01/01/2023 - Jade

 Acordo levando a mão à cabeça por causa da dor. Minha visão ainda está embaçada e não consigo enxergar exatamente onde estou, mas sinto que estou sendo carregada. Forço os olhos até conseguir ver melhor: é o homem misterioso que gritou comigo para que eu calasse a boca. Ele está me carregando.

— Pra onde está me levando? — pergunto, devagar, com dificuldade para falar. — O que aconteceu?

— Sem muitas perguntas — ele responde, seco, me lançando um olhar rápido.

Olho ao redor. Estamos num quintal enorme, com uma piscina que se conecta a uma sauna feita de madeira clara. Há uma academia e uma casa de vidro ao lado da piscina, com cortinas longas que escondem alguém nos observando de dentro. Mais à frente, vejo uma segunda casa, bem maior, de dois andares. Tem um varandão com rede, sofá-cama, e, no canto, um telescópio. Estranho. Quem usa um telescópio no meio do mato?

Entramos por uma porta de madeira imensa, que vai do chão ao teto. Somos recebidos por uma senhora Grisalha, de olhos azul-esverdeados. Ela veste uma camisola de cetim, e sua pele, marcada pelo vitiligo, a torna ainda mais bonita, elegante de um jeito quase hipnótico.

— O que é que você está fazendo, Wick? — ela pergunta, firme.

— Não posso comentar nada agora.— ele responde com respeito, sem alterar o tom de voz.

— Você me deve explicações sim. Aparece aqui, no meio da noite, com uma menina nos braços, claramente machucada, e não quer me dizer por quê?

— Eu tirei ela do meio do tiroteio. Tive que dar uma coronhada nela... não calava a boca, ia chamar atenção, iam ver a gente. Fui obrigado, mãe.

Mãe. Ela é mãe dele. Por isso ele fala com tanto respeito. Ele me bateu... me trouxe até aqui… mas por que não me matou?

— Meu irmão e meu pai vão vir atrás de mim — digo, tentando manter a postura. Ele ri, debochado, com aquele sorrisinho torto.

— Que venham. Não vão te achar. Estamos no pico da montanha, cercados por árvores. Mesmo que passem de helicóptero, estamos camuflados.

Olho para ele, indignada. Inteligente... Ele pensou em tudo. Ninguém sabe que foi ele. Ninguém sabe onde ele mora. Será que vai me prender aqui, onde ninguém pode me ouvir?

Como se estivesse lendo minha mente, ele responde:

— Mãe, leva ela até o quarto de hóspedes em frente ao meu. Assim eu fico de olho. — Ele me examina de cima a baixo. — E você... não tente nenhuma gracinha. Pode gritar o quanto quiser. Ninguém vai ouvir. Vou arrumar roupas limpas pra você.

Não me mexo. A mãe do meu suposto sequestrador me pega pela mão. Ela sorri de forma solidária. Retribuo, mesmo sem entender como pode aceitar que o próprio filho faça isso com alguém.

Seguimos por uma sala enorme. No teto, um lustre daqueles que parecem de restaurante caro. O sofá é gigantesco, caberiam cinco pessoas fácil. A TV é enorme. Subimos uma escada e vejo quadros da senhora mais nova, posando. Ela era linda. Wick puxou a beleza dela.

Ela me mostra seu quarto e diz que, se eu precisar de algo, é só procurá-la. Passamos por outra sala, uma de jogos, onde pergunto sobre o outro filho. Ela diz que mora na casa da piscina. Provavelmente foi ele que eu vi por trás das cortinas.

Entramos em outro corredor. A casa é imensa, quase uma mansão. Agora os quadros nas paredes são pinturas feitas à mão. Ela aponta:

— Esse vai ser o seu quarto — e então aponta a porta em frente — E esse é o quarto do Wick. — Ela respira fundo, com o olhar triste. — Não tenha medo dele. Ele nem sempre foi assim... No fundo, é um bom menino.

Como alguém que sequestra outra pessoa pode ser “bom”? Sempre aprendi a nunca confiar em ninguém, principalmente se a primeira impressão for ruim. E mesmo esse tal de Wick sendo um tremendo gato, com olhos azuis de parar o coração… nada apaga o fato de que ele me deu uma coronhada e me trouxe à força até aqui.

