Os dias foram se passando, e naquela tarde o sol ainda mal havia aquecido os telhados da cidade quando a campainha da mansão tocou. Luna, que organizava alguns documentos na sala, franziu o cenho. Não esperava ninguém. Caio estava no andar de cima, em fisioterapia com o fisioterapeuta particular.
Foi atender por impulso, descalça, os cabelos presos em um coque bagunçado. Ao abrir a porta, encontrou diante de si uma mulher que parecia saída de uma capa de revista.
Alta, magra, loira platinada, com óculos escuros que escondiam metade do rosto, mas não o sorriso afiado. Vestia um sobretudo bege impecável, uma bolsa de grife pendendo do braço e um salto que tilintava ao menor movimento.
— Você deve ser a enfermeira. — A voz era doce como veneno diluído em mel.
— Sim. Posso ajudá-la?
A mulher tirou os óculos, revelando olhos claros e maquiados com perfeição. Havia uma sombra sutil de arrogância ali — o tipo de mulher que nunca precisou pedir licença para entrar.
— Sou Laura. Ex-noiva do Caio.
Luna congelou por um segundo. Depois se recompôs, abrindo espaço com o corpo sem dizer uma palavra.
— Ele está no meio de uma sessão — disse, tentando manter a voz neutra. — Mas posso avisar que você chegou.
— Não se preocupe — respondeu Laura, já entrando sem esperar convite. — Eu conheço cada centímetro desta casa. Inclusive os segredos que ela guarda.
Luna ficou em pé na sala, observando-a caminhar até a varanda como se ainda fosse dona de tudo. O som dos saltos ecoava entre os móveis silenciosos. Aquilo a incomodava mais do que gostaria de admitir.
Minutos depois, Caio apareceu. Estava suado da fisioterapia, com os cabelos bagunçados e a camiseta colada ao corpo. Parou no meio do corredor ao ver Laura, como se tivesse visto um fantasma.
— O que você está fazendo aqui?
— Vim ver como você está — disse ela, se aproximando com um sorriso contido. — Achei que… merecia uma visita.
— Depois de dois anos em silêncio?
— Eu precisava de tempo. E você também.
Luna sentiu-se invisível naquele momento. Quis sair da sala, mas algo a fez ficar. Talvez fosse o incômodo crescendo dentro do peito. Um incômodo com nome, perfume importado e pernas perfeitas.
— Achei que estivéssemos quites — Caio respondeu, com frieza. — Você foi embora antes mesmo de saber se eu estava bem. Sumiu.
— Eu não sabia lidar com aquilo. Com você assim.
— “Assim” significa vivo, Laura. Só que em uma cadeira de rodas.
O silêncio que se seguiu foi pesado.
— Eu ainda me importo, Caio. — Ela deu um passo à frente. — Talvez mais do que deveria.
Foi aí que Luna não se conteve.
— Com licença — disse, tentando não deixar a voz trêmula. — Tenho trabalho a fazer.
Caio olhou para ela pela primeira vez desde que Laura chegara. E, por um segundo, seus olhos pareceram pedir para que ela ficasse.
Mas Luna já havia saído da sala.
Mais tarde, naquele mesmo dia, Caio a encontrou na cozinha, mexendo distraidamente uma xícara de chá.
— Ela não vai ficar — disse ele, sem rodeios.
— Não me interessa, Caio. A casa é sua. A vida também.
— Luna…
Ela se virou para encará-lo. Estava magoada, mesmo que não quisesse admitir.
— Por que ela veio?
— Porque o passado sempre volta. Principalmente quando a gente começa a se sentir vivo de novo.
— E é isso que ela te faz sentir?
Ele deu um passo à frente.
— Não. É você que me faz sentir isso.
A respiração dela falhou por um segundo. Mas ela não respondeu.
— Boa noite, Caio.
E saiu da cozinha, deixando-o ali, sozinho com seus fantasmas — e talvez, também, com a primeira certeza em muito tempo.