ao redor - Meus irmãos ali irão levar vocês até lá em cima, não precisa ter medo pois eles são pilotos, tá ligado?
- Legal, já estou aqui mesmo - digo, mesmo me perguntando que merda eu vim fazer aqui.
Ele nos leva até os outros meninos, que não parecem ter 15 anos de idade, já o Chapoca parece ter uns 25 anos. Vejo Anne subir na moto do amigo, e Ayla subindo em outra.
- Não tem capacete? - pergunto, já sabendo a resposta.
- Só sobe logo - fala Anne bem na hora que o amigo arranca com a moto
Passamos por várias vielas, casinhas pequenas, barracos, mas o que me chama atenção, é quando chegamos mais em cima, as casas começam a ficar coloridas, com desenhos feitos de grafites, o que me deixa encantada, vejo várias crianças brincando de jogar bola naqueles pequenos corredores, descalços, sem camisa, mas felizes. Vejo senhores e senhoras sentadas em suas portas conversando, bebendo e fazendo o famoso churrasco brasileiros, todos simples mas entrosados.
Chegamos em uma praça, com uma quadra, onde já tem um palco com um DJ, vejo várias meninas , de várias idades dançando e se esfregando em caras, outras bebendo, outras fumando.
Olho ao redor e em cada canto da praça vejo vários homens e meninos com fuzis pendurados no pescoço, isso já me faz retrair.
Desde que minha mãe me explicou sobre a carreira do meu pai, ela sempre me ensinou a manter a calma e não demonstrar o medo, pois eles poderiam perceber que tenho algo a esconder. E caso alguém perguntasse qual era o emprego do meu pai, era para dizer que ele trabalhava com segurança. Minha mãe era dona de uma empresa de maquiagem, e ganhava muito lucro, mas nem eu e nem meu irmão temos vocação para sermos empresários, então depois do acidente resolvemos vender a fábrica, e assim ficamos ricos.
Ando até o bar, onde Chapoca disse que iríamos ficar mais à vontade, o som está muito alto e não consigo ouvir o que minhas amigas estão falando. Percebo que um pouco mais na frente, como se fosse uma esquina para uma viela, tem uma Kombi velha e um rapaz vendendo gelo, parece que ela está parada no mesmo lugar a anos, pois está sem os pneus e toda enferrujada.
- JADE - olho para Ayla que está gritando comigo
- Oi, desculpa, não estava te ouvindo - grito de volta
- Vamos dançar ? - ela pergunta de volta esticando a mão para mim.
Começamos a dançar assim que o DJ Rennan começou a tocar, toda vez que alguém vem dançar comigo eu vou para atrás de Anne. Me surpreendo ao perceber que estou me divertindo. Esqueço os problemas, esqueço meu pai e meu irmão. O tempo passa que eu nem sinto, ouço o DJ começar a contagem regressiva para o ano novo, e também para meu vigésimo primeiro aniversário.
Dou a mão a Ayla e a Anne, e quando por fim os fogos começam, abraço as duas, e estou bem, estou em paz, pelo menos foi o que eu pensei.
Começo a ouvir barulhos de tiros, me estremeço com o susto e de início eu achei que eram tiros para o alto, até perceber que todos estavam correndo, fico paralisada, minhas pernas não respeitam as minhas ordem e não se mexem.
- JADE, CORRE - sinto alguém me puxar e vejo que é a Ayla - VAMOS CORRER, NÃO PODEMOS FICAR PARADAS.
- CADÊ ANNE? - pergunto desesperada
- ELA CORREU, E SUMIU, ELA CONHECE ISSO AQUI, VAI FICAR BEM, VAMOS !
Começo a correr com ela, e então vejo alguém derrubando a Ayla bem na minha frente, não consigo ver quem era, minha visão está embaçada devido ao choro, mas percebo que a pessoa possui cabelos negros. Continuo correndo em direção da Kombi que vi mais cedo para me esconder, e procuro por Ayla, que não está mais no chão.
Os tiros estavam tão perto que me fez parar. Olho para trás e vejo um homem vindo em minha direção, volto a correr em direção da Kombi para me esconder.
- Não adianta correr, gracinha, eu vou te pegar, mas não quero te machucar.
O ignoro e continuo a correr, se eu ficar parada vou morrer baleada, mas se eu me esconder, tenho a chance de pelo menos lutar contra ele, e quem sabe sair viva. Entro na Kombi e vou em direção ao último banco.
Mais Tiros, e cada vez mais perto.
Foi tão perto que procuro o tiro em mim, mas nada me acertou.