— Me desculpe, senhora. Mas uma pessoa que faz isso com outra… não pode ser boa.

— Helena — ela diz, de repente.

— Oi?

— Meu nome é Helena. Pode me chamar assim.

— O meu é Jade.

Ela me abraça forte. Sinto que vai chorar.

— Sinto muito que esteja passando por isso, minha filha. — Ela abre a porta do quarto. — Entre, tome um banho. Vou trazer roupas limpas.

Ela se afasta, enxugando discretamente as lágrimas.

Entro no quarto e fico pasma. Tudo parece ter sido preparado pra mim. As paredes são rosa bebê, a cama tem edredom branco com bolinhas rosadas. No teto...

Paro. Não pode ser. Um lustre em formato de asas. Igual ao do meu quarto na casa do meu pai. Apago a luz para ver se brilha no escuro. Mas não... é só uma coincidência bizarra.

Vou até a varanda. A rede está em frente à porta de outro quarto. Me aproximo, olho discretamente. Wick está ali, tirando a camisa. Corpo definido, um peitoral de dar inveja. Senta-se na beira da cama e passa as mãos no cabelo, pensativo. Parece preocupado?

Me aproximo mais... esbarro em um vaso de planta. Droga.

Corro de volta, tranco a porta da varanda e vou direto pro banheiro — uma suíte só minha. Tiro a roupa e deixo em cima da bancada. O banheiro é grande, tem uma banheira. Começo a enchê-la. Nas gavetas, só um sabonete, uma escova e pasta de dente.

Desligo a banheira e abro o chuveiro. A água sai gelada. Tento mudar, mas o chuveiro é muito alto. Entro assim mesmo. Me deixo chorar. Grito, me agacho... solto tudo. Toda mágoa, todo medo.

                                                                              ***

Saio do box. A toalha está pendurada. Dona Helena deve ter deixado. Me enrolo nela e, ao sair do banheiro, levo um susto: Wick está sentado na beira da cama, mexendo na televisão — que não estava ali antes.

— O que você gosta de assistir?

Qual é a dele? Me sequestra e agora quer brincar de bom moço? Mas se quero fugir, preciso conquistar a confiança dele.

— Romance. Você pode me dar licença para eu me vestir?

Ele me olha de cima a baixo, sem vergonha nenhuma.

— Tudo bem. A porta vai ficar trancada à noite. Tanto a do quarto quanto a da varanda. Não tente nada esperta.

Ele vai até a varanda, tira a chave da porta, e me encara de novo. Seus olhos descem até minha boca. Depois, me encara nos olhos. Desvio o olhar. Quando volto a olhar, ele já está indo embora.

Acho que o ouço dizer algo… parece um pedido de desculpas?

— O que você disse?

— Boa noite, Jade. A porta será aberta às 08h em ponto.

Ele fecha e tranca a porta. Estou sozinha de novo.

Não entendo. Ele grita, é grosso, violento... mas agora está calmo, gentil. E ainda sabe meu nome. Será que Helena contou?

Volto pra cama e encontro um pijama. Tem um bilhete:

“Espero que durma bem, menina. Perdão por não poder ajudá-la.”

Ela se sente culpada. Como se fosse cúmplice. Visto o pijama, encontro uma escova no closet e penteio o cabelo.

Me deito. Mas não consigo dormir. Procuro meu celular — é claro que ele não deixou por aqui. Mesmo assim, vasculho tudo. Amanhã, vou procurar pela casa. Preciso avisar alguém onde estou.

Levo horas pra adormecer. Quando finalmente durmo, sonho com minha mãe. Ela segura minha mão enquanto desço o escorrega pela primeira vez. Meu irmão, com apenas 10 anos, me espera lá embaixo, rindo. Me chama de “sua menina corajosa”. Minha mãe nos abraça.

“Nunca vou deixar nada acontecer com vocês”, ela diz.

Acordo com um barulho. Olho para a varanda. Já está de dia. A porta se entreabre. Wick me observa. Fecho os olhos, fingindo dormir. Ele fecha a porta.

Como eu queria que minha mãe ainda estivesse aqui...

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