Acordo colocando a mão na cabeça por causa da dor, minha visão ainda está embaçada, não consigo ver exatamente onde estou, mas sinto que estou sendo carregada. Abro bem os olhos e vejo que o homem misterioso que gritou comigo para que eu calasse a boca é quem está me carregando.
- Para onde está me levando? - pergunto bem devagar sem conseguir falar direito. - O que aconteceu?
- Sem muitas perguntas - ele me olha.
Olho ao redor e vejo que estamos em um quintal, com uma piscina que se liga a uma sauna toda feita de madeira. Além disso tem uma academia e uma casa na piscina, toda feita de vidro, e com cortinas enormes. Percebo que tem uma pessoa por trás delas nos observando. Bem na nossa frente vejo que tem uma outra casa, essa bem maior, de dois andares, com um varandão com rede e um sofá cama e no canto tem um telescópio,o que acho bem estranho.
Entramos pela porta de madeira, que vai do chão ao teto e somos recebidos por uma senhora. Ela é loira, olhos azuis esverdeados, vestindo uma camisola de cetim, sua pele é tomada pelo vitiligo, mas sendo bem sincera, é o que deixa a velha senhora ainda mais linda.
- O que é que você está fazendo, Wick?
- Não posso comentar nada para a senhora agora. - Ele tem respeito com ela, ele fala manso, sem levantar a voz
- Você me deve satisfação sim, você aparece dentro dessa casa, no meio da noite com uma menina nos braços, que claramente está com machucado na cabeça e não quer me explicar o motivo?
- Eu tirei ela do meio do tiroteio, e a trouxe, tive que dar uma coronhada na cabeça dela, pois ela não calava a boca, eles iam ver a gente, fui obrigada a fazer isso, mãe.
Ela é mãe dele, por isso ele fala com respeito com ela. Ele bateu em mim, me trouxe para a casa dele, mas porque não me matou?
- Meu irmão e meu pai virão atrás de mim -falo, chamando sua atenção. Ele me olha achando graça, dando um sorrisinho de lado.
- Que venham, não irão te achar, estamos no pico da montanha, cercados por árvores, mesmo que passem de helicóptero, estamos camuflados.
Olho para ele indignada. Ele foi inteligente, ninguém sabe que foi ele, ninguém sabe onde ele mora. Será que ele irá me prender em algum lugar onde ninguém possa me ouvir? Como se ele lesse a minha mente, ele responde a minha pergunta.
- Mãe, leva ela até o quarto de hóspedes do lado do meu para que eu fique de olho nela - ele me examinou de cima a baixo - E você, não tente nenhuma gracinha, pois não vai adiantar, pode gritar o quanto quiser, ninguém vai te ouvir, vou arrumar roupas limpas para você.
Não me movo. A mãe do meu suposto sequestrador me pega pelas mãos, e dá um sorriso solidário, retribuo, mesmo sem entender como ela pode aceitar que o filho sequestre alguém.
Ela me leva pela longa sala, olho ao redor admirando a casa, no teto possui um lustre grande, desses tipos de restaurante que custam uma fortuna, o sofá caberia facilmente umas cinco pessoas de tão longo, a televisão deve ser de 70’. Subo a escadas e no segundo andar as paredes são cheias de quadros da senhora mais nova posando, ela era linda. O filho parece com ela. Mais a frente tem um quarto, que ela me informa que é o dela, e diz que se eu precisa de algo é só procurar a procurar. Passamos por uma segunda sala, que ela me apresenta como a sala de jogos dos seus filhos, então pergunto onde está o outro filho e ela me diz que mora na casa da piscina, provavelmente é a pessoa que vi por trás das cortinas.
Seguimos por outra sala grande, meu Deus, essa casa é uma mansão. Agora ao invés de ter quadro com fotos da mãe, tem quadros pintados a mão. Ela aponta para a porta de madeira
- Esse vai ser seu quarto - aponta para a porta em frente da minha - E esse é o quarto do Wick. - Ela respira fundo, e seu olhar fica triste - Não tenha medo dele, ele nem sempre fez essas coisas, no fundo é um bom menino.
Como pode alguém sequestrar outra pessoa e ser uma pessoa boa? Sempre aprendi a nunca confiar em ninguém, principalmente se eu tiver uma primeira impressão ruim ao conhecer a pessoa. E mesmo esse tal de Wick ser um tremendo gato, mesmo que a primeira impressão que eu tive foi de que ele parou meu coração com aqueles olhos azuis, nada apaga que ele me deu uma coronhada e ainda me trouxe a força para sua casa.
- Me desculpe, senhora. Mas uma pessoa que faz esse mal a outra, não tem como ser uma pessoa boa.
- Helena - ela diz de repente
- Oi? - fico confusa
- Meu nome é Helena, pode me chamar assim
- O meu é Jade
Ela me abraça forte e sinto que ela vai chorar
- Sinto muito que esteja passando por isso, minha filha.- Ela abre a porta do quarto - Entre para o seu quarto e tome um banho, trarei roupas limpas para você.
Ela se vira e sai andando em direção ao seu próprio quarto, e vejo que passa a mão no rosto secando as lágrimas.
Entro no quarto e fico abismada com a beleza, parece que já estava esperando por mim. As paredes estão pintadas por um rosa bebê bem clarinho, a cama tem um edredom branco, com pequenas bolinhas rosadas, e no teto…
Paraliso, sem acreditar no que estou vendo.
- Não é possível - cochicho para mim mesma
Como ele poderia saber disso, como ele poderia achar outra igual. Apago a luz para ver se o lustre em formato de asas fica fluorescente igual ao do meu quarto na casa do meu pai. Mas não, é só uma coincidência bem estranha.
Vou até a varanda que eu já tinha visto assim que chegamos na casa, a rede está em frente a outra porta, de outro quarto. Caminho até lá e olho discretamente para dentro do cômodo. Lá dentro está Wick, tirando a camisa. Ele tem um tanquinho maravilhoso, um peitoral que me deixa babando. Ele senta na ponta da cama, e passa as mãos no cabelo, pensativo. Parece que está preocupado? Incomodado, talvez? Me aproximo mais para olhar dentro do cômodo, mas meu pé chuta algo que parece um vaso de planta, o que chama sua atenção.
Corro de volta para o meu quarto, tranco a porta que dá para a varanda e vou para o meu banheiro, uma suíte só para mim. Entro tirando a roupa e colocando em cima da bancada. O banheiro é grande e tem uma banheira, coloco-a para encher. Abro as gavetas do armário e só tem um sabonete, uma escova de dente e uma pasta.
Desligo a banheira e abro o chuveiro, a água sai gelada, tento mudar para o quente mas o chuveiro é muito alto para isso. Entro assim mesmo no chuveiro e me deixo chorar, me deixo colocar para fora tudo o que me agonia, todas as minhas mágoas, me agacho e grito, até fazer essa dor e esse desespero passar.
***
Saio do box e encontro a toalha pendurada, provavelmente Dona Helena entrou aqui e pendurou para mim. Me enrolo na toalha e saio do banheiro. Assim que entro no quarto me assusto, Wick está sentado na beira da cama, mexendo na televisão, que minutos antes não estava ali.
- O que você gosta de assistir ? - Qual é a dele, primeiro me sequestra e agora quer dar um de bom moço. Entro no jogo dele, pois se penso em fugir daqui, preciso primeiro conquistar a confiança dele.
- Romance. Você poderia me dar licença para que eu possa me vestir? - Ele me olha de cima a baixo, fitando cada pedacinho do meu corpo.
- Tudo bem, a porta do seu quarto ficará trancada a noite, tanto a do quarto, quanto a da varanda, para você não dar uma de esperta e tentar fugir.
Ele se levanta e caminha até a porta da varanda, tirando a chave, depois volta a me olhar e encara a minha boca e volta a olhar nos meus olhos, desvio o olhar e quando volto a encara-lo ele já está indo até a porta do quarto. Assim que sai, ainda de costas, penso que ouço ele dizer algo como um pedidos de desculpas.
- O que você disse? - ele continua de costas para mim
- Boa noite, Jade, a porta do quarto será aberta às 08h em ponto. - Ele fecha a porta e a tranca, estou sozinha novamente.
Não entendo, primeiro ele é todo grosso, ao ponto de gritar comigo, e agora ele está calmo, me tratando bem, e ainda sabe o meu nome. Será que Dona Helena contou a ele ? Volto para cama e encontro um pijama com um bilhete.
“Espero que durma bem, menina, e perdão por não poder ajudá-la”
Ela se sente culpada pelo o que o filho faz, talvez por se achar cúmplice. Coloco a roupa e vou até o closet, lá encontro uma escova para pentear o meu cabelo.
Deito na cama, mas não consigo dormir, sei que ele nunca daria o mole de deixar meu celular por aqui, mas mesmo assim eu o procuro, mas não encontro nada. De manhã irei procurar pela casa, preciso entrar em contato com alguém, preciso avisar onde estou, antes que algo aconteça comigo.
Levo algumas horas para pegar no sono. Mas quando durmo sonho com a minha mãe, com ela pegando em minha mão enquanto eu descia o escorrega pela primeira vez, e meu irmão, com apenas 10 anos, me incentivando a descer, e assim que desço ele me abraça, e me chama de “sua menina corajosa”, minha mãe abraça nós dois, e diz como nos ama, e que nunca deixaria nada acontecer com nós dois.
Um barulho alto faz eu acordar, olho para a varanda e já é dia. A porta se entreabre e o vejo me observar, fecho os olhos para fingir que estou dormindo e a porta novamente se fecha.
Como eu queria que minha mãe ainda estivesse